Rita Felizardo senta-se numa das pontas do tapete colorido e, de imediato, os doze meninos de bibe vermelho imitam o movimento, ávidos de saber como acaba a história do Cuquedo.
Numa espécie de lengalenga, o livro conta a história de um grupo de animais da selva que foge com medo de algo que nem sabem o que é.
“E vocês, têm medo do quê?”, pergunta a terapeuta. A primeira resposta custa a sair, mas é Júlia quem levanta o dedo. “De crocodilos!”. Pronto, está dado o mote para um rol de medos que vão de aranhas gigantes e touros a melgas.
O silêncio só volta à sala quando Rita pede para fecharem os olhos e ouvirem um barulho que reproduz com uma caixa de sons, muito semelhante ao da trovoada. “Como é que vocês se estão a sentir?”. Como isto de expressar sentimentos em palavras, nem sempre é fácil, Bernardo levanta-se e grita de braços e cabelos no ar. “Sinto-me assim!”. Consciente de que todos já perceberam qual o tema da aula de hoje, Rita avança para a próxima estação. “Agora que já todos sentiram medo, vão fazê-lo em plasticina”.
Gerir emoções
O medo é precisamente uma das quatro emoções base com as quais este grupo de ativistas sentimentais – chamemos-lhes assim – desenvolve um trabalho que começa com as crianças, as mentes mais abertas a uma aprendizagem que não se baseia só em português e matemática.
“Fazia-me confusão que na escola só se pensasse em curriculum e muito pouco no bem estar emocional”, refere Marco Coelho, que quando se separou percebeu que precisava de saber mais sobre o modo de lidar com a filha pequena e de gerir emoções, por vezes difíceis de decifrar pelos dois. “Li muito sobre o tema, falei com amigos, com professores e reparei que havia ainda muito a fazer. Afinal, a mim nunca me perguntaram ‘olha, o que é que estás a sentir?’.
Munido de uma equipa de psicólogos e terapeutas, criou em 2014 a Escola das Emoções, com o objetivo de dar às crianças “ferramentas para saberem lidar melhor com as emoções”, explica Marco que, até agora, conseguiu implementar o projeto apenas no Jardim-Escola João de Deus, em Leiria. “O ideal era que isto não fosse uma hora por dia, nem numa escola em específico. Mas ainda há um longo caminho a percorrer até que a comunidade se aperceba da importância que tem para a vida adulta este tipo de aprendizagem”, refere. É por isso que a escola marca presença na primeira edição das Jornadas Internacionais do Pensamento Emocional, que acontecem em Lisboa dia 2 de Fevereiro, com o mote ‘emoções, educação e afetos’.
Para já, e ainda circunscrito às paredes – e recreio – desta escola, Vera Sebastião, presidente do conselho diretivo, fala em “deixar sementes” num projeto que se quer com resultados a longo prazo. “Notamos que as crianças se tornam mais consequentes, ou seja, continuam a ser impulsivos e podem até dar uma palmada ao colega, mas percebem mais facilmente que o outro ficou triste e que é provável que retalie”.
Mudar comportamentos
Como prova de que a educação para as emoções se faz em qualquer lado, Rita aplica com o filho de quatro anos as mesmas técnicas que ensina na escola. E lidar com a vontade de bater da criança, é uma das mais comuns.
“A última vez que o vi muito zangado, o primeiro impulso dele foi bater. Naquele momento, lembrei-me dos bonecos do filme ‘Divertidamente’ e disse-lhe: ‘O que é que a raiva tinha a sair da cabeça? Fogo. O que é que apaga o fogo? O ar.’ Começamos a soprar e com alguns exercícios de respiração acalmou-se naturalmente”.
Mas numa turma de doze crianças ainda a tentar perceber o que raio é isso que as faz estar alegres, frustradas, tristes ou com raiva, inspirar e expirar fundo pode não ser suficiente. Passemos então à plasticina e à forma como cada um molda o medo.
Martim faz um “foguetão a voar muito lá em cima”, Guilherme um “vulcão chateado” e Bernardo, que juntou tiras de plasticina azuis, amarelas e brancas, “uma cobra super herói porque essas não têm medo de nada”.
Com esta turma de corajosos pela frente, Rita só tem de dar ajuda extra. Encarna o cavalo mágico, protagonista da história seguinte, e entrega a cada um uma pequena estrela vermelha, “que dá força para enfrentar todos os medos”.
Cada um guarda a sua no bolso do bibe e, a pedido da terapeuta, juntam-se em grupo, “numa rodinha”, com os braços à volta uns dos outros. “Parecemos uma equipa de futebol”, diz Caetano. Todos se riem. Rita tenta que a turma volte a estar concentrada na aula e espera que ‘medo’ seja a palavra que todos respondem à pergunta “E todos juntos, vamos ganhar a quem?”. Mas Martim remata: “Ao Barcelona”.