Lançou este livro há cinco anos, deu a cara [‘E o corpo’, diz Marlon], apareceu na televisão. Por que teve problemas em dizer onde trabalhou?
Acho que não há necessidade de expor o nome das casas, porque a segurança é uma coisa e o empresário da noite é outra. Posso contar a minha história, mas não tenho de contar a dos outros.
Mas no livro Máfias da Noite [ed. Planeta] está a denunciar os comportamentos e a vida da noite….
É engraçado, dei esse título para ser irónico, porque não existe máfia em Portugal, nem vai existir.
Não?
Máfia é uma coisa muito séria, requer uma estrutura, uma hierarquia. Em Portugal nunca fiz parte de máfia alguma, porque ela não existe. Entreajuda sim. Se tiver um problema e pegar no telefone consigo pôr aqui 20 amigos para me ajudarem. Se considerarem isso máfia, é máfia. Mas aquela ideia, que algumas pessoas têm, de que eu à sexta-feira me sentava numa mesa e tinha ali um padrinho, que beijava a mão dele e que organizávamos as coisas e partilhávamos milhões, isso aí é mito urbano, não existe.
Mas se eu abrir uma discoteca, posso querer pôr alguém em específico a tomar conta, e aí vêm uns rapazes de fora e dizem ‘ou pões a minha segurança ou eu parto-te isto tudo’.
Sim, isso acontece. Acho melhor investir numa bomba de gasolina ou numa farmácia. Jamais teria uma discoteca. Teria um infantário, por exemplo, que é um bom negócio, ou uma casa de repouso para cuidar dos velhotes. Discoteca não… Cada negócio tem o seu modus operandi e na noite isso acontece, não posso negar. Ou acontecia, na minha época.
Faz um retrato muito cru da noite, em que fala de violações, de suicídios, de mortes. Não teve problema que as figuras reais se identificassem com os personagens? Por exemplo, quando fala em polícias que trabalham à noite – toda a gente na noite de Lisboa sabia que havia dois polícias muito conhecidos…
Os amigos de verdade ficam chateados, mandam a mensagem, mas não vão fazer-te mal. E as pessoas que estão no livro são minhas amigas. Algumas ficaram melindradas, porque na altura a segurança estava debaixo dos holofotes: houve uma grande operação chamada ‘Noite Branca’, onde foram presas 22 pessoas muito influentes no mundo da segurança, que estão presas até hoje. Um amigo meu saiu agora. E ainda bem, porque não foi preso injustamente, mas teve uma pena muito alta. Claro que algumas pessoas ficaram melindradas e telefonaram-me. ‘O que você está fazendo? O que está falando aí?’. Na altura, até dei uma entrevista polémica, porque fui dizer na televisão que os seguranças tinham mais poder do que um juiz ou que conseguiam mobilizar mais pessoas do que o Ministério Público (MP). Chamo isso de diarreia mental, não devia ter falado isso, entendeu? Algumas pessoas ficaram melindradas, mas não ao ponto de virarem meus inimigos ou de me virarem as costas.
Não podiam tentar ‘fazer-lhe a folha’, como dizem no meio?
Não, isso não.
O MP depois de ler o livro não lhe pôs nenhum processo porquê?
Não, isso ajudou-me.
Quando escreve no livro que pactuou com agressões…
Eu não, Marcelo Dias. O dar a entender não quer dizer que tenha sido real. Então a menina do Capuchinho Vermelho existiu ou não? Depende. Já namorei com uma miúda que usava um Capuchinho Vermelho, era um fetiche que tinha, e achava que eu era realmente o lobo mau. Sabe que as mulheres na noite gostam dos seguranças? Mas é Marcelo Dias que conta uma história, eu sou o autor do livro.
Nunca foi chateado por causa do que escreveu?
Não. Quando fui julgado aqui em Portugal a primeira coisa que a juíza falou quando eu estava em pé foi: ‘Qual é o seu nome?’ e diz-me ‘li o seu livro’. Pensei: ‘Isso é bom ou isso é ruim?’, mas foi bom.
Estava a ser julgado porquê?
