Motas sem lei e centros de inspeção à espera

A lei obrigou os centros de inspeção a adaptarem-se para fazerem inspeção de motas, mas continua por sair a regulamentação. Enquanto isso, os critérios do IMT parecem mudar consoante as empresas…

Há já cinco anos, os centros de inspeção periódica foram obrigados a fazer alterações e a comprar equipamentos para estarem aptos a realizar a inspeção periódica obrigatória a motas com cilindrada superior a 250 centímetros cúbicos. Mas, entretanto, a regulamentação para obrigar esses veículos a serem fiscalizados continua por publicar. E enquanto isso, os cerca de 150 centros que até setembro de 2016 adotaram as alterações previstas na lei, não veem o retorno do investimento que fizeram e assistem à deterioração dos equipamentos que continuam inutilizados.

É o caso de Fernando Tavares Pereira, empresário à frente da CIMA e da Inspecentro, que detêm 39 dos cerca de 200 centros de inspeção periódica do país.

«Nove milhões de euros gastos nos centros de inspeção: remodelações a nível informático, adaptações específicas para fazer fiscalização de motas – quando a lei continua a não ser regulamentada -, implementação de linhas de fuga, e para isso tivemos de comprar terrenos», lamenta ao SOL o empresário.

Uma medida necessária?

Esta é uma situação que as associações do setor, como a Associação Portuguesa de Inspeção Automóvel (APIA) e a Associação Nacional de Centros de Inspeção Automóvel (ANCIA), também denunciam. Paulo Noguês, presidente da APIA, diz ser «paradoxal o facto de o Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT) ter obrigado os centros a fazerem alterações para fiscalizarem motas», quando agora «o Governo não regulamenta essa inspeção». Até porque, como Paulo Noguês, alerta, «o peso que os motociclos têm na sinistralidade é muito acentuado».

Desta opinião partilha também Paulo Areal, presidente da ANCIA. «Não decidimos se precisamos da viatura depois de a termos comprado. O Estado não pode vir dizer se é ou não necessária a inspeção a motociclos, depois de ter exigido aos centros um investimento enorme», defende. E aponta, também, para a perigosidade destes veículos e para a sinistralidade que lhes está associada, «bastante acentuada».

Os dados mais recentes da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) mostram que, este ano, entre janeiro e setembro, morreram 99 pessoas em motociclos, dentro e fora de localidades. No período homónimo de 2016, registaram-se 60 vítimas mortais.

«Por que é que o Governo não regulamenta a lei? Mudou de ideias?», questiona Areal, que avança ao SOL que este ano a ANCIA teve dois encontros marcados com o Governo para discutir, entre outros assuntos, a falta de regulamentação necessária ao avanço da inspeção obrigatória às motas.

O Automóvel Club de Portugal (ACP) enfatiza a importância de zelar pela segurança rodoviária. «O Automóvel Club de Portugal é favorável à introdução de IPO para motos por variadas razões, desde logo pela segurança rodoviária e pelo ambiente. Tal como acontece com os automóveis, há aspetos a ter em atenção nas motos – luzes, travões e pneus. No caso da motos, por exemplo, um pneu careca é muito mais perigoso do que num automóvel…», diz ao SOL fonte da instituição.

Do ponto de vista dos utentes das motas, o caso não é tão linear assim. Manuel Marinheiro, presidente da Federação de Motociclismo de Portugal (FMP), diz que 

«naturalmente a Federação está de acordo com tudo o que seja para melhorar a segurança dos motociclistas. Por isso, em termos teóricos somos a favor das inspeções periódicas às motas, mas em termos práticos, a forma como está previsto serem realizadas, não nos parece a mais adequada».

Marinheiro coloca a tónica nos facto de o investimento ter sido feito e de a regulamentação que obriga à inspeção continuar por sair. Questionado quanto à necessidade da inspeção, o presidente da Federação diz que vários estudos europeus já demonstraram que «só cerca de 0,3% dos sinistros que envolvem motociclos têm como origem causas mecânicas ou relacionadas com falta de manutenção».

Por isso, o responsável da FMP defende que, «se a inspeção for para ver se está tudo a funcionar bem e tiver critérios claros somos de acordo». Lembra, contudo, que há modalidades desportivas que envolvem alterações nas motas. «Se as inspeções forem feitas para que os veículos estejam completamente de origem, nestes casos vamos matar o desporto motorizado».

