Paulo Teixeira Pinto: ‘Se pudesse escolher, preferia morrer de pé’

Aos 57 anos, Paulo Teixeira Pinto contou à jornalista Sílvia Oliveira a sua vida de conquistas e também de ruturas, como a morte do filho e o divórcio, a doença de Parkinson ou a saída do Opus Dei.

Sílvia Oliveira abordou, por duas vezes, Paulo Teixeira Pinto para escrever a sua biografia. Na primeira tentativa a jornalista recebeu um ‘não’ como resposta, mas no final do ano passado e depois alguma insistência conseguiu iniciar essa tarefa. O livro De Que Cor é o Medo, biografia autorizada pelo próprio, foi lançado este mês e aborda não só a mediática guerra quando era presidente do BCP como também a vida familiar e amorosa do ex-administrador. No final desta aventura, a jornalista confessa que não só ganhou um amigo que aprendeu a admirar – como se admiram muito poucos – como também aprendeu sobre a vida.

 

Houve uma primeira tentativa em 2010 e depois em 2017, quando Paulo Teixeira Pinto aceitou o convite. Foi difícil convencê-lo?

Conheci-o enquanto jornalista, em 2005, na altura em que é escolhido por Jardim Gonçalves para o suceder no BCP. Nessa altura, enquanto jornalista do Diário Económico, acompanhava sobretudo o setor financeiro e até fiquei surpreendida com a escolha porque não o conhecia de lado nenhum. Não me lembrava dele sequer como secretário de Estado de Cavaco Silva. Mas além de ter ficado um pouco perplexa também fiquei curiosa em relação à personalidade dele, porque tinha um olhar fixo e que impunha muita distância em relação aos outros. E ao mesmo tempo tinha uma atitude que não era tradicional num banqueiro, mas afinal estava no BCP há 10 anos. Mais tarde fiquei a saber dos interesses dele, que iam muito além do sistema financeiro. Só nos voltámos a cruzar em 2008/2009, quando Paulo Teixeira Pinto pertencia ao conselho editorial do jornal i. Na altura já estava doente e fiquei com um pouco perplexa com as tremuras. Havia claramente sintomas da doença, senti-o frágil e doente. Em 2010, quando já não estava no i, achei que era uma boa ideia tentar descobrir a vida deste homem. Telefonei-lhe um pouco a medo porque tinha receio de que ele pensasse que me estava a aproveitar dos dramas da vida dele para tentar escrever algo bombástico ou popularucho, mas não era essa a minha intenção. Disse que não. No final do ano passado, quando saí do Dinheiro Vivo, voltei a pensar neste projeto. Nunca o esqueci e à medida que ia descobrindo novas coisas da vida dele ia-me dando mais vontade de conhecer esta personagem, de escrever e de contar. Voltei a ligar-lhe e disse que não, mas senti que já tinha uma pequena disponibilidade. Acabou por me dizer que sim já este ano e a nossa primeira reunião foi no final de março. Sempre achei que ele era muito mais do que aquilo que conheci durante aqueles dois anos e meio no BCP. O meu objetivo era encontrar alguém interessante e entusiasmante, disposto a contar a vida e a história, e acho que consegui.

E por ter passado dez anos desde essa primeira tentativa acha que o resultado foi melhor?

Muito melhor. Em agosto de 2017, fez 10 anos desde a assembleia-geral em que ele saiu derrotado do BCP e só ao fim dos 10 anos é que fala pela primeira vez sobre o tema. Não só do BCP, mas também de Jardim Gonçalves, ainda que com pinças. Acho que em 2008 ou 2009 não estaria preparado para falar sobre isso, nem sobre a morte do filho, porque apesar de não haver distanciamento com o passar dos anos há uma forma diferente de encarar os factos. O mesmo acontecia com o divórcio e com a sua saída do Opus Dei – nessa altura era tudo muito recente. Hoje a verdade que conta – porque prometeu não mentir, obviamente não me contou aquilo que não queria contar e em algumas perguntas fiquei sem resposta – é muito melhor do que a verdade de há dez anos.

Ficou surpreendida?

Acho que é uma pessoa espetacular. Mas sabia que ele era muito mais do que aquilo que aparentava ser, mas não deixei de ficar surpreendida porque ele superou as minhas perspetivas em termos de inteligência, de coragem e com uma inteligência muito acima da média. Encontrei uma pessoa extremamente arrumada espiritualmente e emocionalmente. Acho muito difícil que uma pessoa que passou por aquilo que passou consiga manter o discernimento, a audácia e a capacidade de viver que ele tem. Além disso, a forma como ele falou sem pudor apesar de serem temas tristes e que o magoam muito ele também foi bastante generoso. Foi capaz de em beneficio da biografia de falar de aspetos terríveis, nomeadamente sobre a morte do filho. As nossas conversas foram bastante intensas e aprendi muito sobre a vida e como ser humano sinto-me mais rica de ter tido o privilegio de ter falado tantas horas a fio.

Quantas horas de reunião?

Não contabilizei, mas sei que foram meses e meses de reuniões.

Mas as duas mulheres da vida dele não participaram…

Porque não quiseram. Até em jeito de brincadeira perguntei o que é que se passava por elas não quererem falar comigo. Mas falei com a filha, Catarina Teixeira Pinto. A Paula Teixeira da Cruz deu-me uma explicação que considerei válida, não queria estar a recordar a morte do filho porque é um acontecimento muito marcante e que provoca bastante sofrimento. E mesmo que não falássemos diretamente da morte ia sempre fazer lembrar. A Mónica não quis falar comigo porque não se quis envolver e prefere guardar aquilo que conhece do Paulo para si.

O que a marcou mais?

