Temos de concordar que a vida política portuguesa é uma animação sem vergonha, como diriam os brasileiros. Durante mais de três meses as forças políticas com assento parlamentar reuniram-se para alterar a lei de financiamento dos partidos e, para que ninguém ficasse mal na fotografia, decidiram que as propostas não teriam símbolo. Isto é: ninguém, fora da sala de reuniões, saberia a quem pertenciam as propostas apresentadas. Daí as mesmas serem conhecidas por A, B e C. E estamos a falar de partidos que têm tanto em comum como o PSD ou o PCP, por exemplo.
Quando o CDS e o PAN decidiram sair do jogo, denunciando-o, os restantes partidos ficaram como a galinha sem pescoço. Cada um começou a correr à toa e as explicações dadas são um bom exemplo da criança que é apanhada e começa a culpar a do lado ou não assume o que fez. No fundo, os partidos queriam resolver dois problemas complicados para si e serviram-se do Tribunal Constitucional para alcançarem os seus fins. Até agora, sempre que as contas das campanhas eleitorais eram chumbadas pela entidade fiscalizadora, os partidos não tinham como recorrer dessa decisão. Com o aviso do presidente do Tribunal Constitucional, os emblemas partidários reuniram-se e trataram de conseguir alterar essa situação, ficando com a hipótese de apelar ao tal tribunal. Até aqui, tudo certo. Ninguém pode recriminar os emblemas partidários de poderem apelar à Justiça.
O problema surgiu depois, já que, à boleia dessa medida, os partidos aproveitaram para resolver o problema do financiamento e juntaram a questão do IVA. Assim sendo, e às escondidas, combinaram tudo entre eles e o projeto-lei permitirá, ou permitiria, que nas festas que organizam, por exemplo, possam recolher fundos monetários sem limite e deixem de ter de pagar IVA sobre todos os produtos que adquiram, mesmo aqueles que nada têm a ver com o material de campanha ou político.
Com o conhecimento público do chumbo do CDS e do PAN, logo o BEse manifestou contra o fim do pagamento do IVA e o PCP se manifestou contra o limite dos donativos privados, alegando que o financiamento estatal deve diminuir. Por outro lado, os dois candidatos à liderança do PSD já fizeram saber que são contra as medidas aprovadas e que votarão contra quando chegarem ao poder.
Perante isto, o Presidente da República, antes de ser internado para uma operação a uma hérnia umbilical, aconselhou António Costa e os deputados: «Têm o primeiro-ministro e um quinto dos deputados em funções o direito de requerer à fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto». Que é como quem diz: ou voltam atrás com a medida ou sou obrigado a vetá-la. Marcelo falou que só ao fim de oito dias é que pode pronunciar-se, mas constitucionalistas como Jorge Miranda afirmaram que o Presidente pode e deve pronunciar-se já. Bacelar Gouveia, igualmente constitucionalista, também disse ao jornal i que esta medida terá efeitos retroativos e o PS, por exemplo, poderá resolver os problemas que tem com o Fisco desde as últimas eleições.
O mais espetacular disto tudo é que muitos deputados de diferentes partidos dizem agora que não sabiam o que votaram. A política não pode descer a este nível e, se os partidos acham que podem receber o dinheiro que quiserem de particulares e que devem reaver o IVA do papel higiénico, que o digam com todas as letras e que não se escondam. A bem da democracia.