“As relações intercoreanas estão mais congeladas que o próprio Inverno, mas assim como por baixo do gelo a água continua a correr sem parar, o desejo de diálogo da população também não se pode travar ou congelar”. Terá sido com esta alegórica introdução, citada pelo“Washington Post”, que o responsável máximo pelo Comité para a Reunificação Pacífica da Coreia, Ri Song-won, inaugurou esta terça-feira a sessão de trabalho que juntou representantes de Seul e de Pyongyang à mesma mesa, pela primeira vez em dois anos.
Em Panmunjom, na zona desmilitarizada – conhecida como “aldeia da trégua”, por ter sido ali assinado o acordo de armistício que pôs fim à Guerra da Coreia (1950-1953) –, o tom das declarações do norte-coreano Ri destoaram, pela positiva, da retórica belicista habitualmente propalada pelo líder do regime.
E esse é um primeiro dado promissor na avaliação das reais possibilidades de redução efetiva das tensões na península da Coreia, principalmente se tivermos em conta em conta o incremento do número de testes nucleares e balísticos de Pyongyang em 2017 – que alegadamente terão confirmado a capacidade da Coreia do Norte de transportar ogivas nucleares até ao território norte-americano – e a troca de galhardetes, insultos e ameaças entre Kim Jong-un e o presidente dos EUA, Donald Trump.
Para a realização do inédito encontro, liderado do lado sul-coreano pelo ministro da Unificação, Cho Myoung-hyon, sabe-se que muito contribuiu a sugestão de Kim Jong-un de enviar uma delegação aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang, na Coreia do Sul, na sua mensagem de Ano Novo, mas também a decisão de Seul em colocar um travão nas manobras militares conjuntas com os Estados Unidos agendadas para esta altura. Esta última, bem de acordo com a aposta pessoal do presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, em avançar para um diálogo genuíno com Pyongyang.
Da sessão de trabalho – envolta numa “atmosfera excecionalmente boa”, segundo um jornalista da agência noticiosa estatal norte-coreana KCNA, citado pelo “El País” – resultou um comunicado conjunto, que contem duas principais revelações: a Coreia do Norte marcará presença nas Olimpíadas de Inverno, com uma delegação composta por “atletas, altos funcionários, jornalistas, artistas e adeptos”; e os dois vizinhos comprometeram-se em reabrir a linha de comunicação militar e, através dela, encetar um diálogo “para resolver as tensões atuais”.
A participação norte-coreana nos Jogos de Pyeongchang – que se realizarão entre 9 e 25 de fevereiro e que já ganharam o epíteto de “jogos da paz” – foi recebida de braços abertos pelo presidente do Comité Olímpico Internacional, Thomas Bach, que a descreve como “um enorme passo em frente no espírito olímpico”. Mas está dependente do compromisso de Pyongyang em não levar a cabo quaisquer ensaios nucleares ou balísticos durante o período da prova. Do lado sul-coreano, espera-se também uma suspensão temporária das sanções económicas e diplomáticas unilaterais impostas por Seul ao rival do norte, em coordenação com as Nações Unidas.
De acordo com a BBC, os representantes da Coreia do Sul terão ainda indagado a comitiva que viajou do norte do paralelo 38 sobre a possibilidade de se organizar um reencontro entre familiares separados pela guerra, em meados de fevereiro, e sobre a hipótese de os atletas das duas Coreias marcharem juntos na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno.
Enquanto se esperam as respostas de Pyongyang às duas iniciativas, o conflito congelado da península coreana apresenta sinais de degelo. Resta saber se o sol é de pouca dura ou se há realmente hipóteses de contrariar uma existência há muito incompatível.