Vivienne Westwood foi a última figura pública a quebrar o tabu. Numa entrevista há pouco mais de um mês, na Fashion Week de Paris, a estilista de 76 anos não esteve com pruridos e recomendou às pessoas que não se lavem tanto se se querem manter jovens como ela. Mas até foi o marido, 20 anos mais novo, a cometer a inconfidência. “Ela só toma banho uma vez por semana. É por isso que parece tão radiante… E eu só tomo uma vez por mês.” Estarão certos? Nos últimos anos, não têm faltado alertas de que o banho diário poderá ter desvantagens. Com o país a viver uma seca extrema, há ainda que lembrar que um duche de cinco minutos gasta 25 litros de água e muitos de nós demoram-se muito mais do que isso debaixo do chuveiro. Em Portugal, estima-se que cada pessoa use 220 litros de água por dia, o dobro do considerado suficiente pelas Nações Unidas.
Ainda assim, fará sentido prescindir por completo do banho diário? Em Espanha, o ex-presidente da Academia Espanhola de Dermatologia e Venereologia José Carlos Moreno chegou a pronunciar-se contra os banhos diários, por comprometerem as defesas naturais da pele. A Academia Americana de Dermatologia tem recomendações para as crianças dos seis aos 11 anos: no ano passado, indicou que o banho diário neste grupo etário não fará mal mas, na realidade, só precisam de um a dois banhos semanais.
Por cá, embora o tema não surja muitas vezes, a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV) também considera que o banho completo diário não é “absolutamente necessário”, em particular nas pessoas mais velhas e com pele mais seca. António Massa, dermatologista e presidente da SPDV, explicou ao i a orientação que está disponível no site da sociedade. “O problema não está tanto no banho diário mas naquilo a que chamo o banho à portuguesa, com muito gel de banho, muito sabonete. O banho pode ser diário, embora não tenha de o ser”, diz o médico.
Quem opte pela primeira opção deverá usar o gel e o sabonete apenas nas axilas, pelos genitais e pés ou nas pregas da mama e abdómen, se for caso disso. No resto do corpo não é desejável o uso diário de produtos de limpeza, recomenda o dermatologista. “Passar o corpo por água num banho de chuveiro é, na maioria das vezes, suficiente. O desinfetante usado na água é o hipoclorito de sódio, o constituinte da lixívia.”
Cada pessoa é um caso António Massa explica, porém, que não existe um guião universal do que deve ou não ser feito, quantos banhos devem ou não ser tomados, embora concorde com a recomendação da Academia Americana de Dermatologia relativamente às crianças. “A nossa pele tem um manto de gordura que nos protege de infeções e alergias, o designado filme hidrolipídico. Sobretudo nas crianças e nos idosos, a produção de ‘gordura’ é menor, por isso deve haver maior cuidado e há também uma menor necessidade do banho. Pessoas com a pele muito oleosa podem tomar mais banhos, pessoas com a pele mais seca devem ter mais cuidado com os produtos que usam e não tomar banho com água muito quente.”
E, para todos, a água é sempre o melhor remédio. Em alguns países já é mais habitual o uso de chuveiro, por exemplo, para limpeza íntima depois do uso da casa de banho, o que é preferível a usar muitos produtos, por exemplo, na zona anal. Da mesma forma, depois de uma ida à piscina, lembra o médico, não é necessário um banho com muitos produtos de higiene para eliminar o cloro, devendo ser usada apenas água.
Mas se cortarmos nos banhos ficaremos mais novos, com menos rugas, como pareceu sugerir Vivienne Westwood? Quanto a isso, António Massa diz que a recomendação da dermatologia nada tem a ver com o banho mas com o cuidado com a exposição solar, respeitando-se as horas mais seguras e usando sempre protetor solar e em quantidades suficientes, o que interfere na sua eficácia. Por exemplo, com um fator 50 não basta passar na pele para ter esse efeito, é necessária uma camada espessa e em massagem.
Embora não haja dados oficiais sobre o tempo que demoramos no banho, os dados do Instituto Nacional de Estatística revelam que, nos anos 70, apenas um terço das casas portuguesas tinham banheira ou duche e, hoje, a maioria está dotada desses equipamentos que, para muitos, são indispensáveis. Uma coisa levou à outra. António Massa acredita que a virtude estará algures no intermédio: não é preciso tomar banho uma vez por mês, como faziam os nossos antepassados, mas, hoje em dia, a maioria das pessoas também não tem um trabalho ou um estilo de vida em que transpire muito, como eram os trabalhos no campo ou nas fábricas.
Mudança radical
Um artigo publicado no ano passado pela revista “Atlantic” dá argumentos a quem queira tentar algo mais radical, embora do ponto de vista da saúde não seja necessário ir tão longe. James Hamblin, editor da revista, com formação em medicina, decidiu deixar de tomar banho e concluiu que a vida continua. “12 167 horas a lavar os nossos corpos. É o tempo de vida que gasta se passar 20 minutos por dia a lavar e a hidratar a sua pele e cabelo (se viver até aos 100 anos, como eu seguramente viverei”, começa Hamblin, admitindo que no primeiro dia sem tomar banho se sentia oleoso e uma besta malcheirosa, mas depois isso passou. “O odor dos nossos corpos é o produto das bactérias que vivem na nossa pele e se alimentam das secreções oleosas da transpiração e glândulas sebáceas na base dos nossos folículos capilares. Aplicar detergentes (sabonetes) todos os dias perturba esta espécie de equilíbrio entre os óleos da pele e as bactérias que lá vivem. Quando se toma banho de uma forma agressiva, destroem-se esses ecossistemas. Tornam a aparecer depressa, mas as espécies ficam desequilibradas e tendem a favorecer os micróbios que produzem odor”, resumiu Hamblin, explicando que, depois de algum tempo sem tomar banho, as bactérias encontram o equilíbrio e a pessoa deixa de cheirar mal. “Quer dizer, não cheira como água de rosas ou o spray Axe. Cheira-se como uma pessoa.”
A experiência foi inspirada por uma tecnológica que começara a vender um spray de bactérias para a pele. Porque não evitar simplesmente a destruição das defesas? Hamblin fez um desmame gradual: começou a usar menos produtos até tomar banho a cada três dias e, depois, praticamente deixar de o fazer, embora faça questão de lavar as mãos e o que esteja visivelmente sujo, mas de preferência apenas com água.
No início deste ano, o “Guardian” foi ver como estava a correr a experiência do repórter passados seis meses. “Passo-me por água se estou encharcado em suor depois de uma corrida ou se precisar de estar num jantar em dez minutos; se estiver com uma terrível dor de cabeça ou se parecer pouco profissional. Fora isso, praticamente não o faço.”
E cheira mal? “A melhor testemunha é a minha namorada, que diz que eu tenho um cheiro mas não um cheiro ofensivo. Cheiro a pessoa em vez de cheirar a um produto.”