Rui Rio: ‘Se eu também baixasse o nível, só prejudicaria o partido’

O candidato à liderança do PSD diz que a imagem do partido só não ficou manchada no debate porque recusou ‘entrar no mesmo’ que Santana Lopes. Mantém as críticas ao MP e à interferência europeia na banca nacional.

O que aconteceu ontem, no debate, era o que estava à espera que acontecesse?

Não era o que estava à espera que acontecesse nem é o que entendo que serve melhor o partido. Acho que devemos elevar o debate. Devemos, por um lado, responder aos anseios dos militantes no que concerne ao PSD e aos anseios dos portugueses no que concerne ao país.

Isso não aconteceu?

Fazer um debate baseado em meias-verdades ou mesmo em mentiras, procurando ataques pessoais, dá uma péssima imagem do PSD. Não entro nisso e imagine o que teria sido se entrasse… A imagem das primárias do Partido Socialista, entre António José Seguro e António Costa, seriam um modelo de virtudes comparadas com esse cenário. Uma picardia ou outra cabem em qualquer debate, claro, não tenho nada contra isso e também posso fazer. Mas fazer um debate com base em meias-verdades, não. O povo é sábio quando diz que certas meias-verdades são piores que mentiras, sabe? Com pequenos fragmentos de verdade também se constroem mentiras. Abrem-se feridas difíceis de sarar.

Está a falar entre os dois ou no partido?

Estou a falar no partido em geral, claro. Depois deste debate, há uma série de pessoas que até podem aplaudir do lado dele, porque aplaudiriam sempre, mas há um larguíssimo número de pessoas distantes àquele tipo de violência. Sou muito mais adepto – e pensei que ele [Santana] fosse capaz disso – de um debate em torno do país e do partido. 

Está a dizer que a imagem do partido ficou manchada por este debate?

Estou a dizer que a imagem do partido não ficou manchada porque não entrei no mesmo campo que ele. Se o tivesse feito, a imagem final seria de degradação. Não quero isso para o meu partido. Os comentadores estariam hoje a dizer que o debate não teve qualquer nível.

Mas o que os comentadores estão a dizer hoje é que, para o partido, o vencedor foi o seu opositor. 

Pois, mas aí não concordo e digo-lhe porquê. É-me difícil concordar com o politicamente correto. O partido são muitos militantes. Aqueles que ficaram contentes são os que têm hoje uma postura clubística, que estão apaixonadamente de um dos lados. E esses ficam entusiasmados com aquele tipo de discurso, claro. Os outros, mais próximos da minha candidatura, ficam indignados. E os do meio, creio, os que estão entre as duas candidaturas, estão mais próximos de reprovarem uma postura daquelas, na medida em que preferem uma postura mais civilizada. É a minha sincera opinião. Se não fosse, provavelmente também teria entrado no debate com uma postura daquelas. Não é o meu género, mas também sei fazer.

Em outubro, recusou a ideia que a campanha se tornasse numa ‘campanha de debates’. Foi por recear que isto acontecesse?

Não. Foi mais que isso. Tenho plena consciência de que os debates não são a melhor forma, nem de longe nem de perto, de esclarecer alguém. Têm uma componente de espetáculo muito maior que uma componente de elucidar o eleitorado, interno ou externo. Uma entrevista bem conduzida é muito mais elucidativa sobre o pensamento de um candidato…

… faremos o devido esforço (risos)…

Um debate é uma coisa onde normalmente se procura levar truques e qualquer coisa que o adversário não esteja à espera. Para mim, essas coisas não são muito relevantes para o exercício de um cargo como o de primeiro-ministro… Para outros desempenhos, sim, para primeiro-ministro exige-se mais: capacidade de gestão, visão estratégica. Não se exige ‘jeito para o espetáculo’… 

Mas pode dar algum jeito…

Claro que não se pode ter uma total ausência de jeito, porque é um cargo político que requer muita comunicação. Mas não é, obviamente, o essencial.

No fim deste debate, que, está visto, não foi do seu agrado…

… especialmente a primeira parte…

Hesitou em apertar a mão a Pedro Santana Lopes? 

Não, não, nada. Bem pelo contrário! Ele esticou a mão ao Vítor Gonçalves e eu já tinha a mão esticada para ele também. Não só ando na política há muitos anos como ando na vida há muitos anos. Para ficar tocado, é preciso bem mais do que isso. Repare: sei que ele não acredita em nada daquilo que disse. Está na zona do espetáculo, precisava daquele espetáculo, mas sei distinguir as coisas… Embora muito crítico em relação ao debate, não estou nada magoado com ele. Zero. A minha relação é a mesma. Aquilo não traduz posições genuínas. Estava num palco e precisava de dizer aquilo para agradar a quem tinha de agradar. 

