Foi em Braga. Depois de uma sala muito concorrida em Famalicão, com Paulo Cunha, presidente da Câmara, a reunir centenas de locais para apoiar Pedro Santana Lopes, a candidatura rumou a Braga, cidade de Hugo Soares, para o líder parlamentar do PSD na Assembleia da República declarar, pela primeira vez, apoio público a Santana. Não estiveram mais de 90 pessoas. Mas o episódio teve contornos dignos de vasta plateia – pelo menos no plano humorístico.
Hugo Soares, presidente da concelhia bracarense, foi apresentado como «convidado especial» e subiu ao palanque com o humor característico dos seus 34 anos.
«Boa-noite a todos. Eu confesso-vos que, quando olhava para os companheiros que me antecederam neste púlpito, pensei que teríamos como candidato à liderança nacional o dr. Marques Mendes – que isto tem aqui uma base enorme e para quem já é grande [Hugo Soares tem 1,86 de altura] torna-se mais difícil -, mas felizmente não são essas as circunstâncias», brincou Hugo, mostrando preferir uma circunstância em que «felizmente» é Santana Lopes o candidato à liderança nacional e não Mendes, de quem até foi próximo no início da sua juventude política. Diria Camões (que seria mais tarde recitado): mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
Hugo Soares, que havia garantido no início da disputa interna que o grupo parlamentar seria «um baluarte de estabilidade» até ao congresso, veio afinal dar apoio a um dos concorrentes. O PSD passou muito rapidamente a PPD/PSD durante o discurso. Soares realçou a importância deste tempo na vida do partido, na medida em que «é a substituição de um líder que foi primeiro-ministro, que nunca perdeu legislativas, que foi – a par de Cavaco Silva – aquele que mais tempo presidiu ao PPD/PSD», falando, claro, de Pedro Passos Coelho, que não se recandidatou à liderança em consequência dos resultados autárquicos de outubro (ver página 16).
«Quando há uma mudança deste tamanho, há sempre um sentimento de orfandade dentro do partido. Não há como dizê-lo de outra forma: o partido habitou-se a Pedro Passos Coelho, o partido identificava-se com Pedro Passos Coelho», introduziu o jovem deputado, ex-líder da JSD, politicamente, assim, órfão.
Perante esse cenário, continuou, «ainda bem que o Partido Social Democrata tem nos seus quadros gente de grande qualidade, gente da categoria do dr. Rui Rio e do dr. Pedro Santana Lopes».
A saída de sala
«Não tenho dúvida alguma: ganhe o dr. Pedro Santana Lopes as próximas eleições diretas ou ganhe o dr. Rui Rio, o PSD tem melhor candidato a primeiro-ministro do que o Partido Socialista com qualquer um dos dois», disse. Miguel Santos, deputado e vice-presidente de Hugo Soares no grupo parlamentar, levantou-se da primeira fila e abandonou a sala, regressando somente quando Pedro Santana Lopes tomou a palavra.
«Começou a haver a impressão de que o tipo é invencível. Não, não é. Ele merece perder», prosseguiu Hugo Soares, num tom mais coloquial, sobre António Costa, primeiro-ministro. «E é por isso que estas eleições [no PSD] têm importância capital».
Nesse sentido, admitiu depois o bracarense: «Era mais fácil para mim manter uma posição de absoluta neutralidade. Serei porventura no partido aquele que mais facilmente o poderia fazer como presidente do grupo parlamentar do PSD, eleito há cerca de cinco meses», considerou-se. «Mas quem me conhece sabe que não é do meu feitio por duas razões. A primeira, é que creio que quem lidera tem obrigação de não ficar à porta, tem obrigação de liderar, de ter opinião. E depois quem joga em casa, como eu hoje aqui estou, tem obrigação de marcar golo».
