Chama-se Vila Nova da Rainha mas não é vila, não é nova e hoje já há não rainhas. Nem sequer primeira-dama, pois o Presidente da República não é casado.
No passado dia 15 de outubro – uma data terrível –, Vila Nova da Rainha teve casas ardidas mas não houve mortos. «Arderam casas mas estávamos todos», diz uma moradora, chorosa. Ora, há quinze dias, o fogo voltou a atacar mas fez vítimas. Para já, nove mortos e dezenas de feridos.
Tudo começou numa salamandra, um objeto simpático mas traiçoeiro. Da chaminé o fogo alastrou a uma esferovite que servia de isolamento do telhado, provocou muito fumo e criou-se o pânico.
A cena passava-se na sede de um clube recreativo da terra, numa competição de sueca (um inocente jogo de cartas). Quase todos eram homens. O clube tem dois andares, e o torneio decorria no piso de cima. Quando deram o alarme, correram todos para a escada na ânsia de sair – e foi aí que ocorreu a tragédia. Um pouco como aconteceu na ‘estrada da morte’. Aí, as pessoas vinham a fugir ao fogo, foram apanhadas numa ratoeira e morreram queimadas. Aqui não foi o fogo que as matou, mas sim as pessoas que se mataram umas às outras. Espezinharam-se.
O fenómeno não é novo. Há 30 anos, num estádio na Bélgica, numa final da taça dos clubes campeões europeus, morreram 39 pessoas espezinhadas. O motivo do pânico não foi um acidente, foi o ataque de um grupo de hooligans ingleses, mas a situação foi basicamente a mesma: alarme, fuga desordenada, o salve-se quem puder e pessoas esmagadas debaixo dos pés dos fugitivos.
Exatamente o mesmo que sucedeu aqui, embora numa escala evidentemente menor.
Quando se deu o alarme, todos começaram a fugir para a escada. Houve empurrões, alguns da frente caíram, os que vinham atrás passaram-lhes por cima, vários tropeçaram e também lá ficaram – até se amontoarem dezenas de corpos. Um horror. Quando se trata da sobrevivência, não há civismo. As pessoas tornam-se piores que animais. Atropelam-se, pisam-se.
A agravar as coisas, os corpos que foram caindo pela escada abaixo amontoaram-se junto à porta de saída, que estava fechada. E como abria para dentro (e não para fora, como deveria), tornou-se impossível abri-la, pois ficou ‘trancada’ com a montanha de corpos empilhados contra ela, alguns com os pescoços partidos.
Feita a contabilidade, contaram-se logo ali sete mortos e muitos feridos. E dois morreriam mais tarde no hospital.
Na tragédia de Vila Nova da Rainha, o fogo veio acrescentar mais nove mortos aos mais de cem dos incêndios de Junho e Outubro. Maldito fogo que se abateu sobre o país nos últimos meses!
Mas se as responsabilidades pelas vítimas dos incêndios florestais são apesar de tudo difusas, aqui são claras e as mortes poderiam ter sido evitadas.
Bastava que, em primeiro lugar, tivesse havido uma voz de comando – um diretor da agremiação, por exemplo – que pusesse ordem na situação, evitando o pânico e promovendo uma evacuação ordeira. Aliás, se tivessem partido logo o vidro da janela do 1º andar – como depois fizeram os bombeiros – o fumo sairia e a situação ficaria mais fácil de controlar.
Em segundo lugar, as portas de locais públicos como este – ou de outros como garagens – devem abrir para fora e ter umas barras horizontais que as abrem imediatamente quando são empurradas.
Aqui há anos a ASAE travou uma batalha contra os restaurantes e cafés que não tinham casas de banho para homens e mulheres, obrigando-os a construí-las e atirando alguns pequenos proprietários para a falência.
Ora, não seria mais importante o Estado ter um organismo para controlar verdadeiramente (e regularmente) no país todo as saídas de emergência das instituições onde se junta muita gente – bares, discotecas, restaurantes, cinemas, recintos desportivos, agremiações culturais?
Se a porta fosse adequada, abrindo-se logo que chegaram os primeiros fugitivos, e se no momento em que começou o fogo os responsáveis tivessem assumido o controlo da situação evitando o pânico, a tragédia de Vila Nova da Rainha não teria pura e simplesmente acontecido.