Assembleia Municipal. Mais de um milhão para boys & girls

A CML aprovou por unanimidade a proposta de Helena Roseta. Todos os grupos parlamentares da Assembleia Municipal de Lisboa têm direito a contratar assessores e secretárias com ordenados muito acima da média. É assim há anos, mas só em Lisboa.

A Câmara de Lisboa  vai gastar mais de um milhão de euros por ano em salários para assessores e secretárias da Assembleia Municipal, até 2021.

De acordo com a proposta de apoio técnico aos grupos políticos  com assento na Assembleia Municipal, aprovada na sexta-feira 23 de novembro, por unanimidade, cada assessor a tempo inteiro tem um salário mensal de 3.752,5 euros brutos, acrescidos da taxa de IVA em vigor (23%). A tempo parcial o valor baixa para 1.876,25 euros (sem IVA).

Já uma secretária a tempo inteiro tem uma remuneração de 2.802,5 euros mensais, também acrescidos de IVA. Mas se for a regime parcial é de 1.401, 25 euros mensais, a que se soma IVA.  

Desta forma, um assessor ou até mesmo uma secretária da Assembleia Municipal de Lisboa têm uma remuneração mais alta face ao salário médio de um médico, de um professor do básico e  secundário ou universitário, ao de um diplomata ou ao de um enfermeiro.  Um assessor da Assembleia Municipal chega a ter uma remuneração equivalente à do salário base de um deputado do Parlamento e superior à de um chefe de gabinete de um ministro.

No total, durante este mandato, por mês é pago 66.419,25 euros em salários para assessores dos deputados municipais, a que se somam 14.573 euros com remunerações mensais para secretárias.

Contas feitas, só em despesas com salários para apoio técnico são gastos todos os meses 80.992,25 euros, acrescidos de IVA. No final do ano, a fatura sobe para 971.907 euros (contabilizando 12 meses) a que soma o IVA.

Fora destas contas estão todos os salários com secretárias e assessores do Presidente da Assembleia Municipal e dos dois secretários. Com estes são gastos mais  20.615 euros mensais, sem IVA. Estas despesas são suportadas pelo orçamento da autarquia que foi apresentado nesta quarta-feira e que irá ser apreciado em reunião de Câmara no dia 14 de dezembro. Para 2018 a autarquia aponta para uma despesa total de 1.099 milhões de euros.

 

Salários dos funcionários subiram neste mandato

Nesta contabilização com salários da Assembleia Municipal, também não estão incluídos todos os assessores e secretárias do presidente da Câmara, Fernando Medina, do vice-presidente e dos vereadores da autarquia.

Questionada pelo SOL, a Câmara do Porto garante que a «Assembleia Municipal não tem assessores e/ou secretárias dos grupos políticos representados». O mesmo acontece em todas as autarquias contactadas pelo SOL.

Confrontada com estes números a Câmara de Lisboa não respondeu a qualquer questão nem indicou o número de colaboradores para a Assembleia Municipal.

No entanto, na proposta que define a distribuição de assessores e secretárias por cada partido lê-se que estas contratações pretendem «garantir aos eleitos meios, recursos técnicos e humanos, de modo a garantir o adequado desempenho do seu mandato», para que «todos os grupos representados disponham de meios ajustados à concretização das suas competências a bem da cidade, dos que nela habitam e dos que nela trabalham».  

Este é um cenário que acontece desde 2009 ­– tendo sido desenhado por António Costa – apenas na Câmara da capital, onde se aplicam regras distintas de restrição orçamental e de contratação face às restantes 307 autarquias do país. E esta é uma fatura que tem vindo a pesar cada vez mais com o passar dos anos, segundo as propostas de contratação de apoio técnico consultadas pelo SOL. Entre o mandato de 2009-2013, o primeiro em que ocorreram este tipo de contratações, e o atual mandato a despesa em salários destes funcionários da Assembleia Municipal disparou 12.405 euros mensais (sem IVA).     

O número de assessores e de secretárias – que podem prestar serviços a tempo inteiro ou a meio termo – respeita o número de deputados eleitos em cada partido.

No final do primeiro semestre de 2017, a dívida total da Câmara de Lisboa ascendia a mais de mil milhões de euros, segundo os dados oficiais da autarquia. O que não impediu, ainda assim, a edilidade de aumentar para este mandato os salários dos assessores e das secretárias.

Comparando as remunerações atribuídas durante o anterior mandato (2013-2017) os assessores ganham agora mais 350 euros mensais sem IVA. Já o salário das secretárias disparou quase 200 euros mensais, acrescidos de IVA.

 

Assessores por partido

Para este mandato foram eleitos 75 deputados para a Assembleia Municipal, que reúne semanalmente e continua a ser presidida por Helena Roseta, eleita como independente pelas listas do PS. Roseta deixou de ser militante socialista em 2007 quando o partido, dirigido na altura por José Sócrates, decidiu  apoiar António Costa na corrida à Câmara de Lisboa. Desde esse ano que Helena Roseta se tem candidatado como independente, sendo que nestas eleições integrava as listas de Fernando Medina.

