Donald Trump gosta de ser conhecido como o maior dos negociadores, o empresário transformado em presidente que, desamarrado das regras da política convencional e armado com a sabedoria e artimanha do mundo dos negócios, saltará barreiras que travaram os antecessores. Assim acontecerá também com o conflito entre israelitas e palestinianos. “É o maior negócio de todos”, disse o presidente americano em fevereiro, no dia em que recebeu em Washington o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, um dos seus mais enfáticos apoiantes na campanha – também nesse dia, Trump semeou o caos ao não se comprometer com a solução de dois Estados, efetivamente rompendo com o consenso de quase 30 anos na comunidade internacional e política americana até a sua enviada para a ONU vir desmenti-lo, um dia depois. Por essa altura, porém, esse “negócio derradeiro” já não estava nas suas mãos, mas nas do seu genro, Jared Kushner.
Kushner tomou em mãos a responsabilidade de alcançar a paz entre palestinianos e israelitas em janeiro e há um mês começou a desenhar uma proposta secreta, da qual se sabe pouco, muito pouco, para além de rumores e de uma metáfora usada por responsáveis americanos. E isto apesar de a Casa Branca vir indicando que apresentará a proposta no início do próximo ano. “Será como ir a um jantar no qual o anfitrião não pergunta aos convidados o que desejam comer e, em vez disso, dá-lhes uma ementa que é pegar ou largar”, disse um dos responsáveis americanos ao “Independent”, não revelando nenhum dos pormenores do plano.
De acordo com o jornal britânico, o aspeto certo no projeto americano para a paz é que envolverá a contenção iraniana e será um grande mapa com todos os pontos-chave, desenhado de uma forma tão abrangente quanto possível para que os dois lados possam aceitar algumas cedências a que antes não estariam dispostos. A intenção é que israelitas e palestinianos fiquem agradados o suficiente com as conclusões gerais e esqueçam um ou outro ponto menos agradável. Nas palavras do próprio Kushner: “Fomos buscar muitas ideias de muitos sítios. Claro que há muita especulação sobre se há um plano e qual é, se aqueles pontos estão lá ou não. Nós rimo-nos e dizemos ‘ok, não vamos jogar às adivinhas. Os palestinianos sabem que negociações tivemos com eles. Os israelitas também’.”
Kushner, um dos três judeus ortodoxos na equipa de quatro pessoas debruçadas sobre o processo, alinha na mesma lógica que o sogro: “Somos empresários, não políticos”, argumentou domingo num evento do think-tank Brookings, recusando datas e prazos-limite para um futuro processo de paz. O seu plano, no entanto, vai esbarrar com problemas muito políticos e o primeiro pode ser já o da mudança da embaixada americana em Israel para Jerusalém, uma jogada que mesmo o rei Abdullah ii da Jordânia, um dos mais íntimos aliados americanos na região, diz que pode fazer descarrilar a boa vontade do lado palestiniano. Sab Erekat, secretário-geral da Organização de Libertação da Palestina (OLP), disse ontem o mesmo: “[Os EUA] arriscam-se a desqualificar-se de qualquer papel numa iniciativa futura em busca da paz.”