Alexei Navalny é uma mancha insistente na paisagem serena da política russa na era de Vladimir Putin. O ativista, político e advogado especializado em casos de corrupção mobilizou no ano passado os maiores protestos nacionais desde que em 2011 o país entrou em tumulto contra a fraude eleitora daquele ano. Navalny faz campanhas de combate e sensibilização para o enriquecimento ilícito no governo russo e a vaga de manifestações do ano passado deu-se quando expôs a fortuna do primeiro-ministro, ex-presidente e testa de ferro de Putin, Dmitri Medvedev.
O seu nome é tão desagradável ao palato do líder que mesmo Putin, que é o político russo mais bem-sucedido e duradouro desde Estaline, insiste em não se referir diretamente a Navalny em público, querendo por ventura que o seu nome, à força de não ser dito pelo homem mais forte do país, faça desaparecer também o homem. “Quer que esse tipo de pessoas causem instabilidade na situação deste país? Que tenhamos golpes de Estado? ”, lançou Putin na sua conferência de imprensa anual, em dezembro, respondendo a uma questão sobre a possível candidatura de Navalny às presidenciais de março. “Já passámos por tudo isso antes. A maioria absoluta dos russos não desejam isto.”
Putin detesta instabilidade mais que qualquer outra coisa, como explica David Remnick, diretor da “New Yorker” e ex-correspondente na Rússia. O antigo espião do KGB sentiu na pele a queda da União Soviética, a pobreza da transição, o caos da década de 1990 e não deseja repeti-lo sob o seu mando. No que diz respeito ao líder russo, Navalny é a instabilidade em pessoa e por isso ontem, quando o ativista e político da oposição apenas havia caminhado uns metros por Moscovo em mais um domingo de protestos nacionais convocados por ele, a polícia cercou-o, derrubou-o e prendeu-o por desobediência e organização de um protesto ilegal. Aconteceu muito próximo do Kremlin, onde o esperavam cerca de três mil pessoas.
Navalny foi detido mais uma vez ontem, assim como várias dezenas de pessoas que seguiram o seu apelo e protestaram contra a corrupção do governo de Putin em várias cidades da Rússia, até mesmo em Yekaterinburg, nos Urais e a 900 quilómetros de Moscovo, onde se reuniram cerca de mil pessoas com temperaturas muito abaixo do zero. Protestaram contra a corrupção e a favor do boicote que Navalny convocou para as eleições de março, às quais foi impedido de concorrer por causa de uma condenação por corrupção que muitos encaram como um caso político. Navalny e as mais de 50 pessoas detidas devem agora passar algumas semanas na cadeia, à volta de vinte dias, a pena padrão neste tipo de casos – que o opositor russo cumpriu três vezes só no ano passado. “Não nos deram qualquer escolha”, dizia ontem ao “Guardian” Vladimir Redko, em Vladivostok. “Como cidadão da Federação Russa, acredito que o meu dever cívico é declarar a minha posição.”
Navalny não vai concorrer às eleições de março. Se o fizesse não as venceria, uma vez que uma consulta independente lhe atribui apenas 2% dos votos a nível nacional. Putin, pelo seu lado, vive um dos melhores momentos da política russa desde que a queda nos preços do petróleo e a crise global atingiu as contas e salários. Será ele o vencedor em março e disso não há dúvidas. Com ou sem Navalny, ficará mais seis anos no topo do poder russo. O Kremlin, em todo o caso, quer evitar que o movimento do opositor, que vive sobretudo na Internet e nas redes sociais, ganhe força e se torne mais popular para além dos centros urbanos de Moscovo e Sampetesburgo. Ontem, à medida que Navalny era detido na rua, os escritórios do seu movimento político foram alvo de uma rusga que procurou travar a emissão online dos protestos. A polícia justificou-se com um risco de bomba.