Novo financiamento dos partidos tem “encapotado um perdão fiscal”

Enquanto espera pela fiscalização ou decisão de Marcelo, o diploma já é visto como “inconstitucional”. Bacelar Gouveia afirma que nova lei funciona como amnistia fiscal

“É um diploma que tem encapotado um perdão fiscal porque permite que o IVA seja restituído em maior dimensão do que aquilo que estava legislado”, afirmou ao i o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia. Se até aqui os partidos eram obrigados a pagar o IVA, a garantia da devolução total do imposto funciona, para o constitucionalista, como uma “amnistia fiscal”. “A meu ver, o diploma, além de ser inconstitucional porque é uma lei feita à medida dos partidos políticos, tem um problema judicial no que respeita à restrição do IVA”, explica.

“Eu estive a ler o diploma”, continua Bacelar, “no artigo 7º diz que as alterações aprovadas aplicam-se para o futuro, mas também se aplicam aos processos em curso no tribunal”, tal como a aprovação das contas referentes às eleições autárquicas de outubro. Segundo o jornal “Público”, o processo estava a ser feito em “contrarrelógio” de forma a ser aprovado antes do dia do sufrágio.

Com a proposta aprovada a 21 de dezembro, um partido que queira incluir, por exemplo, uma garrafa de whisky como despesa, pode fazê-lo. “Não há nenhum limite em relação ao tipo [de despesa]. Antes havia o limite que tinha a ver especificamente com a compra de equipamentos relacionados com a atividade do partido. Esse limite desapareceu, o que vai facilitar as coisas”, acrescenta.

Entre Belém e São Bento Num comunicado publicado ontem no site da presidência, Marcelo Rebelo de Sousa afirma que, segundo a Constituição, “o Presidente da República não se pode pronunciar antes de decorridos oito dias após a sua [do diploma] receção”, remetendo para o primeiro-ministro e para um quinto dos deputados em funções “o direito de requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto”.

Jorge Miranda, no entanto, disse ao i que “o presidente pode pronunciar-se nesses oito dias, tem esse direito”. O pedido de fiscalização ao Tribunal Constitucional (TC) pode ser feito quer pelo Presidente da República, quer pelo primeiro-ministro, quer por um quinto dos deputados. “É algo cumulativo, não é excludente”, afirma.

Concretamente, a lei citada pelo comunicado presidencial diz que “o Presidente da República não pode promulgar os decretos a que se refere o n.º 4 sem que decorram oito dias após a respetiva receção ou antes de o TC sobre eles se ter pronunciado, quando a intervenção deste tiver sido requerida”. No entanto, não se refere à fiscalização.

Marcelo passou a responsabilidade para o parlamento e Bacelar Gouveia duvida que a fiscalização venha daí. “Se este diploma foi aprovado pelo partido que é liderado pelo primeiro ministro, acha provável que seja o próprio primeiro-ministro a pedir a fiscalização? Não acho provável.”

António Costa já se pronunciou sobre a situação, declarando que não irá pedir a fiscalização, avança a TVI24, citando o gabinete do primeiro-ministro. E os partidos que votaram contra o diploma, o CDS e o PAN, juntos, não perfazem um quinto dos deputados. 

O próximo passo é o veto político do chefe de Estado que pode ser exercido no prazo de 20 dias após o fim do período disponível para a fiscalização.

Discórdia entre os partidos Assunção Cristas afirmou em conferência que as propostas “são uma inflexão no caminho feito” no sentido de “conferir transferência e limites ao financiamento partidário”. Por isso, a líder do CDS considera-as “inadmissíveis e escandalosas”, principalmente no que toca à retroatividade da devolução do IVA.

PS, PSD, PCP e PEV enviaram um comunicado conjunto onde explicam que o “grupo de trabalho informal, apreciou o roteiro de sugestões apresentado pelo TC” procurando “um consenso alargado que apenas não teve acolhimento pontual por parte do CDS-PP”.

Fora deste comunicado ficou o Bloco de Esquerda. A coordenadora do partido esclareceu em comunicado que “a votação sobre o IVA foi norteada” pela “convergência e não espelha a posição de fundo do BE”, acrescentando que o partido “considera que não deveria haver devolução do IVA aos partidos políticos” por considerar uma “discriminação entre candidaturas partidárias e de grupos de cidadãos”, disse Catarina Martins.

Também o PCP, enviou às redações um documento em nome próprio onde afirma que “a lei do financiamento dos partidos e campanhas eleitorais, mesmo com as alterações agora introduzidas, continua a não ser democrática”, uma vez que dificulta ou impede “a recolha de fundos assente na iniciativa própria”.