A Comissão Europeia não acredita nas metas do governo para o próximo ano tanto em matéria económica como no défice. De acordo com as previsões de outono, divulgadas ontem, Bruxelas vê a economia a crescer 2,6% este ano e 2,1% no próximo – o que compara com 2,6% e 2,2% previstos pelo governo. Já o défice orçamental estabilizará em 1,4% do PIB tanto em 2017 como em 2018, contrariando as metas do executivo, que apontavam para um défice de 1% já em 2018. Isto significa que Portugal fica de novo exposto à abertura de um procedimento por desvio significativo já em março de 2018.
O comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, já veio explicar que as divergências quanto ao ajustamento orçamental projetado para 2018 resultam sobretudo de uma “avaliação mais conservadora” do impacto das medidas e de uma “avaliação superior da evolução da despesa em alguns pontos”. Ainda assim, garante que está a trocar opiniões com as autoridades portuguesas. “Estamos a trocar opiniões com o governo português, com um espírito muito positivo. Esperamos que estas discrepâncias possam ser fechadas ou reduzidas, como foi o caso em anteriores exames ou avaliações de Orçamentos”, disse.
A verdade é que esta divergência já não é nova. No final de outubro, após a entrega do Orçamento do Estado, a Comissão Europeia tinha alertado Mário Centeno para um “risco de desvio significativo” das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento – um alerta que foi afastado pelo ministro das Finanças, que manteve assim os números e a estratégia inalterados.
Mais Aumento de despesa
Para este ano, a Comissão Europeia antevê que a redução do défice dos 2% em 2016 para os 1,4% este ano “se deve sobretudo à recuperação económica, à queda da despesa com juros e ao investimento público abaixo do orçamentado”. Mas excluindo as medidas temporárias, a previsão europeia é de que o défice das administrações públicas seja de 1,6% do produto interno bruto (PIB).
Quanto ao défice estrutural – que retira o efeito do ciclo económico e das medidas temporárias -, a expetativa de Bruxelas é que “melhore apenas ligeiramente em 2017” para os 1,8% do produto potencial (em 2016 foi de 2%), considerando que a melhoria do défice “é sobretudo cíclica na sua natureza e não é acompanhada de medidas discricionárias de consolidação orçamental”.
Para 2018, Bruxelas espera que o défice permaneça “estabilizado nos 1,4%” do PIB “devido a um impacto mais negativo das operações temporárias”, ao passo que o défice líquido destas medidas deverá melhorar para os 1,2% do PIB. E deixa um alerta: tendo em conta que o impacto das medidas discricionárias e da poupança com juros em 2018 “deverá ser amplamente neutro”, o défice estrutural de Portugal deverá “manter-se inalterado” no próximo ano.
“A discrepância de 0,4 por cento do PIB entre o boletim da Comissão e o projeto de Orçamento do governo em relação ao défice de 2018 tem a ver com uma abordagem mais conservadora [da parte da Comissão], tendo em conta a evolução no próximo ano, em relação a algumas receitas e à elevada pressão de alguma despesa, em particular a reposição de salários e as transferências sociais”, referiu o comissário.
E se nada for feito em 2019 além das medidas que já estão previstas, a projeção da Comissão Europeia aponta para que o défice “melhore ligeiramente para os 1,2%”, enquanto o défice estrutural deverá continuar “amplamente inalterado”.
A Comissão Europeia faz ainda uma análise aos riscos que se colocam na frente orçamental e conclui que são sobretudo negativos, destacando “as incertezas em torno das perspetivas macroeconómicas” e o “impacto do potencial aumento do défice nas medidas de apoio ao sistema bancário em 2017”.
Já no que diz respeito à dívida pública, que foi de 130,1% do PIB em 2016, o executivo comunitário antevê que o rácio caia para os 126,4% em 2017 e para os 124,1% nos dois anos seguintes, “devido aos excedentes orçamentais primários e a um maior crescimento nominal do PIB”.
Emprego em alta A Comissão Europeia mostra-se ainda otimista em relação ao investimento, mas admite que irá desacelerar tanto em 2018 como em 2019. O mesmo cenário deverá repetir-se com as exportações. “A expansão em curso na indústria automóvel e o ciclo continuamente positivo no turismo deverão manter as exportações a crescer bem acima da procura dos principais parceiros comerciais em 2017 e 2018”, revela o documento, acrescentando ainda que, em 2019, o crescimento das exportações deverá ficar mais em linha com a procura externa, à medida que o turismo e a produção automóvel abrandarem.
Já em relação ao mercado de trabalho, as previsões de Bruxelas apontam para uma taxa de desemprego de 8,3% no próximo ano e 7,6% em 2019 – ou seja, melhor do que as estimativas da zona euro, que apontam para 8,5%, e que o governo, que fala em 8,6% para o próximo ano e 8,5% em 2019. O turismo e a construção são os setores apontados como os principais responsáveis por este comportamento.
Ainda assim, Bruxelas acredita que a criação de emprego irá abrandar: depois de um crescimento de 2,9% em 2017, a Comissão vê o emprego a subir 1,2% em 2018 e 0,9% em 2019.