Coisas da noite, agressões, notícias mal contadas … a comunicação social chega cinco horas depois dos factos, entrevista o senhor da rulote que estava de costas a fritar o hambúrguer e é isso que sai na revista ou na televisão. Percebe? Escrevi o livro pelo seguinte: durante os dez anos que estive na noite, nunca li uma entrevista, uma linha, que correspondesse realmente à verdade. Já vi em revistas ‘rajadas’, quando o segurança deu um tiro para o ar [risos]. Pensei, já que todo o mundo pode falar, vou falar também. Falo dos seguranças e da forma como agem. Tenho um filho de 20 anos que frequenta discotecas e não quero que vá onde os seguranças têm um comportamento extremamente agressivo – não quero, isso vai tirar a minha paz -, mas também não quero que frequente uma discoteca onde sei que os seguranças são completamente omissos. Porque o excesso é crime e a omissão também.
O equilíbrio existe? Há alguma discoteca que ele possa frequentar?
Sim. As coisas são assim: existe violência na noite, todos nós sabemos. Só que a formação dos seguranças é muito pouco interessante. Para você trabalhar num infantário como educador de infância, tem de estudar três anos para lidar com crianças, lindas, fofas. Para estar numa discoteca com duas mil pessoas drogadas, bêbedas, frustradas, com problemas no relacionamento, com o filho na droga, impotência sexual… um segurança tira o tal curso insignificante. Sempre que um aluno de jiu jitsu me diz que quer tirar o curso de segurança, eu digo ‘cara, vai tirar um curso de web design, vai fazer um curso de marketing digital. Vai ser segurança para quê? Vai gastar 600 ou 700 euros, o MAI vai-te dar poder e depois não te vai proteger. Vai colocar-te na porta da discoteca, vai vir um rapaz todo ‘xpto’ de Cascais com cinco ou seis gramas de coca na ideia e vai começar a comportar-se mal. Aí vais ter de o colocar na rua e como o vais fazer? Como põe esse elemento para fora, com mais três ou quatro amiguinhos dele com o cabelinho assim no meio do rosto? Não estou a dizer que os betos arranjam problemas ou não, mas como é que o segurança age? Ele diz ‘Olhe, por favor senhor, o seu comportamento não é adequado’. Não funciona. Há uma teoria da não violência, mas ela não funciona. Tem de colocar a mão no indivíduo e colocá-lo fora da discoteca, só que ele vai virar-se contra si. Outra situação corrente é as mulheres cuspirem nos seguranças. E aí como é que você faz? Já foi cuspido, mandaram-te voltar para a tua terra, chamaram-te de preto, já colocaram todas as frustrações da vida familiar em cima do segurança… Tem de ser um monge praticante ou então estar muito bem preparado para lidar com aquilo. Se não vai juntar as frustrações do cliente à droga do cliente, as frustrações do segurança, a droga do segurança, os dois ânimos exaltados e vai acontecer a extrema violência. Uma vez vivi uma situação muito complicada. Estava numa discoteca, um grupo começou a criar distúrbios no interior. Os amiguinhos se reuniram, um criou uma discussão com a barmaid por causa do gelo, outro debruçou-se no bar e tirou uma garrafa lá de dentro, o segurança vê, há uma cena de pancadaria, conseguimos colocar o grupinho para fora. Mas era um grupinho especial. Porque uma coisa é pôr cinco residentes da Quinta da Marinha lá fora, outra é se forem da Cova da Moura. Como se põe? Na formação não me explicaram isto. Esse grupo começou a assaltar as pessoas que saíam da discoteca e o chefe de segurança disse ‘é via pública, não vamos fazer nada’. E não fizemos nada. No outro dia, estavam mães, pais e avós na porta da discoteca. ‘O meu filho veio aqui e foi roubado, não fizeram nada!’; ‘Um homem desse tamanho…’. Chamaram-me de covarde, acusaram-me de omissão, disseram que iam chamar a Polícia e processar-me. E aí como é que a gente faz?