Para apoiar os 75 deputados municipais da capital do país foram contratados pelo menos 22 funcionários (dos quais 17,7 são assessores a tempo inteiro e parcial a que se somam 5,2 secretárias). O PS – que governa a Assembleia Municipal em coligação com o Bloco de Esquerda –  terá direito a contratar dois assessores a tempo inteiro e um em regime part-time. Somam-se ainda uma secretária a meio termo para apoiar os 33 deputados municipais socialistas. O mesmo número de funcionários é garantido aos sociais-democratas, que têm 12 deputados municipais.

Já o PCP, o BE e o CDS têm direito a dois assessores a tempo inteiro e a uma secretária a meio termo, cada um.

No caso de Os Verdes, o Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), o Movimento Partido da Terra (MPT) e o Partido Popular Monárquico (PPM) elegeram dois deputados cada um. O que lhes dá direito a contratar um assessor a tempo inteiro e um outro a part-time, a que se soma uma secretária a meio termo.

Mas, de acordo com a proposta aprovada para a contratação de pessoal para apoio, cada partido pode contratar um número de assessores superior ao fixado pelo rácio, desde que o valor máximo previsto para despesa do partido não seja ultrapassado.

 

Regime de contratações criado por Costa

O regime de contratações de assessores e secretárias para prestação de serviços na Assembleia Municipal foi criado em 2009 pelo atual primeiro-ministro enquanto autarca. Nessa altura, António Costa estava aos comandos da Câmara de Lisboa há dois anos (eleito presidente nas intercalares de 2007, foi reeleito em 2009).

Na deliberação municipal aprovada a 24 de novembro de 2009 justificou-se a medida com as «exigências impostas» à Assembleia Municipal que «são cada vez mais complexas e díspares» havendo ainda «a necessidade de otimizar os recursos existentes, com recurso às novas tecnologias, contribuindo para uma cultura de modernização e inovação», lê-se no boletim municipal.

Nessa altura, ficou estipulado que cada grupo partidário com representação na Assembleia Municipal podia contratar três assessores e duas secretárias. No caso de partidos com mais de 30 deputados, o número de assessores podia subir para três.

Em 2009, a Assembleia Municipal era presidida por Simonetta Luz Afonso, eleita como independente pelas listas do PS.

Mas, apesar de ter vencido a Câmara com maioria absoluta, tendo eleito nove vereadores (incluindo o ex-bloquista Sá Fernandes e a independente Helena Roseta), António Costa não conseguiu garantir a maioria na Assembleia.  

E, como adiantaram ao SOL fontes que trabalhavam na altura na Câmara, este regime de contratação de assessores terá sido criado por António Costa precisamente para acalmar a Oposição na Assembleia Municipal. É que, com este regime, os partidos passaram a ter a possibilidade de contratar os seus boys&girls.   

No entanto, este regime tem provocado algum tumulto dentro dos partidos. É disso exemplo o caso  recente, já neste mandato, em torno da liderança da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa. Depois de José Eduardo Martins encabeçar a lista dos sociais-democratas à AM, Luís Newton, deputado municipal por inerência de ser presidente da Junta da Estrela, acabou por candidatar-se e garantir a chefia do grupo parlamentar, precisamente por discordâncias na escolha do staff para o gabinete do PSD.     

 

Boys ‘escapam’ à troika

O memorando de entendimento estabelecido com a troika era explícito: a par da redução do número de freguesias – medida que foi cumprida – as autarquias eram obrigadas a cortar na despesa com pessoal.

Se é verdade que António Costa recebeu das mãos de Carmona Rodrigues um passivo de 1.380 milhões de euros; no final de quase oito anos e de três mandatos, o líder socialista deixou a Fernando Medina, em 2015, um passivo de 1.420 milhões de euros.

Aliás, o Orçamento do Estado para 2015 estipulou que só as autarquias que apresentassem um peso de gastos com pessoal nas receitas inferior a 35% é que poderiam contratar no ano seguinte praticamente sem restrições. E, nesse ano, apesar de só as autarquias de maior dimensão e capitais de distrito terem margem para aumentar os gastos, Lisboa estava fora desta regra.

A verdade é que a história continua a repetir-se. Para o próximo ano, a autarquia apresentou um orçamento municipal estimado em 833,4 milhões de euros, ou seja, um aumento de 58,3 milhões face a este ano. No ano passado, a CML tinha anunciado que o orçamento para 2017 se situaria nos 775,1 milhões de euros, valor que o executivo estima que tenha subido para os 915 milhões de euros, contando o saldo de gerência de 2016.

Para 2018, a Câmara  prevê uma despesa não definida (incluindo o saldo de gerência deste ano, que ainda não foi apurado na totalidade, e o segundo empréstimo do Banco Europeu de Investimentos) de 265,4 milhões de euros, pelo que o valor total do orçamento poderá chegar aos 1.099 milhões de euros.