Barcelona

Desde sempre os catalães foram massacrados pelos castelhanos, quer para os espoliarem quer para encontrarem uma saída para o Mediterrâneo.

Há duas semanas, o Expresso da Meia Noite, da SIC Notícias, debatia a questão catalã, mas todos os convidados diziam mais ou menos o mesmo.

O interesse de um debate consiste no choque de opiniões, para o telespetador conhecer os argumentos dos dois lados e poder tomar posição. Mas ali puxavam todos para o mesmo lado, defendendo a posição de Madrid contra Barcelona.

Tenho um especial carinho pela capital da Catalunha, que visitei como jovem estudante de arquitetura, encantando-me com as obras de Gaudí – um arquiteto mágico. Visitei as suas casas uma a uma, o Parque Guëll, a Sagrada Família, que estava ainda numa fase atrasada, sendo possível ver uma catedral gótica em plena construção!

Nesta polémica sobre a independência da Catalunha, há muitos argumentos que não fazem sentido:

1. As pessoas que recusam a independência catalã falam como se as fronteiras dos Estados fossem imutáveis e não devessem sofrer mais alterações até ao fim dos tempos. Ora, a História não acabou! A Alemanha unificou-se, a União Soviética implodiu, a Jugoslávia desintegrou-se. Não se pode pensar que as fronteiras na Europa e fora dela vão ficar assim para sempre. A questão está em saber se a independência de uma nação faz ou não sentido.

2. No franquismo, a língua catalã deixou de ser ensinada nas escolas e foi proibida, mas os catalães conseguiram mantê-la viva durante esses quase 40 anos. Nesse tempo visitei uma escola clandestina onde se ensinava o catalão. E a vontade de conservar a língua viva era tão forte que, apesar da proibição, todas as crianças a aprendiam – a ponto de, após a restauração da liberdade, o catalão ser reintroduzido como língua oficial e todos a falarem. Este simples facto mostra uma identidade muito forte.

3. O Governo de Barcelona foi crucificado por estar a afrontar a Constituição. Mas poderia ser de outra maneira? A Constituição espanhola, como outra qualquer, é a lei fundamental do Estado num determinado momento. Que prevê uma dada ordem jurídica e uma unidade territorial. Mas é exatamente esta unidade que está em causa! Se houvesse que respeitar religiosamente a Constituição nenhum povo poderia tornar-se independente. A começar pelas ex-colónias portuguesas.

4. Diz-se que Puigdemont cometeu o crime de dividir o povo catalão. Isso seria verdade se ele fosse o iniciador do movimento independentista. Mas a luta da Catalunha pela independência tem séculos! Puigdemont limitou-se a continuar uma luta secular. Aliás, Portugal deve a sua independência a essa luta, pois foi uma revolta na Catalunha que obrigou Filipe IV a enviar para lá tropas, deixando o caminho aberto à restauração da independência portuguesa.

5. O Governo de Madrid alega que a maioria dos catalães quer pertencer a Espanha. Mas di-lo com base em quê? Se o referendo foi proibido, que meios tem para o provar? Pelo contrário: a proibição do referendo foi uma manifestação de fraqueza, de receio de que o ‘sim’ vencesse – e nessa medida só deu razão aos catalães.

6. Ao suspender e ilegalizar o Governo catalão, ao querer controlar a Polícia, a administração civil, etc., Madrid assumiu-se como uma potência colonial, reduzindo a Catalunha à condição de colónia. Barcelona é ocupada por forças vindas do exterior, que a governam. Este amesquinhar?? da capacidade dos catalães para se governarem é mais uma acha para a fogueira do desejo de independência.

7. O movimento independentista tem tido uma postura pacifista que o credibiliza. Nunca cedeu à tentação da violência e muito menos de terrorismo, ao contrário da ETA, fazendo lembrar a resistência de Gandhi. E ganhou superioridade moral quando o Governo de Madrid, no dia do refendo, recorreu à violência policial.

8. Esta postura autoritária de Madrid também tem raízes históricas. Castela é uma região muito pobre. A planície castelhana é seca, árida e inóspita. Assim, os castelhanos organizaram-se como um povo de guerreiros que saqueava e dominava os povos da orla marítima. A Catalunha foi uma das vítimas desse saque. Desde sempre os catalães foram massacrados pelos castelhanos, quer para os espoliarem quer para encontrarem uma saída para o Mediterrâneo. Esta situação explica muito a revolta da Catalunha.

9. As medidas decretadas por Madrid assentam na ideia de que vão vergar os catalães pelo medo. Isso talvez fosse possível se fosse um fenómeno recente. Mas um sentimento que já tem séculos não se resolve com ameaças e com a supressão da liberdade.

10. A única forma civilizada de agir nesta questão era Madrid ter permitido o referendo, embora avisando que era ilegal e não tinha valor. Se o ‘não’ à independência ganhasse, o assunto estava resolvido. Se vencesse o ‘sim’, Madrid diria: a independência está fora de causa, pois é ilegal, mas havendo da parte do povo catalão um desejo de maior autonomia vamos estudar formas de resolver esse problema (por exemplo, através de um estado federal). Querer manter a Catalunha dentro da Espanha através da força é que não faz sentido nem é possível.

Aqui tem, caro leitor, dez questões que me ocorrem neste debate. E que deixo à sua reflexão.