Conta que muitos dos segurança por vezes roubavam carteiras esquecidas…
Na noite não existia – agora não sei – esse hábito dos seguranças se apropriarem de coisas. Agora se alguém se esquece da mala na discoteca e volta atrás é normal já não a encontrar…
Houve um colega seu que, no primeiro dia de trabalho, a meio da noite, foi agredido perto de uma rulote e morreu. Como foi isso?
Não vi nenhum filho da puta, nenhum, a colocar isso no jornal e a dar destaque e a ir para a SIC falar. Não sei se a mãe desse meu colega recebeu apoio psicológico, se a família foi amparada, não sei se o MAI fez alguma coisa. Sei que ele não era mafioso, como dizem que os seguranças são, foi mais uma pessoa pontapeada até à morte nos carris. As pessoas matam seguranças. Ainda no outro dia mataram um segurança em Coimbra, com um tiro no peito, e não se fala muito nisso. O rapaz era negro, guineense e segurança, está errado três vezes.
Diz que quem trabalha à noite não é sério. Isto a propósito das ladies nights, em que os seguranças vão às casas de banho quando as mulheres estão já inconscientes. Como define essas noites? Se tivesse uma filha o que lhe dizia para ela se defender numa ladies night?
Dizia para ela se divertir bastante, tentasse beber antes num bar de confiança porque, geralmente, as bebidas das ladies nights são marteladas, compradas em Espanha e aquilo faz um mal do caraças. Dizia-lhe, se fosse solicitada por um segurança, para descer da coluna ou dançar um bocado menos com o braço no ar, que ela respeitasse e que se se sentisse muito bêbeda que se fosse embora antes de chegar ao ponto de vomitar com a cabeça dentro de uma sanita, que não fica bem para uma rapariga.
E se ela dissesse ‘pai, estou completamente bêbeda, que perigos corro se for à casa de banho’?
Dizia-lhe para ter cuidado pois podia ser molestada pelo próprio grupinho com quem saiu de casa. Os próprios amiguinhos da faculdade ou do ginásio podem aproveitar-se de um caso de embriaguez ou inconsciência momentânea e de repente ela vai acabar numa noite de amor com três ou quatro amigos e quando acordar de manhã vai achar que disse que não e disse que sim. Nunca vi seguranças abusar das raparigas. O que digo no livro é que detestava ter de ir buscar mulher bêbeda à casa de banho, é um risco muito grande porque tem de pegar, ela está toda mole e vomitada e se toco numa parte mais íntima e ela faz uma denúncia.
Já deu a entender que acha que a noite está mais calma. Acredita que não há discotecas em que os seguranças são muito agressivos?
É uma equipa, não é? Vai haver sempre problemas. O mesmo se passa com as claques de futebol. Sempre que o Porto vier jogar a Lisboa contra o Benfica, vai dar merda. Tiro, porrada e confusão nas bombas de gasolina. É assim. Como vamos mudar? Não sei.
E a noite?
A noite é igual. Mas o Estado, a segurança pública, que fiscaliza os seguranças, não pode pôr uma pressão para que estes optem pela omissão. Se os seguranças optarem pela completa omissão – do género ‘o problema não é meu’ – vai ser gravíssimo para os nossos filhos, sobrinhos, netos, porque existem coisas que acontecem a cinco metros da porta da discoteca que são entre clientes, onde o segurança intervém também. Não é filmado, não vai para os média – quando ele ‘bota’ capa de herói isso não vende muito. Se os seguranças inteligentemente optarem por isso, vai dar merda.
No livro diz que são todos ratos do mesmo esgoto. Quem são os ratos do mesmo esgoto?