Então não ficou magoado.

Do ponto de vista pessoal, nem pensar! Ele estava a desempenhar um papel e não concordo com isso. É assim. Penso que os portugueses não se revêem num estilo daqueles e a maioria dos militantes também não.

Irá aos próximos debates?

Não vejo por que não. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

E o que espera deles? 

Espero que haja mais elevação e maior respeito pelo cargo ao qual nos estamos a candidatar. 

No debate, usou o termo ‘ditames de Bruxelas’. Há cerca de um ano publicou um artigo muito crítico da União Europeia devido à interferência na banca portuguesa. Ainda é um europeísta convicto?

Sim, sou. Também sou português e não acho que está tudo bem em Portugal (risos).

Como olha para o renascimento do federalismo na Europa?

Não sei se há um renascimento do federalismo, mas sei que há um crescendo de anti-europeísmo. Não sei como serão as coisas daqui a dez ou vinte anos, mas hoje não tenho uma visão federalista. Tenho uma visão diferente, que reconhece a importância do projeto europeu como vital para o futuro do continente. Se analisarmos do pós-Segunda Guerra até hoje, o projeto europeu foi absolutamente fundamental para tudo ser diferente do que antes fora: quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista da segurança e da paz. Agora, reconheço que a Europa cresceu rápido demais e que há desequilíbrios que temos de tratar para não deixar crescer o sentimento anti-europeu que já lhe referi.

E a banca foi um caso de desequilíbrio. 

Se comparar a forma como foi gerida a banca portuguesa com a forma como foi gerida a espanhola em particular, sim, é evidente. Há um contraste muito grande. O caso do BANIF é um caso em que, mesmo que Portugal tenha alguma responsabilidade, mesmo que o poder público português tenha deixado arrastar a situação, não se justifica que a Europa fizesse o que fez. Na prática, não admitiu sequer a recapitalização do BANIF com capital, por exemplo, da Caixa Geral de Depósitos, mas permitiu entregar o BANIF com um bónus de dois mil milhões de euros a um grande banco espanhol. 

Quando se refere ao poder público português que deixou o processo arrastar-se está a falar do Governo em funções entre 2011 e 2015?

Não quero destapar coisas do passado. A minha intenção é analisar objetivamente os factos. 

Ontem falou que não via a possibilidade Bloco Central no futuro, mas que não queria dizer ‘jamais’. Teme que o país seja afetado novamente com uma crise semelhante à de 2011, com intervenção externa? 

Não. Neste momento, não vejo razão para temermos que isso possa acontecer a curto/médio prazo. A médio/longo prazo é algo que depende de tantos fatores que é impossível sabermos. Acho prudente é que o Governo, seja ele qual for, cuide de ter uma política económica e orçamental que defenda o país de uma situação menos favorável do ponto vista económico internacional para que estejamos mais protegidos.

No debate, esteve também contra as fugas de informação do Ministério Público e os chamados ‘julgamentos na praça pública’. Quando (ou se) for eleito líder do PSD, apoiará a renomeação da atual procuradora-geral da República? 

Responderei da mesma maneira que respondi ontem: não me vou meter em torno de nomes…

… não é só um nome, é a incumbente…

Certo, mas eu não vou dizer se deve continuar a senhora (Joana Marques Vidal) ou se se deve substitui-la por outra pessoa. Não me vou meter em guerras de nomes. O que posso fazer é uma avaliação do Ministério Público, quer com ela, quer antes dela. E a performance do Ministério Público é uma performance que não me agrada. 

Portanto, podemos escrever que afirma que o Ministério Público – não a PGR, mas o Ministério Público como entidade – tem de mudar?

Sim, o Ministério Público tem de mudar. Tem de ter mais recato e mais eficácia na investigação e na acusação.

Se os calendários seguirem o institucionalmente previsto, e Rui Rio for presidente do PSD, será o líder da Oposição quando a renomeação vier à baila. Tomará posição?

Sim. E na altura se verá.

A personalidade política de António Costa enquanto primeiro-ministro parece-lhe distinta daquela que conheceu enquanto autarca?

É uma pergunta que nunca havia colocado a mim mesmo… Talvez não. Em termos da forma de ser da pessoa acho que não. Se António Costa primeiro-ministro choca alguma coisa com a personalidade dele enquanto presidente de Câmara? À primeira vista, não, nem por isso.

Li uma reportagem sobre si em que o termo ‘disciplinar os media’ era utilizado. O termo é seu? 

