A Operação Fizz não é apenas um inquérito-crime do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Em Portugal é também um teste à blindagem do Ministério Público (sobretudo à integridade dos seus magistrados) e ao funcionamento das instituições e em Angola tem sido visto como um desrespeito para com a imunidade de um governante e uma afronta à soberania. No campo da diplomacia é, claramente, um empecilho, ou como disse o primeiro-ministro português em novembro, após um encontro com João Lourenço, um “irritante”.
Segundo a acusação, de um lado está um procurador, Orlando Figueira, alegadamente corrompido, e do outro um ex-vice-presidente da República de Angola, Manuel Vicente, que supostamente o corrompeu com vista a obter o arquivamento de um inquérito em que era visado.
Mas o caso tem assistido nos últimos tempos a revelações bombásticas. Em vésperas do início do julgamento, Orlando Figueira e Paulo Blanco, advogado que representou o estado angolano em vários processos e arguido na Operação Fizz, trouxeram para o centro da alegada teia outros personagens influentes, como é o caso do banqueiro angolano Carlos Silva e do advogado português Daniel Proença de Carvalho.
Os novos elementos já estão a ser analisados pela Procuradoria-Geral da República, ainda que o procurador de julgamento tenha deixado claro há dias que a nova versão do procurador Orlando Figueira “não pode transformar, sub-repticiamente, numa contestação encapotada”, ou seja, que dificilmente se discutirão estes novos factos em sede de julgamento.
Ontem, após as declarações do presidente angolano João Lourenço, a defesa de Manuel Vicente voltou a frisar ao i que o processo “sofreu vícios” que o colocam em causa, adiantando que o arguido “nada tem que ver com os factos que a acusação lhe imputa, e não os praticou nem nada sabe acerca da contratação e dos pagamentos ao Senhor Dr. Orlando Figueira”.
O advogado Rui Patrício reforçou ainda que “o prosseguimento processual deste caso quanto ao senhor Eng.º Manuel Vicente só seria possível através da delegação processual nas autoridades de Angola, ao abrigo dos mecanismos previstos no Direito Internacional e nos Direitos internos em matéria de cooperação judiciária, questão esta já antes colocada no processo, inclusive pela defesa”. Ou seja, exatamente o que defendeu João Lourenço.
As revelações que têm Feito abanar este caso O advogado e arguido na Operação Fizz Paulo Blanco foi o primeiro a entregar uma contestação, em novembro do ano passado, na qual punha em causa a tese da acusação do DCIAP, com novos dados e apontando suspeitas graves ao banqueiro Carlos Silva e a Proença de Carvalho: “O MP sabe – e tem elementos no processo que o demonstram – que não perseguiu quem ‘podia’ perseguir, infletindo no sentido de arquitetar uma versão dos factos que nada coincidiu com a realidade”.
O volte-face na defesa do ex-procurador Orlando Figueira, alegadamente corrompido por Manuel Vicente, foi no entanto o momento mais importante, dada a importância do magistrado no alegado esquema. Assim que deixou de ter como advogado Paulo Sá e Cunha, o antigo magistrado assumiu que a sua saída do DCIAP aconteceu após ter negociado um trabalho com o banqueiro angolano Carlos Silva – vice-presidente do Millennium/BCP e presidente do Banco Privado do Atlântico.
No requerimento recentemente entregue no Juízo Central Criminal de Lisboa, Figueira afirmou que até hoje não tinha contado o que se passou para respeitar um “acordo de cavalheiros” que tinha feito com Daniel Proença de Carvalho, garantindo que, em troca, este advogado (que fazia uma ponte com terceiros) lhe prometeu um emprego no futuro e o copagamento das despesas da sua defesa, no âmbito da Operação Fizz. O documento foi feito pelo próprio procurador, numa altura em que ainda não lhe tinha sido atribuída uma advogada oficiosa.
São estes factos que segundo o procurador de julgamento José Góis não devem ser analisados em audiência, uma vez que não correspondem ao que foi dito na contestação inicial dos arguidos.
A Acusação do DCIAP No âmbito da Operação Fizz, Manuel Vicente foi acusado de um crime de corrupção ativa, um de branqueamento de capitais e um de falsificação de documentos. Já o ex-procurador do DCIAP Orlando Figueira foi acusado por corrupção passiva, branqueamento, violação de segredo de justiça e falsificação de documentos. Foram ainda acusados o advogado Paulo Blanco e Armindo Pires, homem de confiança de Manuel Vicente.
Em causa, para o Ministério Público, estão alegados pagamentos do ex-vice-presidente de Angola ao magistrado português (cerca de 760 mil euros), para que este arquivasse um inquérito que corria contra si – que ficou conhecido como caso Portmill.
O início do julgamento do caso Fizz está marcado para o próximo dia 22 janeiro.