É a segurança, os interesses das próprias empresas de segurança, dos donos da casa… você investe milhões numa discoteca e quer que seja bem frequentada. Gastou milhões, não é um barzinho aqui de bairro. Os ‘xptos’ de Lisboa quando vão a uma discoteca querem seguranças bem vestidos e querem chegar lá dentro e não querem ver certo tipo de pessoas. Ninguém quer beber um copo ao lado de um cigano. Querem uma casa bem frequentada, como dizem que era o Urban, não é? Ninguém gosta de chungaria, não é? Isso foi um termo que aprendi aqui. E como é que você faz para um lugar não ser chungoso? É preciso botar lá os ratos, fortes como eu, assim altos, cabeça rapada, dispostos a dar uns murros. O que é que resulta? Filosofia? Eu vou levar um livro de Nietzsche para a noite debaixo do braço? E dizer ‘segundo Nietzsche’ ou ‘segundo Aristóteles?’… Pá, não vai funcionar… se o dono vê uma pessoa mal vestida, vai chamar-me. E eu, perco o meu emprego?
Com a saída da PSG, alguém vai conquistar o espaço deixado vazio por eles?
Ah vai, com certeza.
Portanto a coisa vai piorar. Se a PSG era considerada uma das melhores empresas de segurança à noite – várias pessoas o dizem…
Ah é considerada? Não sei. Houve outras. Trabalhei com umas cinco ou seis diferentes. Elas vão e vêm. São muito boas até o segurança agarrar na pistola e dar um tiro em alguém. Foi sempre assim.
Vai haver uma guerra pelo poder?
Não vai haver porque, como disse, há cinco anos os seguranças levaram uma porrada muito grande, foram muitos presos.
Está bem, mas se a PSG tem não sei quantas discotecas as outras não vão todas tentar ficar com aquele mercado? E não vai ser por carta registada a ver quem tem o melhor preço. Alguém vai dizer ‘Meus caros, aqui somos nós porque nós é que temos mais gorilas, este mercado é nosso’.
Se as coisas não mudaram muito, pode ser que sim. Mas acho que a rapaziada realmente está mais consciente hoje em dia. O problema é assim: você faz a primeira – isso aconteceu muito com o Marcelo Dias -, não dá nada, faz a segunda, não dá nada, faz a terceira, não dá nada, você pensa que aquilo é normal… O mundo da noite tem uma energia muito ruim, quem está lá dentro não percebe isso. Você vai-se envolvendo naquilo e ir responder a tribunal é como ir ao centro de saúde fazer um exame, você nem tem noção que está a ser julgado, que pode ir preso, você fica meio alucinado com aquilo tudo. Mas quando acorda de manhã e vê na SIC que um amigo seu ontem apanhou 18 ou 22 anos de cadeia, você fica maluco.
Por que esteve cinco anos fora de Portugal depois da publicação do livro?
Não teve a ver com o livro. Falou-se nisso, que fugi, mas não. Escrevi o livro, dei duas entrevistas, fui-me embora.
Mas fala de coisas complicadas, como os serviços extra que os seguranças fazem, serem pagos para baterem em alguém, ou para irem buscar dinheiro que alguém deve… Quais foram as situações mais estranhas que viveu?
As cobranças difíceis são uma coisa bem portuguesa. Venho de um país muito violento, mas essa história de pagar a alguém para ir cobrar a sua dívida é uma coisa bem portuguesa. Lá no Brasil é você que vai cobrar.
Como?
Vai à esquadra, arranja provas contra a pessoa… é isso que a sociedade quer, e depois tem de esperar anos.
E em Portugal? As pessoas recorrem muito aos seguranças?
Há muita covardia em Portugal. Muito medo, já vi seguranças que eram mauzões com betinho de Cascais, mas com o negão do bairro da sombra do Vale da Morte já não é mauzão. Que tipo de maldade é essa? Todos queremos os problemas resolvidos rapidamente e sabemos que resolver as coisas pelos meios judiciais é angustiante. Então, às vezes, as pessoas podem gastar o mesmo dinheiro que despendem com advogados, e pagam a um segurança que vai ao escritório com cara de poucos amigos e diz ‘É melhor você pagar’…Você faz as contas à vida e diz ‘Nem tenho esse dinheiro, mas vendo aqui um carro, vendo a minha mota’. Também há muita gente a tentar contratar seguranças para bater nos novos namorados das ex-namoradas. É um espetáculo deprimente. Só querem que deixemos o outro muito mal tratado…
No livro conta a história de uma pessoa que estava a ser alvo de chantagem e como não tinha dinheiro acabou por se suicidar. Assistiu a coisas dessas?
