Getúlio Vargas, Carlos Luz, Café Filho, Fernando Collor e Dilma Rousseff. Todos eles foram Presidentes do Brasil e todos sofreram na pele a abertura de um procedimento parlamentar com vista à sua destituição do cargo. O primeiro sobreviveu à votação na então Câmara Federal (1954).
O segundo e o terceiro foram mesmo afastados (1955), mas uma vez que os deputados e senadores optaram por não executar o procedimento legislativo próprio para o efeito, tecnicamente não foram alvo de impeachment. O terceiro e a quarta, esses sim, foram derrubados da Presidência após cumpridos todos os requisitos da Lei 1079, de 1950, comummente reconhecida no Brasil como ‘Lei do Impeachment’.
A estreia pertenceu, então, a Fernando Affonso Collor de Mello, e a sua expulsão do Palácio do Planalto, motivada por denúncias de corrupção, foi consumada no dia 29 de dezembro de 1992, há precisamente 25 anos.
Quem acompanhou de perto a sua campanha presidencial, no final dos anos 90, dificilmente não encontrará ironia nos pormenores que levaram ao desfecho do seu impeachment. Collor fez furor junto do eleitorado e da imprensa brasileira com a sua postura de combate à corrupção, aos salários elevados dos detentores de cargos públicos e aos políticos aproveitadores das regalias dos Estados, que lhe valeu o pomposo epíteto de ‘Caçador de Marajás’ e o catapultou para a vitória sobre Lula da Silva, nas eleições de 1989.
Uma entrevista concedida em maio de 1992 pelo seu próprio irmão – com quem estava desavindo – à revista Veja, acabou, no entanto, com o seu estado de graça e, mais relevante do que isso, minou a sua credibilidade junto dos brasileiros. Pedro Collor de Mello acusou o agora senador de Alagoas e vários membros do seu Governo de estarem implicados num complexo esquema de corrupção e tráfico de influências, que envolvia Paulo César Farias, empresário e tesoureiro da campanha presidencial de Collor.
A investigação levada a cabo pela comissão parlamentar de inquérito criada para o efeito revelou que Farias arrecadou contribuições milionárias de diversos empresários alagoanos que, após a derrota de Lula, foram depositadas na conta bancária de uma das suas sete empresas sediadas em paraísos fiscais. Ao longo dos dois primeiros anos de Governo esse dinheiro terá sido então transferido para políticos próximos de Fernando Collor, e para o próprio Presidente e a sua mulher, para ser utilizado em despesas pessoais. De acordo com o inquérito, terão sido movimentados pelo menos 32,2 milhões de dólares, sob o rótulo de ‘sobras de campanha’
Durante os meses seguintes, o ‘Caçador de Marajás’ esforçou-se por negar qualquer vínculo entre ele e Farias e rejeitar liminarmente as acusações da denúncia, mas em vão. Ignorado e descredibilizado pela classe política, que já cozinhava a abertura do processo de destituição, Collor decidiu então apelar à clemência do povo, naquela que foi considerada uma das mais infelizes jogadas da História política do Brasil. O Presidente instou os brasileiros a saírem à rua exibindo roupas verdes e amarelas – as cores da bandeira do país -, como demonstração de apoio à sua versão da trama, mas estes optaram por se vestir de negro.
O verde e amarelo só foram mesmo vistos nas caras dos milhares de manifestantes que no dia 16 de agosto marcharam pelas ruas das principais cidades do país, em protesto contra a corrupção que tomara a elite política brasileira. O ponto alto das manifestações dos ‘caras pintadas’, como ficaram conhecidas, ocorreu um mês mais tarde, quando perto de um milhão de pessoas se juntou no Vale do Anhangabaú , em São Paulo, pedindo o afastamento de Collor.
No final de setembro, a Câmara dos Deputados acedeu ao pedido do povo e votou esmagadoramente a favor da abertura do processo de impeachment ao Presidente, processo esse que culminou a 29 de dezembro, com a votação favorável do Senado à cassação do mandato de Collor de Mello e à proibição de exercer cargos políticos durante oito anos, 932 dias depois da sua eleição sensacional.
Anos mais tarde, o paladino anticorrupção acabou por ser absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que não encontrou provas que o afiliassem ao esquema de Paulo César Farias. No passado mês de agosto, no entanto, Collor foi novamente associado a um escândalo de corrupção, depois de o STF ter aceitado parcialmente uma denúncia da Procuradoria-Geral, e decretado que será réu no âmbito da operação Lava Jato. Terá agora de responder pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, que alegadamente terão servido para colocar nos seus bolsos mais de 29 milhões de reais (cerca de 7,4 milhões de euros), entre 2010 e 2014.