O diretor e o comandante do 127º curso, no qual morreram dois recrutas, recusaram-se a refrescar os aprendizes “para não atrasar a instrução”, revelou esta segunda-feira em tribunal o médico responsável pelo apoio sanitário dos cursos de Comandos.
Miguel Domingues afirmou no Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa que existiam recrutas com "cansaço extremo e exaustão acima do normal". Por isso, no período do almoço, o arguido e capitão sugeriu a Mário Maia, o tenente-coronel responsável pelo curso, e a Rui Monteiro, comandante da Companhia de formação, que os aprendizes fossem “molhados ou levados para um charco”.
Os dois homens entenderam a sugestão, mas esta acabou por não se seguida "por não haver tempo e para não atrasar ou atropelar os horários" do curso. No mesmo dia, Miguel Domingues sugeriu a Rui Moreira a "necessidade de efetuar hidratação" dos recrutas. Mais uma vez, a sugestão foi aceite, mas o médico não sabe se os aprendizes receberam ou não água.
A prova foi interrompida às 16h00 por sugestão do médico – a esta hora, 23 dos 67 recurtas já tinham ido parar à enfermaria. Miguel Domingues afirmou que desde 2011, ano em que assumiu funções, já viu “centenas” de recrutas com os mesmos sintomas dos jovens do 127º curso. A única diferença foi o facto de um terço do grupo ter ido parar à enfermaria de uma só vez.
Recorde-se que, em junho de 2017, o Ministério Público acusou 19 militares no processo relativo à morte de dois recrutas dos Comandos e o internamento de outros. Na lista de arguidos fazem parte oito oficiais do Exército, oito sargentos e três praças.
Hugo Abreu e Dylan Silva morreram durante o treino do 127.º Curso de Comandos, na região de Alcochete, distrito de Setúbal, em de setembro de 2016. Outros recrutas tiveram de ser internados. Segundo a acusação do MP, "os princípios e valores pelos quais se regem os arguidos revelam desrespeito pela vida, dignidade e liberdade da pessoa humana, tratando os ofendidos como pessoas descartáveis".