Houve um pedregulho atirado para cima da parceria assinada entre o Governo e o BE e dificilmente algo voltará a ser como dantes. O chumbo da contribuição extraordinária para as energias renováveis pelo PS, depois de já assinado ao mais alto nível, marca um ‘antes’ e um ‘depois’ entre as relações Governo-BE. E dificilmente algo voltará a ser como antes.
Depois de Mariana Mortágua acusar o Governo de «deslealdade», Catarina Martins veio esta semana dizer que «um Estado de Direito é aquele que cumpre os compromissos com os seus cidadãos, uma república das bananas é aquela que faz os contratos sempre à medida dos grandes interesses económicos». Ora, com esta sentença, Catarina acusa Costa de ser o primeiro-ministro de «uma república das bananas», já que desde a aprovação do Orçamento o tem acusado quase diariamente de ceder aos interesses económicos.
A violência verbal do Bloco contra o Governo mantém-se, o acordo que sustenta o Executivo também. O que não haverá mais é complacência: o Bloco quer colocar em cima da mesa tudo o que falta cumprir dos acordos assinados há dois anos e, na noite de quinta-feira, a líder do BE atirou para cima da mesa a urgência da renegociação da dívida: «O Governo tem de ter a coragem de colocar a renegociação da dívida pública e este é o momento político para o país», disse a coordenadora do BE numa sessão em Braga onde se fez o balanço dos dois anos de acordo com o Governo.
A líder do BE lembrou o Executivo que, «com pequenas alterações nos prazos e com diminuição dos juros, a dívida em Portugal podia baixar para os 90% do PIB. O Bloco fez esse trabalho e apresentou essas propostas, no grupo de trabalho com o PS». A questão é que quando os resultados foram apresentados Costa chutou para canto – qualquer renegociação teria que ser feito no âmbito das instituições europeias.
Mas o Bloco já mostrou que não vai largar aquela que foi sempre uma das suas principais bandeiras – partilhada, de resto, com um elevado número de altos quadros socialistas antes do PS ser Governo. «Num momento em que todas as instituições internacionais reconhecem que Portugal, por ter feito um caminho diferente daquele que impuseram, conseguiu bons resultados, Portugal tem que usar isso a seu favor e exigir que essas instituições assumam as suas responsabilidades e façam a renegociação da dívida pública», insistiu Catarina em Braga. «Fazer essa renegociação, falar dela na Europa, é este o momento. Por que espera o Governo para o fazer?». Os bloquistas defendem que está ultrapassado o marco das eleições alemães, apontado como impeditivo do debate europeu e invocam relatórios da própria Comissão Europeia, do BCE e do FMI onde a questão da renegociação da dívida é abordada. «O trabalho está feito, o BE fez esse trabalho. Tem uma proposta sua, própria, mais ambiciosa, com cortes nos montantes da dívida, mas fizemos uma outra proposta, trabalhámos ao longo de muito tempo com o PS, com o Governo, com especialistas, o que permite, mexendo em prazos e nos juros, descer a dívida pública para 90% do PIB e com isso aliviar o país para investir no que faz falta, a Educação, a Saúde, o interior, a criação de emprego, na recuperação de toda a Economia», afirmou ainda Catarina num discurso em que, apesar dos pesares, defendeu que o balanço destes últimos dois anos a apoiar o Governo é «positivo» – «mas o caminho a fazer ainda é maior».
Insistir no imposto sobre renováveis só com maioria O BE promete voltar à carga com um projeto para travar os subsídios às renováveis até ao final da legislatura, mas não o irá fazer de qualquer maneira. Só apresentará a proposta se, desta vez e finalmente, tiver garantia de aprovação. É verdade que a grande maioria dos deputados socialistas estão a favor da mudança, mas não irão contra as ordens de António Costa. Resta saber qual será o momento, ou mesmo se haverá momento para conseguir uma vitória nesse território. Como amplamente têm referido os dirigentes bloquistas por estes dias «o PS está refém do lóbi da eletricidade».
Uma vítima colateral deste conflito dentro do próprio PS – é lembrar que os Ministérios da Economia e Finanças já tinham dado o ámen à aprovação da proposta do BE e o PS já tinha votado favoravelmente antes de Costa ter dado ordens para recuar a todo o pano – foi o deputado Ascenso Simões, antigo diretor de campanha de António Costa (para as legislativas de 2015). Ascenso manteve o seu voto favorável depois do PS ter mandado avocar o artigo das renováveis para mudar de posição. Isso valeu-lhe uma queixa do líder parlamentar, Carlos César, para o Conselho de Jurisdição do partido. Dependendo da opinião dos juristas do PS, Ascenso pode ser (ou não) alvo de um processo disciplinar.
Na semana passada, Ascenso Simões deu uma entrevista muito dura ao SOL, onde afirmou que «o PS deveria ter pedido desculpa ao Bloco de Esquerda». Na mesma entrevista, o deputado criticava o líder parlamentar Carlos César por «não estar à altura dos acontecimentos». «Se eu tivesse responsabilidade teria, no início do debate, pedido a palavra e tinha pedido desculpa ao Bloco de Esquerda. Isso tinha feito muito bem a todos. Tinha impedido aquela discursata da Mariana Mortágua. Tinha transformado os deputados do PS em pessoas com valores. Era isso que eu teria feito. Isso é que seria estar à altura dos acontecimentos», disse Ascenso Simões na edição do SOL da semana passada.
Ascenso Simões, que se tem mantido silencioso sobre o processo, veio ontem esclarecer que não queria ver o seu caso discutido na Comissão Política Nacional de terça-feira, associado aos processos de suspensão de 320 militantes que se candidataram nas autárquicas como independentes. Daniel Adrião, um dos críticos dentro do PS, ameaçou suscitar o debate, mas Ascenso Simões pediu-lhe para não o fazer. Na sua página do Facebook, Daniel Adrião escreveu, sobre a queixa movida a Ascenso Simões, não acreditar «que o secretário-geral do PS deixe passar mais esta ação persecutória dos zelotas do partido».
Ana Sá Lopes e Filipa Traqueia