«Escolher é excluir.»
Henri Bergson
A Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (a chamada CRESAP) foi criada pelo ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho em 2011, em simultâneo com outras decisões que visaram moralizar a vida política, dar maior transparência ao recrutamento para funções superiores no Estado e empresas públicas, e combater os chamados jobs for the boys (and girls). Sem dúvida, uma boa ideia, alicerçada nas melhores intenções.
Passados todos estes anos, o que temos, enquanto balanço? Em números, quase mil e duzentas pessoas avaliadas, das quais a esmagadora maioria com parecer positivo (‘adequado’). Concretamente, mais de mil e cem pessoas, com índices de avaliação ‘adequada’ e ‘positiva’ superiores, nos anos 2012, 2013 e 2014, e só agora em 2017 é que temos a mais baixa avaliação em relação aos anos 2015 e sobretudo 2016 (77%).
Para além destes números, temos que os chamados pareceres positivos da CRESAP (‘adequados com limitações’) foram maiores também nos anos 2015 e 2016 (dezanove e quarenta, respetivamente), e menores noutros anos.-
No entanto, vistos de relance, estes resultados são enganadores.
Porquê? Porque escondem outras realidades.
Um dos principais calcanhares de Aquiles da CRESAP é ser uma agência de emprego em que a esmagadora maioria dos funcionários (que dão o beneplácito para recrutamento e consequente nomeação) tem vínculo ao Estado. São pessoas do Estado a serem caucionados para o Estado.
De norte a sul de Portugal encontramos centenas de exemplos de gente que se queixa. Gente que, não tendo vínculo ao Estado, nunca tendo tido a oportunidade de trabalhar no Estado (mesmo sem vínculo público), é sucessivamente prejudicada nos concursos abertos e em avaliação pela CRESAP.
E isto permite a seguinte dúvida: não estará a CRESAP, na prática, transformada numa agência de emprego público, onde os ‘não públicos’ não entram? Onde milhares de portugueses e portuguesas, de várias idades e com excelentes qualificações, acabam por não estar nos concursos em igualdade de oportunidades?
Poderão os mais legalistas dizer que a lei está a ser rigorosamente cumprida. Mas isso não esconde a realidade: os privados não têm chegado às chefias do Estado.
Estima-se que um terço dos candidatos vem do setor privado (do setor não público) – mas, desses, só cerca de 50% acabam por figurar nas listas finais. Aliás, estimam-se em quase dez mil as pessoas que se têm registado na plataforma CRESAP, demonstrando a intenção de se candidatarem a ‘dirigentes’ do Estado. Não sendo despiciendo constatar que quase dois terços dos considerados ‘aprovados’ são mulheres – mas que apenas um quinto das chefias é do género feminino.
Com base em tudo isto, julgo ser chegado o momento de fazer o balanço do papel da CRESAP. Sobre os ganhos alcançados (ou não) em matéria de transparência, qualidade das chefias, objetivos, etc.
A CRESAP nasceu de boas intenções. De bons propósitos. Permitiu alguns ganhos. Talvez uma nova cultura e ética políticas. Mas julgo que, neste momento, está a esgotar o seu papel. Deve ser repensada. Para corrigir alguns dos seus bloqueamentos. Alguns dos seus equívocos.
Desde logo, por servir acima de tudo para recrutar sobretudo homens e gente com vínculo ao Estado. Se a culpa é da sua natureza jurídica e do seu regime jurídico, que se altere tudo isso e o que mais for necessário.
E que se aproveite, também, para delinear ainda mais e melhor o que é da CRESAP e o que não é da CRESAP. Ou seja, o que é confiança política e o que não é.
Porque – sejamos sinceros – não existe no mundo dito mais civilizado um país em que o vencedor das eleições não tenha a faculdade legal de nomear gente da sua confiança. Exemplos não faltam. Uns pela negativa, é certo. Mas muitos também pela positiva.
Por isso, organismos como a CRESAP podem ou não fazer sentido existir. Mas talvez seja mais importante criar os enquadramentos jurídicos e políticos necessários para que, um dia, já não sejam precisas mais CRESAPs.
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