O tão badalado anúncio que Bruno de Carvalho havia agendado para a tarde de ontem ficou a meio caminho. O presidente do Sporting entendeu por bem deixar a definição do seu futuro nessa condição para o próximo dia 17, quando se realizará nova assembleia-geral no Pavilhão João Rocha, depois dos incidentes que marcaram a sessão da última sexta-feira. De qualquer modo, na conferência de imprensa que decorreu em Alvalade – que na verdade foi mais um monólogo, com o líder do clube leonino a falar sozinho durante mais de 45 minutos –, Bruno de Carvalho fez questão de deixar um ultimato aos sócios: caso os pontos em discussão não sejam aprovados com mais de 75 por cento dos votos, a direção demite-se de imediato.
“Ponto 1: novos estatutos. Ponto 2: regulamento disciplinar. Ponto 3: se querem a saída imediata dos órgãos sociais. Se algum dos pontos não passar, demitimo-nos imediatamente. Está na altura de os sportinguistas decidirem se querem ou não este presidente”, garantiu, perante três centenas de sócios do Sporting, onde não faltaram as já tradicionais referências escatológicas. Como esta: “Há uma coisa que não posso admitir: trabalhar 24 por 24 [horas] e chegar a uma AG e não me deixarem discutir os pontos para os quais trabalhei. Isso não é admissível. Não concordam, votem 100 por cento contra. Tive de ouvir coisas como o ‘timing’. Mas qual timing? Não tenho timing. Não durmo com um olho aberto, estão os três fechados, mas às quatro, cinco e seis da manhã estou a trabalhar.”
Antes desta “conferência de imprensa”, na enésima publicação no Facebook, Bruno de Carvalho havia deixado no ar, novamente, a intenção de avançar para a demissão do cargo de presidente do Sporting. “A minha decisão pessoal já está tomada, mas somos um grupo a que tenho tido tanto orgulho e honra de liderar, e terá de ser uma decisão de todos. Porque, mesmo em democracia, não vale tudo. A partir desse momento deixa de ser democracia para passar a ser uma anarquia”, podia ler-se na página pessoal do presidente leonino.
Mais uma vez, o ato público ficou marcada por críticas abertas a vários adeptos do próprio clube. “No Sporting há sempre dezenas de lacraus debaixo das pedras pequenas, sempre foi assim”, é um dos exemplos.
Farpas a toda a linha Bruno de Carvalho assumiu a presidência do Sporting em março de 2013, dois anos depois de ter perdido as eleições – com enorme polémica à mistura – para Godinho Lopes. Em março do ano passado foi reeleito para um novo mandato, mas ontem revelou sentir-se cansado e farto de ser “humilhado, difamado e injuriado por sportinguistas há sete anos”. “As pessoas não têm noção do que é viver uma vida de quase sequestro há sete anos. Eu não tenho nenhuma liberdade. Quem não está aqui não consegue perceber o que é não conseguir sair de casa para tomar um café, não conseguir ir com a filha passear ao jardim, o que é estar em casa e estar quase sempre sequestrado, a ver algum filme no videoclube, ou então tenho de chamar um segurança para ir ver o ‘Aladino’, ou vou a uma peça de teatro e os atores mudam partes da peça para me chamarem de atrasado mental… As pessoas não têm a noção”, atirou o presidente do Sporting, em resposta a quem o acusa de perder muito tempo no Facebook. E completou: “Antes de ser presidente do Sporting, eu sou filho, sou pai, cidadão. Acham que não tenho mais nada que fazer do que ir para o Facebook? Tenho três filhas, mais uma a vir, e uma mulher, ainda para mais gira. Quem está cá e comprovadamente faz um bom serviço tem de ser protegido! Tanto tem mudado no futebol à custa dos meus posts. O VAR? Não tivessem sido os meus constantes posts sobre o VAR e tinham o VAR no raio que parta. E as denúncias que fiz contra a, b, c e d e afinal é tudo arguido? Acham que vou para o Facebook porque me apetece? Quero lá saber do Facebook para alguma coisa!”
Ao longo dos dois mandatos como líder máximo dos leões, Bruno de Carvalho tem sido frequentemente acusado de não saber lidar com as críticas. Também a isso o presidente dos leões respondeu ontem. “É falso. Não tenho problema nenhum. Agora, não vamos confundir (e é nisso que e fácil confundir os sportinguistas) diferenças de opinião com ofensas gratuitas. E difamação. Isso começa a pesar”, salientou, aludindo depois aos episódios ocorridos no sábado, em que deu por concluída, de forma abrupta, a assembleia-geral do Sporting depois de alguns sócios terem apresentado requerimentos para adiar a sessão e votar mais tarde os dois últimos pontos da ordem de trabalhos, relacionados com a alteração estatutária e o regulamento disciplinar.
“Não podemos viver numa situação em que sócios numa assembleia-geral confundem democracia com anarquia. Fazem ameaças, chamam-me mentiroso, mandam calar membros da mesa. Não pode ser. Retirei os pontos e vim-me embora porque, sinceramente, continuar a ser ofendido em casa… Nunca ofendi ninguém, apenas disse o que tive para dizer. Eu estou aqui para trabalhar. Fomos a direção mais transparente e mais clara que passou pelo Sporting”, afirmou Bruno de Carvalho, completando: “As pessoas têm memória curta. Muitas vezes são ingratas perante aquilo que é feito, o trabalho que foi feito. Há sempre aquele velho chavão do ‘você também comete erros’. Cometo eu, a Madre Teresa de Calcutá e vocês. Claro que cometo erros, hei-de cometer sempre. O que faço a cada dia é meter na tabela e ver se diz as coisas mais ou menos certas. Hoje, não tenho dúvida nenhuma que foram muito mais as certas dos que as que não foram.”
Por fim, e já depois de dizer que há “um excelente candidato a mexer-se nas sombras”, o presidente dos leões refutou a ideia de estar a fazer um ultimato aos adeptos. “Noventa por cento dos sócios disse: ‘Confiamos em vocês’. Ou se confia ou não se confia. Então vamos para umas eleições e dão 90 por cento a um homem que acham que é ditador? Estavam doidos em março? De março para cá alterei tudo de repente, sou um Bruno diferente? Um aldrabão, um vigarista? Isto mudou assim tanto? Não é chantagem. É um ser humano que não aguenta mais. Sportinguistas, ponham ordem na casa”, rematou. Já depois do apronto ter terminado, Bruno de Carvalho garantiu ainda que, em caso de avançar para a demissão, não voltará a candidatar-se à presidência do clube. “Nunca mais voltarei. Fora de questão”, disparou o líder verde e branco.