Numa sentença proferida pelo juiz Filipe Veríssimo Duarte no passado mês de setembro, o Estado Português foi condenado a pagar 200 mil euros pela morte de uma bombeira, ocorrida em agosto de 2006, enquanto exercia as suas funções. O Tribunal Administrativo de Leiria deliberou o pagamento da indemnização aos familiares da vítima, mas o Ministério Público (MP) recorreu da decisão, conforme despacho a que o i teve acesso.
Viviana Dionísio, de 29 anos, era bombeira desde os 15 anos e, na altura, desempenhava as funções de operadora de comunicações do Centro Distrital de Operações de Socorro de Leiria. No combate ao incêndio que deflagrou a 10 de agosto desse ano na serra dos Candeeiros, concelho de Porto de Mós, foi destacada para a viatura de comando operacional e comunicações (VCOC), que no local centraliza todos os contactos. Estava acompanhada do 2.o comandante distrital e de outro operador, trabalhou até às duas da madrugada e foi descansar para os bancos da frente da viatura. À hora da rendição, no dia 11 de agosto, os colegas foram encontrá-la inanimada.
O Ministério Público não só afastou responsabilidades do Estado no sucedido como não concordou com o valor total da indemnização, considerando a verba excessiva. “Os valores indemnizatórios atribuídos parecem-nos excessivos e sem correspondência com os valores normalmente atribuídos pela jurisprudência e o nível de vida do nosso país, muito embora a perda de uma vida humana, como prejuízo supremo, nos mereça a nossa maior consideração”, lê-se no recurso, a que o i teve acesso.
O MP vai mais longe e defende que “a indemnização por danos morais visa compensar as dores, sofrimentos e desgostos causados por factos ilícitos a outrem, mas estes só devem ser inteiramente ressarcidos se tiverem suficiente gravidade, e a mensuração objetiva de tais danos é impossível”. Como tal, considera que essa avaliação tem de ser encontrada de outras formas, nomeadamente através do grau de culpabilidade do agente, a situação económica das partes e as circunstâncias do caso.
Causas
No mês passado, o Tribunal Administrativo de Leiria revelou que Viviana Dionísio esteve no incêndio no Juncal 40 horas sem dormir e que, assim que a foram substituir, foi descansar na cabina da viatura de comando de operações e comunicações – uma prática que, segundo a sentença, é considerada “comum e do conhecimento dos comandantes do Comando Distrital de Operações de Leiria que também estavam presentes no local”.
Foi provado que na origem da morte esteve a intoxicação por monóxido de carbono. A viatura tinha a janela fechada e não havia qualquer tipo de arejamento. “A operadora Viviana Lourenço Dionísio faleceu por intoxicação decorrente da inalação de quantidades letais daquele gás”, lê-se na sentença.
Esta situação deveu-se ao funcionamento de um gerador elétrico monofásico, insonorizado, encastrado no lado direito da traseira da carroçaria da viatura que esteve a funcionar na noite/madrugada, altura em que o motor do veículo esteve desligado. Mas em função da localização e características do escape do gerador, “o fumo daquele escape entrou no chassis do veículo pelo orifício junto à pala da roda traseira do lado direito, espalhando-se por essa estrutura e contaminando lentamente o ambiente”, revela o documento.
Face a esta situação, o Tribunal Administrativo de Leiria declarou que é “pedida a condenação dos réus ao pagamento de indemnização de danos não patrimoniais sofridos pelo decesso [óbito] da filha dos autores originários, por violação ilícita e culposa de deveres de cuidado por parte dos demandados”. Acrescenta ainda que “estamos perante um pedido de condenação em sede de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito visando o arbitramento de uma indemnização por danos não patrimoniais”, afastando assim a hipótese de indemnização por acidente de trabalho e ilibando, desta forma, a seguradora de qualquer responsabilidade, assim como as empresas fornecedoras do equipamento.
Como tal, perante todos os factos, o texto define que cabe ao Estado português assumir a responsabilidade da morte da bombeira.
“A mera violação de normas ou deveres objetivos de cuidado, por parte da Administração Pública, não constitui, por si só, um ilícito indemnizável em sede de responsabilidade civil administrativa; para que isso suceda, é ainda necessário que dessa violação resulte a ofensa dos direitos ou interesses de outrem”, diz a sentença, acrescentando ainda que “houve efetivamente uma inobservância de dever de cuidado. Como tal, não ocorreu tal causa de justificação ou de exculpação, pelo que se têm de considerar verificados os pressupostos de ilicitude e de culpa.”
O tribunal entendeu que o gerador foi instalado pelo Serviço Nacional de Bombeiros e Proteção Civil (SNBPC), representado pelo Estado, após adjudicação a uma entidade privada, a Electrosis Comunicações, Lda., que subcontratou os serviços da Fapoagri, Fábrica de Carroçarias e Caravanas, Lda. “Nada mais previu o Estado português nas peças do procedimento quanto àquele gerador, respetivas características ou forma de minimizar os riscos das emissões de monóxido de carbono a ele inerentes”, conclui.
Estado afasta responsabilidades
O Ministério Público acusou o tribunal de Leiria de fazer “tábua rasa” em relação às empresas – Electrosis e Fapoagri – que desenvolveram e instalaram o gerador “enquanto produtores e independente de culpa, pelos danos causados pelos produtos colocados em circulação”, acrescentando ainda “produtos esses, carroçamento e principalmente integração de gerador, que se mostraram defeituosos”, diz o recurso a que o i teve acesso.
O Estado entende assim que a morte da bombeira por intoxicação por monóxido de carbono deveu-se a um defeito do produto contratado, ou seja, carroçamento e integração do gerador e, como tal, considera que é a responsabilidade é exclusiva do produtor, por “não oferecer a segurança com que legitimamente se pode contar”.
O MP diz ainda que a sentença do tribunal falha no que diz respeito à homologação do carroçamento da carrinha sob a responsabilidade da ex-Direção-Geral de Viação.
Notícia corrigida, por lapso o SOL escreveu 2016 em vez de 2006, ano do óbito da bombeira