Os Correios poderão despedir quase 400 trabalhadores, ultrapassando a meta que tinham admitido e que se fixava nos 300 colaboradores. Numa carta enviada a 3 de novembro à Comissão de Trabalhadores (CT) da empresa, a que o SOL teve acesso, revela a necessidade de levar a cabo uma reestruturação nos CTT, o que levará a que sejam contactados «num primeiro momento, cerca de 250 trabalhadores», pertencendo a várias direções da empresa, nomeadamente serviços centrais, atendimento, distribuição e centros de produção e logística, «cuja cessação dos vínculos contratuais não implicará a sua substituição».
No entanto, na mesma carta, pondera contactar numa segunda fase, dependendo da primeira fases, «outros 140 trabalhadores no mesmo contexto».
Contactados pelo SOL, os CTT negam este número, apesar de estar presente na carta, mas revelam que alguns desses trabalhadores serão abrangidos pela opção por reformas antecipadas, «até por termos recebido alguns pedidos neste âmbito», e outros pelas rescisões por mútuo acordo.
Na mesma carta, os Correios justificam esta reestruturação com a queda de lucros nos primeiros nove meses do ano. Os resultados caíram 57% para os 19,5 milhões de euros, mas a empresa diz é consequência da perda das receitas da Altice, da queda acentuada do tráfego de correio, dos gastos associados ao processo de ajustamento das redes ao crescimento do Banco dos CTT e ao negócio do expresso e encomendas.
A par dos despedimentos, a CT mostra-se ainda preocupada com o atraso da entrega do correio e que já levou a Anacom a determinar a redução de preços por falta de qualidade de serviço no ano passado, uma vez que concluiu que o prazo de entrega do correio normal até 15 dias úteis não foi respeitado. Uma critica que é desvalorizada pela empresa, alegando que «ocorrem casos pontuais de atrasos, sempre ocorreram e sempre ocorrerão», não querendo adiantar qual a estratégia a implementar para evitar este tipo de situações.
Ainda assim, admitem entregar algumas das estações de Correios a terceiros. «Não é a primeira vez que Lojas CTT são transformadas em postos e até mesmo antes da privatização a gestão de lojas foi objeto de transformação para gestão por terceiros – nomeadamente por alguns colaboradores que pretendiam nas suas localidades assumir essa responsabilidade», revela a empresa ao SOL.
Para a empresa, esta decisão tem como objetivo «melhorar o serviço ao cliente, garantindo o maior número de postos de trabalho, renovando a força de trabalho à medida que vários colaboradores vão saindo».
Perda em bolsa
Desde o início do mês, altura em que foram conhecidos os resultados dos primeiros nove meses do ano e a proposta de corte nos dividendos a distribuir em 2018 aos acionistas relativos ao exercício de 2017 – prevendo-se agora o pagamento de cerca de 38 cêntimos por ação, em vez dos 48 cêntimos previstos anteriormente – as ações dos Correios têm caído.
Para Eduardo Silva, gestor da corretora XTB, «o corte do dividendo foi um forte sinal de alerta, os investidores de curto prazo, que não pretendem aguentar um trade posicional de vários anos, olhavam para o dividendo como uma compensação para a fraca performance. A quebra nos lucros, preocupações com a estratégia para voltar aos lucros fortes, sendo que o banco apesar de poder vir a ter um papel importante no médio prazo, para já não tem impressionado», revela ao SOL.
E, segundo o analista, a tendência de queda é para se manter: «Mesmo com o ‘outlook’ internacional a impulsionar as ações do PSI20, o titulo dos CTT deverá ter dificuldade em atrair investidores de curto prazo a este nível. Para investidores de longo prazo, este nível pode ser ainda um pouco caro, o mais lógico será entrar mais abaixo».
Esquerda pede renacionalização
Para a CT, uma das soluções para viabilizar a empresa é esta voltar para a alçada do Estado. De acordo com esta estrutura, «o Governo não pode continuar a assistir impávido e sereno a esta devastação e degradação dos CTT e não a tomar a medida que se impõe: retomar o controlo da empresa por parte do Estado».
Esta ideia não é nova. O PCP entregou no Parlamento, a 31 de julho, um projeto de resolução em defesa do serviço público postal, pela recuperação do controlo público dos Correios, onde recomenda ao governo que «inicie o processo de recuperação do controlo e gestão do serviço postal universal por parte do Estado, através da reversão da privatização dos CTT-Correios de Portugal», afirmando que a degradação do serviço postal foi acentuada com a privatização.
E dá exemplos: entre 2009 e 2016 encerraram 564 estações e postos dos CTT, reduziram-se em largas centenas o número de trabalhadores e «aumentou a pressão e o assédio com vista à sua saída, quando, na realidade, faltam trabalhadores nos correios», lembrando que «há vastas zonas do país onde o correio só está a ser distribuído uma vez por semana, recentemente chegou a haver 15 dias de atraso na chegada dos vales postais com as pensões de reforma.
Já esta semana foi a vez do BE defender que o Estado pode invocar o incumprimento das obrigações de serviço público dos CTT para renacionalizar a empresa, apresentando também um projeto de resolução nesse sentido.
Para já, o PS não descarta esta possibilidade, mas garante que, neste momento, a medida não está a ser ponderada.
Quando questionado pelo SOL sobre estas soluções, os Correios dizem apenas que «a democracia não se questiona. A empresa respeita a democracia e não comenta decisões ou intenções de partidos políticos».
Recorde-se que, em dezembro de 2013, o governo de Passos Coelho iniciou a privatização a empresa, alienando cerca de 70% do seu capital. e um ano depois alienou os restantes 30%.