Sim.
E como se sobrevive a isso?
Você pega um avião com a família, deixa o país – que Portugal é o meu país, vim para cá com 18 anos – e vai morar em Londres com a família. De Londres vai para o Dubai, estive mais dois anos no Dubai em trabalho, e depois volta. Porque aquela coisa de dizer ‘Ah, sou traumatizado, tenho pesadelos à noite’ é mentira. Eu deitava e dormia. Numa época andei muito preocupado. O Marcelo Dias baleou uma pessoa, teve de balear, se não tivesse baleado estaria morto, porque apesar de um ter muitos conhecimentos de artes marciais, contra 20 ainda não aprendeu. Então o Marcelo Dias baleou uma pessoa que ia começar uma guerra contra ele, porque era uma pessoa influente no meio, era de uma família rica cigana. O que me salvaguardou nessa altura foi eu ser muito bem relacionado na noite, não por ser mauzão mas porque sempre soube respeitar esse meio. As pessoas têm carinho e respeito por mim, mas não é por medo. Sempre soube andar nesse meio, sem me corromper, sem baixar a cabeça para ninguém, sem passar por cima de ninguém, por isso nunca levei um tiro nem uma facada.
Mas o Marcelo não levou porque deu, não é?
É. Entretanto o Marcelo baleou uma pessoa e aquilo deu para o torto. A imprensa foi lá, fez a notícia falando do segurança que tinha baleado, sem apurar o caso, e, passado um tempo, começaram a chover ameaças, a pessoa começou a perseguir-me. Fui à polícia e disse que estava a ser ameaçado, a minha mulher estava desesperada, e o que ouvi foi: ‘Olha, isso é problema seu. Você quer o quê, que a Polícia coloque uma viatura à porta da sua casa?’. Tenho um bairro social inteiro contra mim, vou fazer o quê? Vou procurar os meus amigos da noite. ‘Rapaziada, o negócio está feio para o meu lado’. E o que valeu a Marcelo foi os seguranças fazerem o papel de segurança dele próprio.
Por que saiu da noite?
A escolha foi pessoal, mas realmente fui condenado em tribunal, e, para se renovar a credencial do MAI, não se pode ter sido condenado. Mesmo que quisesse ficar na noite não podia. Mas também não fiquei porque já não me queria envolver. Ser segurança para mim é ser operacional, não é ganhar um troquinho e fingir que não viu. Não sou muito das drogas e uma coisa que me chateava muito era aquele ‘dealerzinho’ chato que você vê sempre a dizer aos putos ‘tenho aqui uma coisa’ e os putos ‘não, não quero’. Eu tinha um filho e pensava: ‘Ele tem sete aninhos agora, daqui a dez vai ter um cabrão desses a oferecer LSD, o puto a dizer que não, tentando ouvir os meus conselhos…’. É o tipo de gajos que gostava de apertar um bocadinho.
Não havia colegas seus que também vendiam?
Aí é diferente. Esse tipo de negócio existe mas os compradores já combinaram encontrar-se na discoteca, já pagaram os seus Mercedes, já saíram de Carnaxide… essas pessoas não podem ir ao bairro comprar droga, né? Fica mal, imagina, fulana de tal saindo do bairro…
Qual foi o trabalho mais complicado que teve de fazer? Foi aquele que provocou o suicídio?
Todos eles são complicados, do primeiro capítulo até ao último. Acho que ou você realmente tem espírito e estômago para isso, para viver nesse meio e ver e ouvir certas coisas ou então você tem de pular fora como eu fiz.
Acha que foi injusto o fecho da Urban, uma vez que o problema foi com os seguranças, que pertencem a uma empresa externa?
Fechar a Urban ou qualquer casa por causa do problema da segurança não vai resolver.
O problema está na formação?
