A sucessão à liderança de Passos Coelho – muitas vezes acusada de excessivamente ideológica – lança uma dúvida para os concorrentes à cadeira: a resposta é uma mudança ideológica (fugindo à Direita) ou uma acalmia ideológica (fugindo à discussão)? Dentro do partido, as vozes dividem-se. Quem pede uma viragem para o centro-esquerda ouve duas coisas: a primeira é que o centro-esquerda já está ocupado pelo PS (em Governo); a segunda é que, com o CDS de Assunção Cristas em crescendo, não se pode deixar o eleitorado de Direita à sua mercê. Quem pretende uma manutenção do status quo do pensamento ‘passista’ leva, inevitavelmente, com os resultados das eleições autárquicas.
Rui Rio, que é apoiado por muitos dos críticos de Passos (mas não só), propõe um partido que vá do «centro-direita ao centro-esquerda», colocando-se, em comparação com Pedro Santana Lopes, mais ao «centro-esquerda».
Santana, que não deixou de falar em «liberalismo» na sua apresentação, procurou fugir aos rótulos ideológicos. Pediu um partido que respeitasse a sua «identidade» e o seu «programa», mas, sobretudo, «próximo das pessoas». O foco na solidariedade social e o reconhecimento que a experiência como Provedor da Santa Casa da Misericórdia o mudaram como político equilibram essa balança. A troca de elogios com Marcelo Rebelo de Sousa revelou a busca pela mesma abrangência. No fim, acabou até por atirar ao mesmo alvo: «do centro-direita ao centro-esquerda». Mas se o PSD vai de um ponto ao outro, acabará, afinal, onde? O SOL ouviu três professores universitários de Ciência Política sobre a importância (ou não importância) do cenário ideológico na disputa social-democrata.
Marina Costa Lobo, investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, esclarece que «é normal que haja, em disputadas intrapartidárias, um distanciamento ideológico reduzido», na medida em que os candidatos «pertencem ao mesmo partido». Ou seja, as diferenças ideológicas nunca serão tão vincadas quanto as entre PSD e PS ou entre o Bloco de Esquerda e o PSD. «O peso do perfil do candidato», diz Costa Lobo, «sobressai» e a questão ideológica é «ligeiramente menorizada».
A académica, apesar disso, reconhece que «que há diferenças entre Rui Rio e Santana Lopes», visto que o primeiro «preconiza uma convergência maior com o PS» enquanto Santana está «claramente a favorecer uma bipolarização». «Santana Lopes foi primeiro-ministro de um Governo em coligação com o CDS», recorda a professora universitária, o que é «indicador de um posicionamento».
«Rui Rio, acentua um pouco mais a Esquerda desse centro direita [o PSD]; Santana acentua um pouco mais a direita desse centro-direita», descreve, lembrando que o PSD, como partido grande, tem várias sensibilidades: uma mais social-democrata; uma mais liberal.
«O PS tem também várias sensibilidades. Os maiores partidos, pelo seu tamanho, integram em si diferenças maiores. Dentro do CDS, do BE e do PCP há menos divergência: são mais homogéneos porque são partidos mais pequenos», torna a explicar. No PSD, conclui Marina Costa, há hoje «uma corrente mais liberal, mais herdeira de Passos» e uma corrente «mais estatista, com vários pais e várias mães».
O politólogo português António Costa Pinto acrescenta, também ao SOL, pontos distintos.
Antes da ideologia, Costa Pinto vê três dimensões fundamentais para olhar a disputa: a primeira, na personalização; a segunda, nos termos político-eleitorais («quem é melhor para levar o PSD ao poder»); e a terceira, do ponto de vista programático.
Sobre a ideologia, uma advertência: «O PSD é um partido catch-all. Tem vários setores».
«Os dois candidatos ao PSD estão numa conjuntura dominada por alianças inéditas à esquerda. E já se começou a ver Rui Rio a evitar a colagem ao velho centrismo, precisando de afirmar-se como centro-direita contra a aliança de Esquerda», vê o académico.
«Santana tem um discurso mais generalista. O principal risco de Rui Rio, ironicamente, é ter um discurso de rigor economicista», prossegue ainda, lembrando a «a menor experiência eleitoral, interna e externa», do ex-autarca.
«Se a ideologia conta por vários pontos, há um que é novo. Passos Coelho trouxe uma novidade: a mobilização de um setor de intelectuais orgânicos, que viram nele a hipótese de um programa de direita liberal. Neste momento, não surgiu nenhum candidato próximo dessa agenda, evidentemente mais ideológica», afirma, na senda de que os dois candidatos atuais (Rio e Santana) «são veteranos e não discípulos». Nesse sentido, Costa Pinto entende que o debate poderá ser «menos ideológico» com Passos fora de cena.
João Pereira Coutinho, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, diz ao SOL que «quem acha que a ideologia do PSD ficou marcada na pedra do seu ano de fundação entende pouco de política», pois «a ideologia responde às circunstâncias». E já não estamos em ‘74.