Dois pesos e duas medidas

Além do requisito de uma área para inspeção a motas, a lei de 2011, pela portaria n.º 221/2012, estabelece outros requisitos, como a obrigatoriedade, por exemplo, de entradas e saídas independentes nos centros.

O SOL teve acesso a documentos referentes a vários centros de inspeção do grupo Controlgold, que dão conta do processo de aplicação das novas medidas previstas na lei. Num dos documentos, datado de 13.07.2016, a Direção de Serviços de Regulamentação Técnica, de Qualidade e Segurança (DSRTQS), depois de efetuar uma vistoria prevista na lei para verificação do cumprimento dos requisitos, aconselha o Conselho Diretivo do IMT a avançar com a resolução dos contratos de gestão de oito centros, por incumprimento a nível técnico, falta de equipamentos obrigatórios e termos de responsabilidade com declarações falsas por parte dos gestores, diretores de qualidade e diretores dos centros em questão.

Contudo, depois de serem informados da intenção de resolução dos contratos pelo IMT, os centros nunca chegaram a ser encerrados, apesar de a lei não deixar espaço para dúvidas: entre os critérios que determinam a resolução dos contratos com o IMT encontra-se o incumprimento ou a incapacidade técnica.

No processo de um dos centros, o CINOR em Amarante, a administração exerce o seu direto de resposta. Justifica que as alterações necessárias para a inspeção de motociclos e respetivos equipamentos não estavam instalados à data da vistoria porque «a realização daquelas inspeções ainda não se encontravam nem se encontram autorizadas, desconhecendo-se a data para o seu início». Mas a verdade é que, apesar disso, esse é um dos requisitos da portaria n.º 221/2012.

A esta comunicação, o IMT nada responde. E o centro nunca chega a fechar e continua em funcionamento – o SOL confirmou, aliás, que em momento algum nenhum dos oito centros foi encerrado, apesar do incumprimento.

Foi José Pereira, coordenador da CIMA, que entregou ao SOL os processos de alterações dos centros da Controlgold, explicando que, como entidade interessada, pediu autorização para consultar os documentos, com caráter público. Na base da consulta, feita este ano, está o encerramento de três centros da CIMA e da Inspecentro pelo IMT.

Os centros em questão, garante José Pereira, tinham feito todas as alterações e tinham adquirido todos os equipamentos previstos na lei. Contudo, não acabaram as obras no prazo estipulado pelo IMT, motivo pelo qual viriam a ser encerrados os três centros – apesar da intenção do IMT de encerrar outros 11, algo que terá sido evitado através de providências cautelares. Ao SOL, o IMT confirmou a motivação, alegando que os centros não cumpriram «o prazo de dois anos para implementação dos requisitos técnicos impostos pela Portaria n.º 221/2012».

Ao contrário dos centros do grupo Controlgold, que nunca chegaram a ser encerrados, estes foram-no. «Inicialmente o IMT teve intenção de rescisão dos contratos dos centros do grupo Controlgold, mas depois na fase final fecha os olhos. Já no nosso caso, foi logo a matar», lamenta José Pereira, frisando que na base da intenção de encerramento tanto dos centros CIMA e Inspecentro como Controlgold está o incumprimento do prazo.

Ao SOL, o IMT alega, porém, que «todos os centros de inspeção instalados no âmbito da respetiva aprovação de alterações impostas pela Portaria n.º 221/2012, de 20 de julho cumpriram com o legal e contratualmente estabelecido».

José Pereira olha para a existência de dois pesos e duas medidas por parte do IMT como uma prova de que existe uma perseguição à CIMA e à Inspecentro. «Eu fui pessoalmente ao IMT dizer que acabaríamos as alterações dentro de dois ou três meses, mas havia uma pressão muito grande de um outro grupo económico para prejudicar a CIMA e a Inspecentro», denuncia. «É a ideia que eu tenho e ninguém ma tira. O presidente da ANSIA, aliás, é o primeiro a dizer que os prazos são para cumprir e quem não cumpre deve fechar portas, quando muitos dos seus associados estão em incumprimento…».

Os três centros de inspeção encerrados foram entretanto abertos. O grupo Tavfer, detentor da CIMA e da Inspecentro, disse ao SOL ter em andamento um processo contra as entidades competentes.