O episódio mais marcante e que me emocionou enquanto escrevia foi sem dúvida a morte do filho. Depois há um outro que destaco pela positiva que é o amor entre ele e a Mónica, que é muito tocante pelas circunstâncias, pela diferença de idades, pela forma como vivem e a que tive oportunidade de assistir.

Foi um relacionamento pouco aceite?

Para uma pessoa que esteve no Opus Dei, católico e com muitos dos amigos que ainda estão ligados à organização e que são católicos, o divórcio é tudo menos um facto aceitável e aí teve de ter bastante coragem para romper com um casamento de 25 anos. Também não foi fácil como figura pública e estando no setor da alta finança, um meio altamente conservador e preconceituoso. Teve de fazer uma rutura, aliás a vida dele é feito de ruturas. Não foi fácil e só foi assumido publicamente depois de terem decidido que iam fazer uma vida juntos. Ele conta no livro a experiência das primeiras vezes que desceu o Chiado de mão dada com a Mónica, os amigos que o deixaram de convidar, os constrangimentos que causou e os próprios constrangimentos que causou à Paula Teixeira da Cruz e aos seus filhos.

Um dos temas abordados foi a guerra no BCP. Este é um assunto arrumado?

Fiquei com a ideia de que já arrumou o assunto. Talvez por ter sido do Opus Dei tem uma maturidade espiritual, uma capacidade de lidar com a realidade, de a digerir e de arrumar que é incrível. Isso deve-se à disciplina e à formação que recebeu no Opus Dei, mas também às características intrínsecas da sua personalidade. Não guarda rancores, não é homem de guardar rancores, mas é um tema que o deixa desconfortável. Não é um tema que ele gostasse de ser lembrado e disse isso mesmo no livro: que não gostava de ser recordado pelos dois anos e meio que esteve no BCP, porque acha que é muito mais do que isso e tem razão. É um episódio que não lhe correu bem porque não saiu vitorioso e ele assume a derrota e os erros. Ao contrário de Jardim Gonçalves. Nas reuniões que tive com ele. continua a dizer que não houve nenhum conflito com Paulo Teixeira Pinto nem nenhuma guerra. Apesar das pinças, Paulo Teixeira Pinto conta parte da verdade e sobretudo aquilo que sentiu, as suas ideias e suas convicções. Depois de ter falado com tanta gente continuam a existir factos por explicar sobre o que se passou.

Ficou com a ideia de que ele faria as coisas de forma diferente?

Faria sem dúvida, porque ele não é um tipo de pessoa que não se arrepende do que fez. É capaz de identificar os erros que cometeu e seria capaz de os corrigir se tivesse oportunidade de viver o mesmo outra vez. Quando saiu, tentou apaziguar eventuais conflitos e tentou não guardar coisas mal resolvidas. Acho que está pacificado com o seu passado, não o encontro atormentado com nada do que fez.

Está agora mais feliz?

Está muito mais. Apesar da doença e da perda do filho conseguiu encontrar no meio de todas as tragédias o seu espaço, o seu sítio e com quem está bem. E conseguiu dar importância a coisas que não dava na altura e a desvalorizar coisas que dava importância enquanto era presidente do BCP.
E a Mónica teve um papel muito importante nesse nível, porque recentrou-o, conseguiu mostrar-lhe aquilo que ele hoje considera que é verdadeiramente importante.

Encontrou paz de espírito?

Não sei se alguém consegue ter paz de espírito depois de ter perdido um filho, mas consegue viver com tranquilidade e felicidade possível.

Outro tema abordado no livro é a doença.

Falei com o médico dele, que admitiu que ficou verdadeiramente pasmado nas primeiras consultas. Disse que não é nada normal um doente com Parkinson ter a estrutura emocional que ele apresentou, e disse que as perguntas que fez foram sempre muito diretas e claras. E por ter uma resistência enorme à dor, segundo o médico, torna ainda mais difícil o seu trabalho: tem de estar duplamente atento porque pode não se queixar. Mas que é um doente extremamente disciplinado e sobretudo arrumado com ele próprio. Ou seja, aceitou a sua doença desde o início, não passou pelos estados de negação próprios de quem tenha uma doença degenerativa e sem cura. E sempre foi muito estruturado na sua relação com o médico e na relação com a doença. O médico disse que não conhece muitas pessoas assim.

Houve alguma resistência em falar sobre a morte do filho?

Houve a absoluta disponibilidade para falar sobre o tema. Achei que teve mais disponibilidade em falar sobre a morte do filho do que sobre o BCP. Não houve nenhum tema proibido, não houve nenhum tema cortado. Combinámos que não alterávamos nem censurávamos absolutamente nada das nossas conversas. E foi o que aconteceu. Só lhe apresentei as últimas provas do livro e não houve quaisquer alterações. A única coisa que ele pediu foi que o resultado final não magoasse as pessoas que ele ama e as pessoas que o amam, e sempre respeitei isso.

Deixou então cair o véu…

Se calhar quem não leu o livro vai continuar a vê-lo como via de 2005 a 2007, quando era presidente do BCP. Mas de facto ele agora é uma pessoa diferente. Revela no livro que não é uma pessoa sem sentimentos nem emoções, porque a maioria das pessoas acha-o desprovido de emoções e sente que ele era uma pessoa fria e muito racional. Não é nada disso.

Mostrou-se satisfeito com o resultado final?

Mostrou. O lançamento ocorreu uma semana depois do aniversario da morte do filho e é sempre um período difícil, mas ele também é uma pessoa contida na alegria, tal como na tristeza. Como disse no livro não gosta de celebrar o aniversário, não gosta de festas, nem de celebrações. Tem essa forma de estar na vida.