Se a intenção de Pedro Pablo Kuczynski, quando na véspera de Natal anunciou a concessão de um perdão presidencial a Alberto Fujimori, era a de aproveitar o alegórico espírito de compaixão da quadra natalícia para minorar as reações negativas a tal decisão, o tiro saiu-lhe ao lado. Não só os peruanos saíram à rua no próprio dia do anúncio, como aquele número de protestantes passou de centenas a milhares no dia de Natal.
Na Plaza San Martín, em Lima, por exemplo, juntaram-se na segunda-feira mais de cinco mil pessoas, muitas delas familiares das vítimas da repressão “fujimorista”, levada a cabo com o aval do homem que governou o Peru com mão de ferro entre 1990 e 2000. Em alguns pontos da capital peruana – como na rua onde vive o atual presidente – os protestos deram lugar a violentos confrontos entre manifestantes e elementos das forças policiais, que tiveram de recorrer a gás lacrimogéneo para dispersar a multidão.
Condenado em 2007 pelos crimes de abuso de poder e corrupção e, dois anos mais tarde, por ter autorizado o sequestro e a eliminação de opositores políticos por esquadrões da morte, Fujimori, hoje com 79 anos, cumpria uma pena de 25 anos de prisão. O perdão inédito concedido pelo presidente Kuczynski, foi justificado pelo próprio como assente em “razões humanitárias” resultantes do estado de saúde do antigo chefe de Estado que, de acordo com uma avaliação médica recente, padece de uma “doença progressiva, degenerativa e incurável”, e vive em condições que “colocam a sua vida em grave risco”.
“Estou convencido de que aqueles que se consideram democratas não podem permitir que Alberto Fujimori morra na prisão. Justiça não é vingança”, defendeu Kuczynski, num anúncio televisivo à nação, no qual, mesmo recordando que o ex-presidente “incorreu em transgressões significativas da lei, da democracia e dos direitos humanos”, pediu aos peruanos que “virem a página”.
O indulto a Fujimori não está apenas envolto em polémica pela natureza da condenação do antigo presidente, que grande parte da população do Peru acreditava ter encerrado um capítulo sangrento na História daquele país latinoamericano.
O timing do mesmo também motivou críticas e, acima de tudo, suspeitas. Isto porque na quinta-feira da semana passada o parlamento peruano chumbou a destituição do presidente Kuczynski – implicado nas atividades ilícitas da construtora brasileira Odebrecht, no âmbito do escândalo de corrupção da Lava Jato, enquanto exercia o cargo de ministro da Economia –, por força de 10 inesperados votos oriundos do partido Força Popular, de Keiko Fujimori – filha de Alberto Fujimori –, em maioria na câmara.
O “El País” escreve que o desfecho surpreendente da votação de impeachment terá sido o resultado de uma longa e dura “negociação secreta de alto nível”, entre a Força Popular e o Peruanos Pela Mudança, de Kuczynski, da qual resultou um compromisso de trocar a sobrevivência política do atual presidente pelo perdão do ex-presidente.
Nas ruas de Lima são muitos os que acreditam nesta tese e que fizeram questão de a representar nos cartazes e faixas que acompanharam as fotografias dos que perderam a vida às mãos dos esquadrões de morte de Fujimori. “O relatório médico que supostamente justificou isto [o perdão] foi uma fraude. Infelizmente tratou-se de um acordo político entre os ‘fujimoristas’ e o atual governo”, lamentou um dos manifestantes, em declarações à Reuters.