Jerusalém. Trump inclinado a presentear Israel com a desejada capital

Presidente norte-americano recuperou uma das promessas mais controversas da campanha eleitoral e pode anunciar amanhã a mudança da embaixada dos EUA de Telavive para a Cidade Santa. Líderes árabes temem que o gesto espolete onda de violência e fanatismo na região

Foi um dos temas quentes da campanha eleitoral mas, com o passar dos meses, foi caindo para segundo plano, até acabar por saltar para fora da agenda de prioridades imediatas da nova administração norte-americana. Puro engano, aparentemente. Os planos de mudança da embaixada dos Estados Unidos em território israelita de Telavive – a capital oficial e reconhecida por toda a comunidade internacional – para Jerusalém – a cidade disputada por judeus e palestinianos e reivindicada por Israel como capital indivisível do seu Estado -, repetidamente respaldados por Donald Trump durante a corrida à Casa Branca e nas primeiras semanas que se seguiram às eleições presidenciais, foram retirados da gaveta nos últimos dias e poderão conhecer novos episódios já amanhã.

No passado sábado, a Reuters citou três membros da administração Trump para revelar que o presidente poderá anunciar a mudança da representação diplomática para a Cidade Santa, num discurso agendado para quarta-feira – um gesto que, a confirmar-se, não seria nem mais nem menos do que um reconhecimento norte-americano de Jerusalém como capital do Estado de Israel e um forte revés nas pretensões palestinianas na cidade e no estabelecimento de um Estado independente. Para além disso, enfraqueceria significativamente o papel de Washington enquanto mediador do embaralhado conflito entre israelitas e palestinianos – que Trump tanto apregoou aquando da sua visita a Israel, em maio deste ano – e teria o condão de desestabilizar a região, particularmente nos territórios ocupados da Palestina e em Jerusalém Oriental.

A recuperação da controversa questão está relacionada com uma lei aprovada pelo Congresso norte-americano em 1995, durante a era Clinton, que define os passos para a transferência da embaixada para Jerusalém. Acontece que a legislação nunca chegou a ser aplicada, uma vez que tanto Bill Clinton como George W. Bush, Barack Obama e o próprio Donald Trump bloquearam a sua entrada em vigor, valendo-se de um procedimento executivo relacionado com os fundos disponibilizados ao Departamento de Estado, renovável a cada seis meses. Esse prazo de renovação terminou esta segunda-feira e terá dado azo ao regresso em força da discussão sobre o tema à Sala Oval.

Consciente do elevado potencial perturbador de uma decisão favorável à transferência da representação diplomática norte-americana, o genro e conselheiro do presidente, Jared Kushner, procurou colocar alguma água na fervura, no domingo, ao dizer que Trump ainda não tinha tomado uma decisão final por estar a “olhar para uma série de diferentes fatores”. Na mesma linha, e mesmo tendo assumido que “existem opções que envolvem a mudança da embaixada em algum momento no futuro”, o conselheiro norte-americano de segurança nacional, H. R. McMaster, procurou destacar que qualquer decisão nesse sentido será sempre orientada para “uma solução que funcione para israelitas e palestinianos”.

Palavras que de pouco ou nada serviram para acalmar os críticos de Israel. Ahmed Abul Gheit, secretário-geral da Liga Árabe, lamentou que “alguns continuem a insistir em dar este passo sem quaisquer preocupações com os perigos que ele transporta para a estabilidade do Médio Oriente” e afirmou que o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel só servirá para “alimentar o fanatismo e a violência”. 

Visão semelhante foi ontem defendida pelo presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, que depois de assumir ter falado ao telefone com diversos líderes políticos e religiosos da região e com figuras mundiais como Emmanuel Macron ou Recep Tayyip Erdogan – presidentes de França e Turquia, respetivamente -, em busca de apoios, catalogou a mudança da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém como “uma ameaça ao futuro do processo de paz” e declarou-a como “inaceitável para palestinianos, árabes e comunidade internacional”.

A Liga Árabe já anunciou que vai reunir-se de emergência, esta terça-feira, para debater o tema e definir uma estratégia para um eventual cenário de luz verde ao reconhecimento cozinhado por Trump, e estão ainda previstas manifestações de protesto nos territórios palestinianos, convocadas pelo próprio Abbas e por Ismail Haniyeh, líder do Hamas.