A escritora canadiana Margaret Atwood, feminista, está a ser massacrada por outras feministas. O “crime” de Atwood? Num texto com o provocatório título “Serei uma má feminista?”, Atwood, 78 anos, afirmou que o movimento #MeToo era um “sintoma de um sistema judicial falhado” e fez as seguintes interrogações: “Se o sistema judicial é ultrapassado porque é ineficaz, o que vai ocupar o seu lugar?”
Margaret Atwood traçou um paralelo entre as acusações de assédio sem direito a defesa e as purgas de Estaline, a Revolução Francesa, o período dos guardas vermelhos na China ou a ditadura argentina. “Esta estrutura – culpado porque acusado – aconteceu em muitos episódios da história da humanidade para lá de [bruxas de] Salém”.
Para Atwood, “em tempos extremos, os extremistas ganham. A sua ideologia torna-se uma religião, quem não embarcar nas suas visões é visto como um apóstata, um herético ou traidor, e os moderados ficam no meio e são aniquilados. Os ficcionistas são particularmente suspeitos porque escrevem sobre seres humanos e as pessoas são moralmente ambíguas. O objetivo da ideologia é eliminar a ambiguidade”.
Atwood foi alvo daquilo a que hoje se chama “a revolta das redes sociais”, que a atacaram precisamente por aquilo que ela já esperava, o seu “mau feminismo”. No Twitter, a veterana lutadora pelos direitos das mulheres respondeu: “Há 60 anos que tomo posições públicas. Defender os direitos humanos básicos para todos não é atacar as mulheres. Para existirem direitos para as mulheres é preciso existirem direitos, ponto final. O facto de eu ser um monstro sanguinário não torna isso menos verdadeiro.”
Entre os mais recentes “monstros sanguinários” encontra-se Catherine Deneuve que, com mais outras 99 francesas, denunciou o que considerou serem os excessos do movimento #MeToo. A carta incendiou as feministas porque Catherine e as restantes signatárias davam aos homens “o direito de importunar”. Se o objetivo se perde na semântica, não sabemos. Mas Deneuve e as restantes começavam por defender as vítimas de Wein-stein logo à cabeça – o que rejeitaram foi confundir-se alguma insistência ou “dick picks” com violação.
O manifesto começa assim: “Depois do caso Weinstein houve uma legítima tomada de consciência sobre a violência sexual exercida contra as mulheres, especialmente no ambiente profissional onde alguns homens abusam do seu poder. Ela era necessária. Mas essa libertação da palavra volta-se hoje ao contrário: somos intimadas a falar como se deve, a calar o que incomoda e aquelas que recusam curvar-se são consideradas traidoras, cúmplices! Essa é uma característica do puritanismo: usar, em nome de um suposto bem geral, os argumentos da proteção das mulheres e da sua emancipação para melhor as acorrentar a um estatuto de eternas vítimas.”
A carta das 100 foi alvo de incríveis protestos e Deneuve, antes uma deusa consensual, passou num repente a bruxa. A enxurrada foi tão violenta que, num texto no “Libération” deste domingo, Deneuve se viu obrigada a “pedir desculpa às vítimas, mas só às vítimas”. Mas não abdicou daquilo a que os britânicos chamam “o seu ponto”: “Não gosto desta característica dos nossos tempos em que toda a gente acha que tem o direito… de condenar. Um tempo em que simples denúncias nas redes sociais dão origem a punições, demissões, e… muitas vezes, linchamento nos média.”
O caso mais recente de “linchamento nos média” foi o do comediante Aziz Ansari, que apareceu nos Globos de Ouro com um crachá do “Time’s Up”. Foi uma das notícias desta semana: “Ator Aziz Ansari acusado de forçar mulher a atos sexuais”, escreveu a maioria dos jornais do mundo.
O que tinha acontecido? Uma rapariga de nome fictício “Grace” deu uma entrevista a uma revista chamada “Babe” onde contava um encontro com o comediante. Segundo “Grace”, depois de um jantar relativamente ao qual tinha algumas expetativas, foram depois para o apartamento de Aziz, que começou a fazer avanços sexuais relativamente aos quais “Grace” não se sentiu confortável. Afirma que, por expressões verbais e não verbais, tentou explicar a Aziz que “preferia ir mais devagar”. Depois de muito pensar, quando já tinha saído da casa de Aziz, “Grace” concluiu ter sido vítima de abuso sexual.
Em comunicado, Aziz afirma a sua versão: “Fomos jantar, e depois disso acabámos a ter relações sexuais, que para todos os efeitos foram completamente consensuais.” “Grace” acha que não e acabou por mandar uma mensagem a Aziz afirmando ter sido a “pior noite da sua vida”. Aziz diz ter ficado “surpreso quando recebeu a mensagem” e diz que vai continuar a apoiar o movimento “Time’s Up”: “Continuo a apoiar o movimento que está a acontecer na nossa cultura. É necessário e há um grande atraso.”
Tudo começou quando apareceram as primeiras denúncias contra o todo-poderoso produtor de Hollywood Harvey Weinstein. Inúmeras atrizes denunciaram situações de violação e assédio do produtor, que acabou a confessar os crimes e a decidir “tratar-se” da sua suposta perturbação sexual.
O mesmo aconteceu com o famoso ator Kevin Spacey, o protagonista da série “House of Cards”, acusado de assédio homossexual. Ontem, a polícia britânica informou que investiga um alegado terceiro ataque sexual de Kevin Spacey, que terá ocorrido em Londres, em 2005, no tempo em que Spacey era diretor do teatro Old Vic. Quando apareceram as primeiras denúncias, neste caso de homens – o caso #MeToo não é, embora pareça, exclusivamente uma questão de sexo heterossexual –, Kevin Spacey assumiu as culpas e também se dirigiu a um centro de “tratamento”.
Depois destes dois casos que revelaram o lado negro da indústria do cinema e televisão, as acusações não pararam. O caso Woody Allen, acusado de abuso sexual contra uma filha de Mia Farrow quando era menor, Dylan Farrow, já tinha sido julgado e Allen absolvido. Mas Dylan insiste que é vítima e já várias atrizes decidiram deixar de trabalhar com Woody Allen.