«Era um patinho feio, para muitos, muito feio, há dois anos, e agora, de repente, é um cisne resplandecente». A frase de Marcelo Rebelo de Sousa para comentar a eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo assenta que nem uma luva no percurso do ministro das Finanças.
Centeno tem recebido elogios, dentro e fora do país, por ter alcançado um cargo de relevo e pelos resultados alcançados na economia, mas nem sempre foi assim. Aquele que é hoje um dos ministros mais populares do governo foi, mais do que uma vez, desautorizado por António Costa. A entrevista à estação televisiva norte-americana CNBC foi um exemplo disso. Centeno disse que a sua «principal tarefa» era evitar um segundo resgate. Costa teve de o corrigir para acabar com a polémica e garantiu que «não faz o menor sentido falar de qualquer resgate». Com o PSD a atacar politicamente o Governo com o fantasma do regresso da troika, no verão de 2016, o primeiro-ministro queria tudo menos ouvir o seu ministro das Finanças admitir essa possibilidade.
Não foi a única vez. No dia em que o ministro das Finanças admitiu ter dúvidas de que fosse possível repor as 35 horas semanais para os funcionários púbicos, Costa veio garantir que «as 35 horas entrarão em vigor já no próximo dia 1 de julho».
O momento mais delicado para Mário Centeno foi, porém, a polémica com a nova administração da Caixa Geral de Depósitos, liderada por António Domingues. O Governo deixou-se embrulhar numa novela sobre a entrega das declarações de rendimentos dos novos administradores no Tribunal Constitucional e Centeno pagou a fatura. Costa viu-se obrigado a garantir várias vezes que a demissão do ministro estava «fora de questão». PSD e CDS acusaram Centeno de mentir sobre o acordo com a equipa de Domingues. O eurodeputado social-democrata Paulo Rangel chegou a afirmar que «a demissão é a única forma de assegurar a dignidade a credibilidade externa do Governo».
O pior estava ainda para vir. O Presidente da República tirou-lhe o tapete e afirmou, em comunicado, que só aceitou a decisão do primeiro-ministro de manter Mário Centeno «atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira». Marques Mendes, conselheiro de Estado, não teve dúvidas de que o comunicado de Belém «mata politicamente Mário Centeno».
Fragilizou e muito, mas não matou. «É como no futebol. Podemos não gostar do treinador, mas se ele ganha é impossível que isso deixe de ser reconhecido», diz ao SOL o socialista Vitalino Canas. Para este socialista, as qualidades pessoais do ministro, o apoio de António Costa «desde sempre» e os resultados na economia foram determinantes para Centeno vencer as adversidades e chegar a presidente do Eurogrupo. «Os SMS e as pequenas tricas não valem mais do que isso».
‘Todos temos momentos menos felizes’, diz António Costa
Costa também não esqueceu as adversidades no dia em que Centeno foi eleito para a presidência do Eurogrupo. «Nos últimos dias pude rever peças de alguns comentadores que sublinhavam aspetos nem sempre felizes – todos temos momentos menos felizes na nossa vida – e ver agora o ministro das Finanças presidente do Eurogrupo isso dá-me particular prazer. Não posso dizer que não”.
Os elogios ao «Ronaldo do Ecofin», como lhe chamou Wolfgang Schäuble, não vieram só dos socialistas. Dois ex-ministros das Finanças em Governos de direita elogiaram-lhe o estilo e o currículo. Manuela Ferreira Leite, no seu comentário na TVI, defendeu que «ele é uma pessoa tecnicamente e cientificamente muito bem preparada». Bagão Félix, numa entrevista à RTP, classificou Centeno como «um ministro das Finanças atípico. É uma pessoa bastante cordata, prudente, e conciliadora».
Mário Centeno nasceu em Olhão e viveu em Vila Real de Santo António durante a adolescência. A família mudou-se aos 15 anos para Lisboa e licenciou-se em economia pelo ISEG. Foi na faculdade que jogou râguebi. Francisco Mesquita, que foi o seu treinador, recordou ao Observador que o agora ministro «era alegre, um tipo muito educado, de trato muito fácil, mas não era extrovertido. Era um bocado tímido». Doutorado em Economia pela Universidade de Harvard, Centeno trabalhou no Banco de Portugal e foi professor no Instituto Superior de Economia e Gestão. Chegou ao Governo depois de ter liderado o grupo de 12 economistas que prepararam o plano económico do PS.