O juiz responsável pelo julgamento do caso em que o ex-vice-presidente angolano está acusado de corromper o procurador Orlando Figueira recusou a posição do Ministério Público e admitiu nos últimos dias a exposição de Figueira em que este aponta o dedo ao banqueiro Carlos Silva e a Proença de Carvalho. Nesse documento, o arguido e antigo magistrado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) explica que quer contar tudo o que sabe, assegurando que quem esteve no centro da teia descrita pela investigação não foi o ex-governante angolano Manuel Vicente, mas sim Carlos Silva e o seu advogado, Daniel Proença de Carvalho.
O procurador de julgamento, José Góis, considerou que esta nova versão dificilmente seria chamada “à colação em sede de audiência”, mas o i sabe que o juiz já deixou claro que tudo o que Orlando Figueira revelou nesta fase vai ser analisado durante as sessões de julgamento – que começam na próxima segunda-feira.
“O arguido pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo”, refere o juiz no despacho, assegurando que tais documentos “são sempre integrados no processo”. É também afirmado que a admissão ocorre independentemente da posição assumida pelo Ministério Público e pelo arguido Paulo Blanco (advogado do Estado angolano em vários processos que correram no DCIAP): “O juiz não pode ordenar o seu desentranhamento, salvaguardada que se mostre a sua incidência no objeto do processo ou a salvaguarda de direitos fundamentais do arguido.”
Além disso, esclarece-se que as denúncias feitas por Orlando Figueira (resultantes da mudança de estratégia de defesa) não só não extravasam o objeto do processo como foram apresentadas dentro de tempo.
Figueira apontou o dedo a Carlos Silva e Proença No final do ano passado, Orlando Figueira assumiu que a sua saída do Departamento Central de Investigação e Ação Penal aconteceu após ter negociado um trabalho com o banqueiro angolano Carlos Silva, vice-presidente do Millennium/BCP e presidente do Banco Privado do Atlântico.
Nessa exposição, entregue no Juízo Central Criminal de Lisboa, o antigo magistrado – acusado de ser corrompido por Manuel Vicente para arquivar processos que visavam este antigo governante angolano – colocou em causa muito do que se diz na acusação, nomeadamente o real beneficiário do alegado esquema.
E mais: afirmou que até esse momento não tinha contado a verdade no processo para respeitar um “acordo de cavalheiros” feito com o advogado de Carlos Silva, Daniel Proença de Carvalho. Nesse acordo teria ficado combinado que, se Figueira não contasse o que sabia, teria um emprego no futuro e o copagamento das despesas da sua defesa no âmbito da Operação Fizz – até há pouco tempo, a cargo do advogado Paulo Sá e Cunha.
A exposição foi feita pelo próprio arguido, numa altura em que esperava pela atribuição de uma advogada oficiosa, e era claro o corte com a estratégia até aí seguida: “Chegou a altura de dizer basta e de contar toda a verdade!!”
PGR já estava analisar os novos dados Ainda que o procurador de julgamento tivesse o entendimento de que a exposição de Orlando Figueira não deveria ser chamada à colação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já tinha assumido ao i que a mesma seria analisada em julgamento: “Nos termos da lei processual penal, na fase em que o processo atualmente se encontra, os documentos/elementos apresentados pelas defesas, respetiva relevância e validade, bem como a posição do Ministério Público sobre os mesmos, são apreciados pelo tribunal no julgamento.”
Foi ainda assegurado que a PGR já se encontra a recolher informações entretanto disponibilizadas para ponderar se se justifica “desenvolver diligências relativamente a factos que não tenham sido objeto de investigação”.
Orlando Figueira quer Carlos Silva no julgamento Como o semanário “SOL” já noticiou no final de dezembro, após o procurador de julgamento ter dado o seu entendimento, a defesa de Orlando Figueira pediu ao tribunal que fosse assegurada a presença física de Carlos Silva em julgamento. Também Paulo Blanco, o advogado que representou em diversos processos o Estado angolano e que é arguido neste caso, já reforçou num outro documento que as declarações iniciais do ex-procurador alegadamente corrompido foram feitas contra a sua vontade “para alegado benefício de terceiros intervenientes”.
Paulo Blanco foi, aliás, o primeiro a entregar uma contestação, em novembro, que punha em causa a tese da acusação: “O MP sabe – e tem elementos no processo que o demonstram – que não perseguiu quem ‘podia’ perseguir, infletindo no sentido de arquitetar uma versão dos factos que nada coincidiu com a realidade.”