«Quando comecei tinha de trabalhar para ser conhecido. Agora é preciso ser conhecido para trabalhar».
Paulo de Carvalho
Num mundo cada vez mais global, e num quadro político, económico, social e cultural em que a sociedade aberta (no bom e no mau sentido) é rainha e senhora, faz ou não faz sentido a apologia dos consumos patrióticos num país como Portugal?
Recuando várias décadas, não só política mas também económica e socialmente, têm existido vários tipos de campanhas (umas mais racionais do que outras) fazendo a apologia dos consumos patrióticos.
Desde os idos tempos de António Salazar, em que se procurava estimular o consumo do vinho português porque dava emprego a mais de um milhão de portugueses (!), até a exemplos mais recentes sobre a importância de os portugueses fazerem férias ‘cá dentro’.
Tais campanhas foram promovidas por entidades públicas centradas em políticas setoriais, ou por entidades não públicas. Sobretudo de cariz associativo setorial.
É que o mundo tem vindo a mudar muito nas últimas décadas, quer no século XX (século do povo) quer no século XXI (do movimento dos povos).
Há mais países soberanos, maior número de habitantes, mais e melhor comércio internacional, mais e melhor mobilidade, mas também mais desafios e maiores problemas, derivados muitos deles do aumento exponencial do grau de exigência comparativo das pessoas. E também do aumento da complexidade dos problemas.
De um mundo fechado, temos vindo a passar aceleradamente para um mundo mais aberto. A revolução do homo comunicatus, que Alvin Toffler nos antecipou, acelerou e abriu mundos de oportunidades, fazendo cair muitas ideias feitas.
Um país como Portugal, com várias vicissitudes, mudou muito nos séculos XX e XXI. Muito fechado durante décadas, vivia em boa parte do que produzia para consumo cá dentro. Apesar de termos produtos manufaturados de eleição para exportação – como o vinho do Porto e da Madeira, os chás dos Açores, as pastas dentífricas Couto, o papel higiénico da Renova, as sapatilhas Sanjo, o Licor Beirão, os sabonetes Ach Brito, os chocolates Arcádia, o restaurador Olex, os rebuçados Dr. Bayard, os atuns de lata Ramirez e Tenório, os jipes UMM, as canetas Molin, etc, etc.
Tudo produtos que marcaram e acompanharam a vida de milhões de portugueses, mas que também tinham um papel importante nas exportações portuguesas. Durante décadas, Portugal dependeu menos das importações para as suas necessidades comparativamente com o que acontece hoje.
Atualmente, Portugal é a quadragésima economia de exportação no mundo; e, na economia mais complexa, ocupa o trigésimo segundo lugar, tendo por base o índice de complexidade económica.
Apesar de termos vindo a diversificar e a alterar o perfil das nossas exportações, e os países para onde exportamos, ainda continuamos muito dependentes do território europeu. Os principais países de exportação de Portugal são hoje, por ordem de importância, Espanha, França, Alemanha, Reino Unido e EUA. E, no que respeita às importações, os países de origem são Espanha, Alemanha, França, China e Itália.
Portugal, economia aberta numa sociedade aberta, deve continuar a estimular mais e melhores exportações, com base num modelo económico adequado às nossas necessidades internas e externas. E deve tudo fazer para equilibrar as contas públicas, o saldo das transações correntes e demais indicadores económicos relevantes para a nossa vida coletiva.
Mas devemos encarar com seriedade e inteligência o estímulo interno para os consumos patrióticos. Para o consumo de vários tipos de produtos portugueses. Seja na gastronomia, seja no turismo, seja em outras áreas.
Começando pelo Estado, que deve dar exemplos claros. Desde logo, na nossa rede diplomática e consular, colocando-a a consumir cada vez mais produtos nacionais. Este é um debate que faz todo o sentido e que não nos deve dividir. Antes pelo contrário.
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