Diretas 2018: saga de uma depressão

Ajustes de contas, traições, nostalgias e regressos ao passado. A campanha interna para decidir o sucessor de Pedro Passos Coelho teve mais de 2004 que de 2018. É a história de uma eleição surpresa… que não surpreendeu.

Três meses de disputa interna. Três meses de troca de galhardetes e (algumas) ideias. 

Se a saída de Passos Coelho surpreendeu a maioria (tanto quanto o mau resultado autárquico que catalisou essa saída), a corrida interna que lhe sucedeu também foi surpreendente. Nem Rui Rio esperava enfrentar um adversário que não Passos nem Pedro Santana Lopes esperava ser candidato, ainda que, como noticiou o SOL em novembro de 2016, não desistisse «de ser líder».

Do lado do partido, os mais evidentes sucessores a Passos – Luís Montenegro ou Paulo Rangel – abstiveram-se. E as já não tão jovens promessas, como Pedro Duarte ou José Eduardo Martins, mais distantes do ‘passismo’, optaram por não ir a jogo, nem para marcar espaço até 2019. Miguel Pinto Luz, ex-presidente da distrital de Lisboa, ponderou mas hesitou. Foi Santana quem furou todo o espaço que a estrutura ansiosa por uma alternativa a Rio abriu.

Partir atrás

A lógica de ambos teve de mudar por isso. 
Rio, preparado para o discurso de «devolver o partido ao centro» e «não ser de direita», chocou com a flexibilidade de Santana, menos ortodoxo que Passos. Santana, que não esperava ser candidato, teve de dar corda aos sapatos: reunir equipa, concentrar apoios, disputar terreno com alguém que andava a percorrer o país (em meios empresariais, académicos e partidários) há mais de um ano. O Conselho Nacional do partido alargou a data até às diretas – de dezembro para janeiro – e procurou-se esse reequilíbrio.

Com quem

Rio manteve a equipa que vinha conjugando, com Salvador Malheiro (diretor de campanha), Bruno Coimbra (a coordenar a volta pelo país) e Feliciano Barreiras Duarte, antigo chefe de gabinete de Passos. Os deputados Rubina Berardo e Virgílio Macedo também mostraram apoio constante. 

Santana convidou o secretário-geral adjunto de Passos (João Montenegro) para dirigir a campanha, o deputado Miguel Santos para coordenador político e o ex-autarca e hoje empresário Telmo Faria para coordenador de programa. Pedro Pinto, amigo de longa data e presidente da distrital lisboeta, Diogo Agostinho, que fora seu chefe de gabinete na Santa Casa, e Carlos Eduardo Reis, dirigente nacional do partido, eram presenças assíduas na sede de campanha.
Para furar as distritais que Rio já havia garantido, Santana procurou os autarcas recém-eleitos nas últimas autárquicas, reunindo apoios locais. Para quebrar a proximidade institucional que tivera com Costa como provedor da Santa Casa, explorou a aposta de Rio nos acordos entre PSD e PS, e a proximidade (também institucional) que o adversário tivera com Costa enquanto autarca. Para afastar a lógica mais distante (e de menor popularidade) de Passos, falou num PSD «próximo das pessoas», mais paralelo com Marcelo Rebelo de Sousa, que elogiou o seu conhecimento do setor social. A gravata azul-claro também em Santana se tornou omnipresente. Contra os apoios veteranos de Rio (Morais Sarmento, Ferreira Leite, Ângelo Correia), o ex-PM recebeu do parlamento (imagem em cima) ‘o passismo’ em peso, ainda que o discurso de Rio no leque económico seja mais próximo do de Passos.

«É esse o maior risco de Santana se ganhar», aponta uma deputada ‘laranja’. «Ter de gerir outra vez um partido ‘herdado’», afirma, em jeito de comparação entre o fim do ‘barrosismo’ e a hibernação autoimposta de Pedro Passos Coelho.

Se a liderança de Passos era constantemente atacada com argumentos ideológicos, os dois candidatos ao cargo foram menos por aí.Ainda que com investimento considerável nos programas (Santana organizou uma convenção nacional; Rio convidou o muito respeitado David Justino para elaborar a sua moção global), o debate público foi marcado pelo passado e pela troca de acusações. Quem criticara mais Passos Coelho, quem dera uma maioria absoluta ao PS, quem não fora candidato à Câmara de Lisboa para ficar na Santa Casa, quem fora reconduzido por António Costa, quem tirara Passos Coelho das listas de deputados em 2009. Tudo isso fez com que as ideias raramente passassem das páginas dos programas para a praça pública. «Nunca mais acabava», ironiza a deputada referida.
De facto. 

Anedota?

Foi o facto político que mais marcou o última dia de campanha. Ontem, José Pacheco Pereira, histórico do PSD e apoiante de Rui Rio, publicou um artigo no diário i em que relatava um convite de Pedro Santana Lopes para formar um partido contra o PSD liderado por Passos Coelho, no início da liderança do agora ex-líder.
A história servia de contra-argumento às acusações que Santana fizera a Rio de criticar o Governo de Passos (2011/2015). Em debate na TVI, Rio negara-o, embora sempre tenha sido crítico da gestão do dossiê Banif por Maria Luís Albuquerque, então ministra das Finanças.

Santana desconsiderara o episódio, assumindo que reunira algumas vezes com Pacheco, mas não com esse objetivo. «Chegamos ao cúmulo da anedota, que é dizer-se que poderia acontecer que eu quisesse fazer uma outra força política, imaginem com quem. Era como se o presidente da Coreia do Norte quisesse ir ao cinema com o presidente Trump», alegorizou.
Pipocas?