Há nove meses apresentei na Câmara de Cascais o projeto de arquitetura de um muro para um pequeno terreno. Pode parecer pretensioso falar em ‘projeto de arquitetura’ para um muro, até porque era o prolongamento do muro do terreno contíguo, e exatamente igual a esse. Comecei, aliás, por admitir que bastaria um simples requerimento a explicar a situação e pedir autorização para construir. Mas a burocracia é inimiga da simplicidade e exigiu um projeto completo, que por sua vez exigiu um levantamento topográfico.
Tudo isto consumiu tempo e dinheiro. Mas lá o fiz e fui à Câmara entregar os elementos pedidos, aliviado por estar à beira de resolver o assunto.
Meter o projeto na Câmara revelou-se, porém, mais difícil do que pensava. Foram necessárias buscas para saber o código do Cartão de Cidadão e uma ida à Conservatória para fazer o registo da respetiva assinatura. Descrevi, aliás, este processo em crónica anterior. Mas também os obstáculos foram ultrapassados e o processo entregue.
O mais difícil, em princípio, estava feito, e a aprovação deveria ser quase automática e rápida, dada a simplicidade da obra. Até porque o muro iria melhorar o aspeto da rua, que estava (e está) uma autêntica lástima: mesmo em frente do meu terreno existe um baldio que serve para vazar entulho, ao lado está outro terreno ao abandono com um muro inacabado, os passeios têm as pedras soltas, etc.
Mas passaram dois, três meses e a Câmara não disse nada! Ao fim de quatro meses apareceram lá pelo terreno uns homens que me pediram se podiam usá-lo como estaleiro para uma obra camarária que iam fazer ali perto. Disse que sim, mas expliquei-lhes que havia um muro à espera de licenciamento. Os homens agradeceram a minha amabilidade pela cedência do espaço – e em sinal de reconhecimento ofereceram-se para ajudar no que pudessem.
Passaram mais três meses e nada. O meu terreno continuava ocupado pelo estaleiro da dita obra para a Câmara de Cascais, cujos trabalhos também se eternizavam. Decorreram mais trinta dias – até que recebi uma notificação municipal. Seria, como calculei, para comunicar a aprovação do projeto. Mas qual quê! Era para marcar uma reunião.
Mau! – pensei. Mas não está tudo esclarecido? Não estava. A arquiteta autora do projeto era instada a fazer umas alterações, pois tinha lá uns pormenores que não estariam bem – e voltámos a ficar à espera.
Passaram mais umas semanas antes de um novo contacto da Câmara nos convocar para uma nova reunião onde surgiram novas dúvidas. O próprio município não sabia bem os condicionalismos do local e poderia ser preciso roubar uma faixa ao terreno para fazer o passeio.
Aqui, comecei a indignar-me. A situação tornava-se bizarra e aberrante. Eu não comprara um terreno clandestino: comprara um terreno numa zona urbanizada, isto é, abrangida por um Plano de Pormenor, que obrigatoriamente define os limites dos lotes, as ruas e os respetivos passeios. Ora como entender que, depois de feita a escritura do terreno e o seu registo, viessem dizer que a Câmara podia precisar de uns metros para fazer um passeio?
Sucede que, nesta altura, as marcações feitas pelo topógrafo estabelecendo o perímetro do terreno já tinham aparentemente desaparecido, em consequência do tal estaleiro lá montado. Iriam obrigar-me a voltar ao princípio?
Mas enfim, a arquiteta lá fez uma nova atualização dos desenhos, contemplando as condicionantes pedidas, e eu lá me dirigi de novo à Câmara, penosamente, com a pen do projeto no bolso.
Nova dificuldade, porém, surgiria: as assinaturas da arquiteta, segundo a funcionária, não estavam bem, pois uns desenhos estavam assinados com uma assinatura certificada mas outros não. Era preciso, pois, refazer essas assinaturas e depois voltar lá para fazer novo requerimento. Em suma, fora mais uma diligência em vão!. E enquanto eu lamentava as dificuldades burocráticas, a funcionária que me atendia (corretamente, adiante-se) ia-me avisando que o processo ainda estava no princípio, que um ano não era nada demais para aprovar um muro e que ainda me esperavam certamente novas e maiores dificuldades.
Senti-me impotente! Sem energia para continuar a luta, resolvi desistir do muro.
Mas o que se pretende com esta burocracia toda – paga, note-se, com os nossos impostos – que, em vez de facilitar a vida aos cidadãos, lhes levanta dificuldades de todo o tipo? Onde se quer chegar com este autêntico bloqueio burocrático? Afugentar as pessoas de investir no concelho? Estimular a construção clandestina? Ou, pior ainda, fomentar a corrupção? Levar os investidores ao desespero, para depois serem tentados a resolver ilegalmente o que não conseguem legalmente?
Expliquem-me, porque não percebo. Se para prolongar um singelo muro é preciso ultrapassar tantos obstáculos, que batalhas será necessário travar para uma família construir uma casa para viver ou um empresário levantar instalações para desenvolver o seu negócio?
O que farão essas pessoas? Constroem clandestinamente? Pagam luvas aos funcionários? Desistem, como eu?
P.S. – Em posterior contacto com a arquiteta, verifiquei que todos os desenhos estavam corretamente assinados, e que o defeito era do computador da Câmara, que não reconheceu as assinaturas.