Fixando os olhos em imaginária baliza, veio o remate: «É pelo país e sobretudo sem surpresa que votarei e apoiarei no dr. Pedro Santana Lopes. Foi um excelente primeiro-ministro de Portugal. Tinha uma grande equipa, trouxe gente para a política que são ainda hoje altos quadros. Tem a preparação, o carácter e a personalidade que a liderança exige, a proximidade e a humanidade que o cargo carece e tem sobretudo a alma de um partido que quer ganhar as eleições em 2019». E foi o momento em que a sala mais se entusiasmou, depois compensada por algo frouxa conclusão.
«Queria terminar como comecei: ganhe quem ganhar estas eleições diretas no partido, o PSD fica bem servido, fica mesmo, fica mesmo. Repito que qualquer um deles é melhor que o dr. António Costa. Mas vida é feita de opções e escolhas e eu escolho Santana Lopes».
Santana, por sua vez, fez um discurso dez minutos mais longo que o do anfitrião/convidado especial, passando pela campanha – tendo ambos condenado as declarações de Morais Sarmento (que admitira votar no PS) -, mas sobretudo falando do país de hoje e do país que sonha. A resposta a Hugo Soares ficou na introdução.
«Quero agradecer as palavras do líder parlamentar. Guardou aqui para sua casa a sua declaração de apoio», saudou Santana, sensibilizado. «Todos os militantes são iguais, mas ele desempenha neste momento funções de combate muito significativas, sucedendo a Luís Montenegro, que foi um excelente líder parlamentar», elogiou, tendo sido Santana que há dez anos levou Montenegro para a direção do grupo parlamentar, quando o chefiava.
Os elogios de Santana
«O Hugo Soares naturalmente reservou-se, deixando passar estas semanas de responsabilidade com o Orçamento do Estado [do próximo ano]. Louvo o facto de não se refugiar na neutralidade», concluiu o candidato à liderança.
Na apresentação da proposta de programa da sua comissão nacional, Santana também reagiu ao apoio de Hugo Soares. O deputado, que dera uma entrevista ao SOL há precisamente um ano, descartando as possibilidades de Santana Lopes no congresso de 2018 («Congresso de quê? Da Misericórdia? Se me está a falar da liderança, não faz sentido falar nisso»), mas que agora o apoia, viu Santana remeter a atitude para a idade do convertido. «É um líder parlamentar combatente, capaz, com 34 anos, e simboliza aquilo que eu vou querer desenvolver: juntar talento», revelou.
«Ele é sem dúvida um talento com fugacidade – e quem me dera ter a fugacidade desses 34 anos -, por isso são naturais algumas respostas mais entusiasmadas, que devem ser lidas à luz de cada época», desdramatizou. Santana, que é até hoje o político que esteve mais tempo à frente da pasta da Cultura num Governo português, citou depois Camões: «Conhece aquela ideia bonita de que o mundo é composto de mudança?», alegorizou, depois mais concreto. «Valorizo muito o apoio do líder parlamentar. Valorizo tanto quanto a outra candidatura valorizaria se o tivesse, para ser humilde e contido… Se o líder parlamentar tivesse apoiado outra candidatura teria eventualmente havido uma conferência de imprensa. Eu não faço nenhuma conferência de imprensa por causa disso. Aqui tratamos de programa e de apoios. De resto, estamos no Natal…», e Teresa Morais, a seu lado, sorriu consigo.
Hugo Soares, que nessa entrevista em finais de 2016 declarara três profecias por realizar («O PSD tem obrigação de ganhar em Lisboa», «Nunca me sento na cadeira de Luís Montenegro» e que Santana iria a congresso «na Misericórdia») tem o ex-provedor da Santa Casa a segurá-lo um ano depois, não deixando de ser pertinente esclarecer: o PSD, em Lisboa, ficou em terceiro; a cadeira de Montenegro, onde não se sentava, foi para o próprio Hugo, e o homem que só ia a congressos da Santa Casa vai mesmo é ao congresso do seu partido.
Insistindo em Camões, mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades.