Há um guião mais ou menos determinado para o que acontece quando o regime norte-coreano dispara um novo míssil ou detona uma nova ogiva nuclear num fosso esconso.
O mundo reage com alarme, os analistas tentam descobrir em que ponto vão os programas militares de Pyongyang, Estados Unidos, Rússia e China reúnem-se no Conselho de Segurança das Nações Unidas e, normalmente, aprovam-se novas sanções, sempre as mais drásticas, mas que ficam aquém do que pretende Washington.
No que diz respeito ao dispositivo testado na noite de terça-feira, o novo e mais avançado engenho intercontinental do governo eremita, o guião encontrava-se esta quarta-feira no segundo passo: o que nos diz ele sobre a sofisticação e o perigo de Kim Jong-un?
Segundo os analistas, muito, mas o caso não é tão alarmante como parece à primeira vista. Explicamos. O míssil disparado terça-feira foi o Hwasong-15, a mais recente encarnação da recém-criada gama de mísseis intercontinentais coreanos, que se revelou com muita surpresa ao mundo em julho.
Segundo os analistas e as informações recolhidas até esta quarta, o Hwasong-15 é um salto importante em termos de tecnologia balística: o míssil voou durante 53 minutos, mais seis do que o seu irmão Hwasong-14, alcançou uma inédita altitude de quase 4500 quilómetros e despenhou-se no mar do Japão a sensivelmente mil quilómetros do local do lançamento – o disparo descreveu uma abóbada exagerada para evitar o espaço aéreo japonês.
Segundo os cálculos de David Wright, membro da União dos Cientistas Preocupados, o Hwasong-15 pode percorrer uns 13 mil quilómetros se for lançado numa rota mais rasa, o que significa que, pelo menos em teoria, o novo engenho pode alcançar todo o território dos Estados Unidos – incluindo Nova Iorque, lá na costa ocidental.
“É muito impressionante”, diz Wright. “Estão a melhorar o que já construíram. Trata-se de uma forma de dizer aos EUA que vão continuar a fazer avanços”, explica ao “New York Times”.
Fim de um ciclo?
Este é o cálculo que sustenta a declaração desta quarta de Kim Jong-un, que, celebrando o disparo e o novo míssil, declarou ao país que a Coreia do Norte “concluiu a grande causa histórica de se tornar num Estado nuclear pleno”. Mas há razões para crer que o cenário não é tão ameaçador assim.
Os cientistas que publicam cálculos semelhantes aos de Wright diziam também que o míssil disparado na terça-feira provavelmente transportou uma ogiva falsa de peso muito inferior ao de uma bomba verdadeira. E isto nem sequer falando das muitas dúvidas sobre a capacidade norte-coreana em desenvolver uma ogiva capaz de resistir à reentrada na atmosfera da Terra.
“A Coreia do Norte está a fazer bluff”, argumentava esta quarta Chang Young-keun, especialista em tecnologia balística na Universidade Aerospacial da Coreia.
Os analistas concordam neste ponto e os políticos também. É verdade que Pyongyang pretende alcançar tecnologia que lhe permita atacar todos os Estados Unidos, mas a imprensa americana avançava esta quarta que Washington já esperava algum tipo de retaliação depois de, na semana passada, Donald Trump ter anunciado que iria recolocar Pyongyang na lista dos Estados patrocinadores de terrorismo.
O disparo pode ter sido sobretudo uma afirmação política, mas, bluff ou não, o Hwasong-15 é um avanço considerável. Esta quarta, aliás, já se jogao segundo passo do guião e o governo americano preparava-se para anunciar novas sanções contra o regime. “Esta situação será controlada”, prometeTrump.