Não. ‘Disciplinar’ não. Se fosse primeiro-ministro, enquanto tal, não aplicaria nenhuma medida em concreto. Procuraria o Parlamento em alterações estruturais desse tipo e não exatamente o Governo. Aquilo que eu entendo não é uma questão de ‘disciplinar’, que é algo que dá a ideia de obediência. A palavra disciplina é isso: alguém manda e alguém obedece. Eu não uso esse termo. Embora na política alguns dos que se auguram grandes defensores da liberdade de imprensa sejam aqueles que realmente querem essa relação de disciplina. Aquilo que eu procuraria, por outro lado, seria ajustar as leis de modo a que se possa garantir uma mais eficaz liberdade de imprensa. É um elemento absolutamente nuclear em democracia. E aquilo que hoje existe é: a liberdade de imprensa não existe integralmente ou a liberdade de imprensa calca muitas vezes os direitos das pessoas, que é algo que eu não posso permitir.

Por exemplo?

Se fizer um julgamento na praça pública através das primeiras páginas de um jornal está a calcar a liberdade e o direito das pessoas. Todos têm direito à presunção de inocência até prova em contrário. Você sabe perfeitamente que através das notícias as pessoas vão muitas vezes para o julgamento já condenadas. Uma coisa é eu querer o Ministério Público melhor e os tribunais melhores, outra coisa é julgamentos passarem para a comunicação social. As coisas não podem ser assim. Se as coisas estão em segredo de justiça é justamente para proteger o processo – na sua dupla vertente, quer de quem acusa, quer de quem é acusado – e depois esse segredo de justiça é violado, o que é um crime, com total impunidade. Outra coisa, por exemplo, que não chega tão longe quanto os julgamentos populares, é quando são contadas histórias de alguém que vão denegrir a reputação desse alguém e esse alguém quer um direito de resposta que em vez de aparecer na capa, como tinha aparecido, aparece na página 42 junto à necrologia – quando aparece! Aquilo que me move em relação à comunicação social não é a disciplina, mas a liberdade: uma liberdade com responsabilidade. É isso que defendo há 45 anos, desde que iniciei estas caminhadas. 

Para si, o segredo de justiça não poderia, de todo, ser violado com essa ‘impunidade’, então.

Sim, ou há segredo de justiça ou não há. Havendo, é para cumprir e por 10 milhões de portugueses. Não é para uns cumprirem e outros não.

Nos últimos anos foram demasiadas violações desse segredo?

Para mim, sim, foram. A comunicação social tem um papel absolutamente decisivo em termos de moralização da vida pública, de trazer à luz do dia aquilo que está escondido (como grandes investigações a ilegalidades), e ao trazer à luz do dia o que não é verdade só descredibiliza a sua própria função. Perde o seu próprio poder. E esse, em democracia, é um poder absolutamente vital. Não o quero ver pelas ruas da amargura a ser usado para vender jornais e ganhar dinheiro em vez de cumprir a sua função social. Depois quando querem contar algo que é verdade têm muito menos impacto porque andaram a contar coisas que não eram exatamente verdade. 

E o Parlamento deveria ajudar a mudar isso?

É no plano legal que se atua aí, com leis, não é na disciplina nem no controlo. Há muita gente na política que, para isso, quer controlar os media. Não é essa a minha visão. 

Que leis concretamente?

Ajustando o quadro legal para que haja uma maior proteção relativamente a situações dessas. A liberdade de imprensa é um pilar da democracia. Sem os pilares, as casas caem, e eu não quero que a casa caia por falta desse pilar. 

Pergunta final: usa, quando fala de crescimento económico, termos como ‘investimento’ e ‘exportações’. O mesmo que Pedro Passos Coelho dizia enquanto primeiro-ministro e que António Costa diz hoje enquanto primeiro-ministro. Não estamos todos a dizer o mesmo?

António Costa diz mais agora… Não dizia há um ano e meio… Agora é diferente. E o PCP e o Bloco de Esquerda não dizem. 

A pergunta é: como se vence alguém que está a dizer o mesmo que nós?

Tem um problema: explicar às pessoas que enquanto uns só dizem, outros fazem mesmo. São coisas diferentes, não é? Não é o Governo que vai fazer as exportações nem os investimentos, mas é o Governo que faz as políticas que tornam o ambiente favorável – ou desfavorável – a que isso aconteça. O atual Governo não faz políticas que tornem esse ambiente favorável e a coligação que existe é, em si só, um ambiente desfavorável ao investimento. A economia europeia está a crescer, a economia mundial está a crescer, os nossos parceiros comerciais estão a crescer. Naturalmente que isso nos arrasta e que, com isso, vem consumo, investimento e exportações. Mas Portugal está ao sabor do vento da conjuntura neste momento. É preciso dizê-lo.