«Um país pobre, de gente velha e doente» e que «está, em muitas circunstâncias, entregue a si próprio e abandonado». Este é o retrato de Portugal que o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, fez no dia em que se festejaram os dois anos dos acordos parlamentares assinados entre o PS, PCP e BE e que alcandoraram António Costa a primeiro-ministro e Adalberto a ministro da Saúde.
A descrição é devastadora para quem está habituado a ver o Governo desfiar os números de um país de sucesso – de resto, aclamado por Bruxelas pelos seus resultados na redução da taxa do desemprego até a uns antes impensáveis 8,5%, no aumento do crescimento, na redução dos juros da dívida, já para não falar na redução do défice a limites estratosféricos. De resto, a descrição do ministro é igual à que tem sido feita pelos partidos de direita desde os incêndios de Pedrógão Grande.
Vamos ao contexto em que Adalberto Campos Fernandes produziu as declarações inéditas para um membro deste Governo. Ontem à tarde, Adalberto estava a fazer duras críticas às greves no setor da saúde. «Estamos num momento em que a retórica, a disputa do pequeno interesse, do pequeno poder, a reivindicação corporativa legítima, mas tão pouco sensata quando se faz da greve um instrumento de banalização, quando se decretam greves por tempo indeterminado no sector da saúde e quando se entende que a greve é algo que se pode usar à custa daqueles que mais precisam, só porque o nosso interesse pessoal tem que falar mais alto do que o preço de um país pobre, de gente velha, de gente doente». Segundo o ministro da Saúde, o país «está pobre, está só e, em muitas circunstâncias entregue a si próprio».
O discurso do ministro está mais próximo das recentes intervenções do Presidente da República – que na sequência dos incêndios do dia 15 de outubro fez um ultimato ao Governo exatamente para acabar com o «país entregue a si próprio» – do que propriamente no discurso governamental, centrado nos resultados das finanças públicas e nas conquistas de direitos sociais com o apoio do PCP e do BE.
A frase de Adalberto Campos Fernandes está em contracorrente com o sentimento dominante no PS. Até porque a solução de Governo, que teve no início vários opositores, uns mais públicos outros mais em privado, acabou por se tornar consensual.
A oposição interna praticamente extinguiu-se – ou submergiu. Enquanto entidade com o mínimo de organização, morreu. Francisco Assis, o principal adversário da ‘geringonça’, continua a demarcar-se em várias circunstâncias, mas com bastante delicadeza, se nos lembrarmos das reações iniciais.
O dia não foi especialmente comemorado pelos partidos que assinaram os acordos. Quem entendeu assinalar o aniversário do acordo entre as esquerdas de forma entusiástica foi um dos seus grandes impulsionadores, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos. «Se hoje Portugal tem uma democracia mais rica e plural, não é apenas porque partidos que durante tanto tempo não se conseguiam entender decidiram finalmente trabalhar em conjunto. É-o também porque a governação que apoiam tem procurado respeitar integralmente os seus compromissos.Esta maioria tem, tanto na forma – cumprindo a sua palavra – como na substância – pelas medidas concretas que fazem diferença na vida das pessoas -, também mostrado respeito e devolvido dignidade aos portugueses», escreveu Pedro Nuno Santos no Facebook.
O secretário de Estado diz que hoje é possível «encarar o futuro com outra confiança e esperança» e manifesta o seu «orgulho»: «Dois anos depois da assinatura dos acordos entre as esquerdas, tenho um imenso orgulho nesta maioria. Orgulho nos seus princípios, no seu trabalho conjunto e nos seus resultados. Não a subestimem».