Em entrevista ao i, o secretário de Estado do Ambiente admitiu mesmo que, a manterem-se os índices de pluviosidade muito abaixo da média para a época, vai ser necessário racionar o abastecimento de água às populações.
Porém, como o Governo liderado por António Costa segue a máxima de que o otimismo é crescente conforme a hierarquia – até porque no cume, nas palavras do Presidente Marcelo, está um irritantemente otimista-mor –, o ministro do Ambiente apressou-se a desmentir o seu ajudante: racionamento talvez seja exagero e a água não faltará.
Vamos descontar o facto de este Governo ser useiro e vezeiro em ter ministros que desmentem secretários de Estado – e até ministros que se desmentem a si próprios (veja-se o caso de Azeredo Lopes em relação a Tancos ou, agora, o exemplo de Augusto Santos Silva acerca do relatório secreto sobre os efeitos da Base das Lajes e a contaminação cancerígena da Terceira), ou um primeiro-ministro que frequentemente peca por ação ou omissão no que diz e disse (e nem sequer vale a pena recordar as desastrosas intervenções a despropósito em plena tragédia de Pedrógão Grande ou no rescaldo dos dramáticos incêndios de 15 de outubro – ainda que, para que não caiam nunca no esquecimento, convenha sempre tê-los presentes).
Na verdade, o que os consumidores sabem é que podem contar, de certeza, com uma baixa da pressão da água nas canalizações e com um aumento do preço da dita em faturas futuras.
É como em tudo o resto: piores serviços, maiores custos. E o contribuinte que pague.
A questão é que, se o abastecimento de água às populações é um problema ultrapassável com quebras de pressão, aumentos de preços e poupanças forçadas (até já se tornou moda o desaconselhamento do banho diário), as consequências da seca vão muito para além. E não têm soluções tão simples e imediatas; sendo que obrigam, sim, a sacrifícios bem maiores e até aqui sempre adiáveis… até um dia, cada vez mais próximo.
Motivos profissionais, familiares e também de lazer levaram-me na vida a percorrer Portugal de lés a lés, do Algarve ao Minho e Trás-os-Montes, da Estremadura às Beiras e Alentejo interior, ou ao ‘país profundo’, como alguém preferia chamar-lhe.
Viagens constantes que, por um lado, me fizeram dar bênçãos ao investimento feito em autoestradas, IPs e ICs e quejandas, tantas vezes criticadas nos centros políticos e mediáticos de quem de Lisboa só sai de avião para Bruxelas, Dubai, Suíça, Singapura, Cabo Verde, Brasil ou Caraíbas.
Mas que também, e por outro lado, me revelaram nos últimos anos um Portugal diferente. E mais lindo. Apesar de tudo, mais verde e mais cultivado, mesmo que em muitos casos tristemente abandonado.
Até maio.
De então para cá, a norte do Tejo, o cenário é desolador. Ardeu quase tudo.
Ora, como diz o povo, se uma desgraça nunca vem só, a seca, que é uma das causas dos fatídicos incêndios (sim, por mais que os inquéritos e o apuramento de responsabilidades se arrastem no tempo, um dia também vai ter de haver conclusões e consequências, porque só o clima não explica tudo), tem muitos outros efeitos devastadores.
E, por isso, o cenário em muitas regiões do país, mesmo menos ou não afetadas pelos fogos e não desertificadas, é igualmente desolador.
Ora, sem prejuízo de não passar incólume, a verdade é que o Alentejo interior não é hoje a principal dor de cabeça. Por razão simples: tem Alqueva, rio que a barragem transformou num enorme lago e reserva de água, que permite uma gestão de recursos sem paralelo no país, Castelo do Bode incluído.
Há mais de duas décadas, quando a seca era problema recorrente, estudou-se e avançou-se com a hipótese de construção da barragem de Foz Côa.
Mas foi travada por causa das gravuras rupestres, que António Guterres e Manuel Maria Carrilho defenderam até às últimas consequências – transformando-as em estandarte de uma nova era política, em que se maldizia o betão e o investimento em infraestruturas fundamentais para o desenvolvimento do país e, ao som de Vangelis, se exorbitava na defesa dos valores fundamentais da cultura e do ambiente.
O plano de barragens e gestão de recursos hídricos, com a previsão de transvases para combater e evitar fenómenos dramáticos do passado, como cheias e secas devastadores, foi-se.
Não houve necessidade e ninguém mais quis saber.
Tirando Alqueva – e o Alentejo é hoje, paradoxalmente, das regiões mais verdes do país –, continuámos com Castelo do Bode e pouco mais.
Daí que, agora, os transvases se façam com… autotanques. E que a gestão de recursos hídricos em Portugal continue a ser totalmente dependente dos… espanhóis.
Os grandes rios que desaguam no Atlântico são todos internacionais – nascem em Espanha. A água que chega a Portugal é que os espanhóis querem e deixam passar. Ora em demasia, quando abunda e as barragens se abrem para a escoar, e lá vêm as cheias. Ora em défice excessivo, quando escasseia e os portugueses que se aguentem com a seca.
Espanha já há muito que vive dos transvases e menoriza os efeitos adversos das oscilações climatéricas, borrifando-se para Portugal.
E Portugal pouco se importou.
Alqueva e o Alentejo são, por isso, um oásis.
Em Foz Côa, preferimos beber cultura.
São opções. Temos é de nos preparar para tomarmos todos menos banho e assumir os custos, da água e da falta dela.