Um dos. A formação tem de ser levada um bocado a sério. Ninguém vai [trabalhar] para a noite com 30 anos, vai-se para a noite com 20 anos, com muita saúde, com muita testosterona. O mundo da noite põe-te num patamar incrível. Você estava num Pingo Doce a repor latas de atum, começa a treinar boxe, ganha um bocadinho de músculo, vai para a noite. Aquilo já lhe começa a dar um pouco de status – vai ter o poder de barrar jogadores de futebol e atores. Um puto de 20 anos tem de estar preparado, se não ele vai chegar à noite com a ideia de que tem de ser mauzão e aí vai ser perigoso. Quando você termina um curso faz um estágio e eu não tive isso. Fiz o curso, recebi o cartão, falei com uma empresa de segurança e colocaram-me numa discoteca na Amadora.
Qual foi a sua primeira confusão?
A minha primeira noite foi numa casa de senhoras que fazem favores sexuais em Setúbal. E tudo era ruim, a música, até as senhoras eram péssimas. E eu fazia o meu trabalho, o meu papel era ficar sentado atrás de uma porta – e só para você ver a porta era à prova de bala – e eu tinha um botão e a minha função era abrir uma escotilha e ver a pessoa, se tivesse aspeto de polícia ou fiscal apertava o botão para lá em cima acender umas luzes e dar tempo de as pessoas nos privados se vestirem. E houve um senhor que bebeu muito, consumiu o serviço, não gostou e aquilo deu para o torto. Mas era um senhor que não fazia mal a ninguém, era pô-lo lá fora e assim fiz. O homem estava com uma gabardina comprida, ia fumar um cigarro e perguntou-me se eu tinha um isqueiro – eu não fumo mas tenho sempre um isqueiro – e quando ponho a mão no meu casaco, o homem puxa uma faca e dá-me uma facada. Só que eu estava com um casaco preto largo, a faca entrou mas não me espetou. Mas um pouquinho para o lado, entrava na barriga e eu podia não estar aqui agora.
Quantos vezes foi julgado?
Muitas.
Nunca foi condenado? Não cumpriu pena?
Graças a Deus não. Cadeia não é lugar para mim.
Mas foi condenado com pena suspensa…
Sim, a pena suspensa.
Por que fugiu de Portugal?
Não fugi. Tinha uma empresa que com a crise faliu e tinha dinheiro guardado para um ano de subsistência. Quando o dinheiro chegou perto do fim, percebi que se não arranjasse algo para fazer, as únicas portas que ainda estavam abertas para mim eram as da segurança. E quando a fome aperta a dignidade afrouxa. Essa vida foi algo que provocou muito sofrimento à minha mulher, mais do que a mim, com a ameaça de morte. E o meu cunhado vivia em Londres.
Foi ameaçado por quem? Pelos próprios seguranças?
Não. Quando você barra o ‘lelo’ à porta, prepare-se porque não vai andar mais tranquilo. Pode comprar uma pistola que não adianta. Ele vai lá para ser barrado e te ‘arruma’ uma guerra, ele sabe que não vai entrar. Nada contra o cigano em si, agora na noite é um povo especial e problemático e vou-te falar: onde tem quatro ciganos, pelo menos três têm armas. Eles não batem, eles dão é tiro. O cigano pára à porta com o Lamborghini, cheio de ouro e não o deixam? ‘Então, mas eu compro cinco garrafas lá dentro’. ‘Não, não vai entrar’. ‘Então mas você vem lá do Brasil dizer que não vou entrar numa discoteca na minha terra, você sabe o que eu sou? Sou um cigano’. Ele não entra, mas você comprou uma briga. E Portugal é uma vila. Você barrou o cigano mais respeitado de Setúbal que tem 400 ciganos amigos, mais os de Ayamonte, que agora querem que a tua cabeça role pelas ruas de Lisboa e aí como é que você faz?
Foge.
Não, eu não fui embora por causa disso, mas não queria voltar a viver isso, e então recebi uma proposta de trabalho na minha área desportiva e fui dar aulas de jiu jitsu em Inglaterra.
Vive do quê?
Dou aulas particulares de jiu jitsu e sou funcionário do meu antigo sócio na empresa de películas solares, a sede da empresa é no Porto e eu sou representante dele aqui em Lisboa.