E enquanto o Presidente da República, o governo, a oposição, a geringonça, os comentadores, etc., choravam pela existência do segundo país esquecido – aquele onde nada chega, ninguém vive e que ardeu em junho e outubro -, os antigos Correios, Telégrafos e Telefones (CTT) fechavam 22 agências, muitas das quais nesse país n.o 2.
Dentro do PS, que chumbou os projetos de renacionalização propostos pelo Bloco de Esquerda e PCP, já há quem admita que o regresso da empresa ao Estado deva ser, pelo menos, “estudada mais profundamente”.
É o caso de André Pinotes Batista, deputado socialista eleito por Setúbal, que afirma que “de uma forma pacífica ou não, os CTT têm de ser obrigados a cumprir o serviço público”. “Se não nos deixarem outra alternativa para defender os portugueses, teremos de estudar mais profundamente a renacionalização.” Pinotes Batista manifesta-se convicto de que “a maioria vai estancar este processo abjeto”.
A privatização foi feita durante o anterior governo, num tempo em que a empresa estatal dava lucro – e a sua alienação também já era um dos objetivos do PEC iv de José Sócrates. “Apesar de sabermos que o que se está a passar é consequência de um projeto consciente de desmantelamento dos serviços do Estado que ocorreu entre 2010 e 2015, temos a obrigação de olhar para uma empresa que era lucrativa e preferiu distribuir dividendos acima das suas possibilidades a cumprir o compromisso de serviço público estipulado no contrato de concessão.”
Luís Testa, o socialista responsável pela área da economia, continua a manter a posição contra a renacionalização, embora considere que o fecho das estações de correios é a prova de que “a empresa deveria ter permanecido pública”. O deputado lembra que os CTT se dispersaram numa “multiplicidade de serviços”, como a atividade bancária, “sem o enfoque na sua principal responsabilidade, que é assegurar o serviço postal nacional”. “Está em causa perceber se o cumprimento cabal do contrato de serviço público pode ser assegurado com menos agências e menos trabalhadores.” Testa lembra que foi possível impor à Caixa Geral de Depósitos, que funciona no mercado concorrencial, que estivesse presente em todos os concelhos. “É alarmante que uma empresa como os CTT desapareça de alguns concelhos do nosso país. E a preocupação adensa-se todos os dias.”
Testa é contra a renacionalização porque o contrato de concessão foi feito de uma forma blindada. “Na minha opinião, resgatar a concessão não pode fazer caminho. Significaria a continuidade de uma empresa privada chamada CTT que se veria desligada da obrigação de serviço público, mas que continuaria a exercer atividade bancária e entrega de encomendas. E a quem o Estado iria entregar a concessão?”
Depois de terem sido chumbados os projetos-lei do PCP e Bloco de Esquerda que defendiam a reversão da privatização dos Correios de Portugal, o governo decidiu criar um grupo de trabalho para analisar o serviço prestado pelos CTT no âmbito do contrato de concessão em vigor, a partir de uma proposta da Assembleia da República.
“Partilhamos das preocupações em relação ao presente e futuro dos CTT”, disse o primeiro-ministro em meados de dezembro, no parlamento. Costa afirmou ainda que “Portugal não poderá viver sem um serviço postal universal, que terá de ser assegurado pelos CTT. É esta a nossa garantia”.
Vários autarcas eleitos pelo PS – e muitos de todos os partidos – manifestaram ontem a sua indignação com o fecho das agências dos Correios. Um deles foi Basílio Horta, que mostrou a sua oposição ao encerramento da estação de Belas em declarações à agência Lusa: “Isto é de uma gravidade enorme. Num momento em que estamos a abrir Lojas do Cidadão e que estamos com uma política de aproximação aos munícipes, os CTT, que têm um serviço público, fazem o contrário, fecham estações.”
Os presidentes das câmaras do Barreiro e do Seixal também já vieram protestar contra o fecho dos balcões do Lavradio e da Aldeia de Paio Pires. A Câmara do Seixal pediu uma reunião com a administração dos Correios de Portugal, manifestando a sua “estupefação”.