Académico de Viseu. Sem Jorge Mendes, é o Manel Cajuda!

O histórico clube beirão escolheu a velha raposa algarvia para conduzir a equipa à i Liga, 30 anos depois da última presença – isto enquanto aguarda pela posição final de Jorge Mendes, que já se chegou à frente para investir forte

Abençoado seja António Albino. No que toca ao futebol português, e para aqueles que o amam verdadeiramente, o presidente do Académico de Viseu tomou uma decisão digna de todos os louvores: apresentou ontem Manuel Cajuda como novo treinador do histórico emblema, que sonha voltar ao principal escalão 30 anos depois da última participação.

Sim, esse mesmo Manuel Cajuda: carismático, singular, homem de uma sinceridade desarmante – que o leva a dizer frases como aquelas que se podem ler na coluna à direita da próxima página. Nascido há 66 anos em Olhão, nas majestosas paisagens algarvias, aí fez toda a carreira de jogador, à qual pôs um fim em 1983 enquanto capitão de outro histórico: o Farense. Onde viria a começar outra carreira, esta ainda mais bem-sucedida, logo na temporada seguinte, após a demissão do mítico Hristo Mladenov. Começava aí a travessia de Cajuda pelos bancos do futebol luso, muitas vezes na segunda divisão, mas maioritariamente na primeira.

Uma relação que teve fim em 2013, quando deixou o comando técnico do Olhanense com o singelo número de 504 jogos no principal escalão do nosso futebol. Iniciou depois um exílio mais ou menos forçado que o levou a passar por China (três clubes), Emirados Árabes Unidos e Tailândia. Foi-se sempre queixando de ter as portas fechadas no mercado português – até ontem, quando foi oficializado em Viseu como substituto de Francisco Chaló.

O dinheiro que causa discórdia O objetivo é claro e foi assumido desde o início da temporada: subir à i Liga. Cajuda não fugiu ao tema, lembrando mesmo ter três subidas no currículo (Torreense em 1990/91, União de Leiria em 1993/94 e Vitória de Guimarães em 2006/07). “Na próxima época quero estar a treinar o Académico na i Liga”, disparou, bem ao seu estilo. O conjunto viseense tem estado toda a época em lugares de subida, mas atravessa a fase mais negra da temporada: não ganha há sete jogos. Ainda assim, ocupa o quinto posto, apenas a um ponto da zona desejada.

Nos últimos tempos, porém, o Académico foi notícia por outros motivos. E tudo porque Jorge Mendes, juntamente com investidores russos, manifestou interesse em tornar-se o acionista maioritário do clube, estando disposto a investir quantias na ordem dos cinco milhões de euros. A proposta inicial, todavia, foi rejeitada pelo presidente António Albino, que não se mostrou agradado com a possibilidade de vender o clube a sociedades de origem mais ou menos desconhecida. “Já recebi para aí uma dúzia de pessoas a quererem investir na SAD, mas eu, quando decidir abandonar o Académico, quero que fique bem entregue. Tenho 70 anos e não posso ficar aqui toda a vida, mas a SAD não está em saldo. O Académico está sólido, não deve nada a ninguém. Sou academista desde os meus dez anos, não apareci no clube por acaso, apareci quando alguém lhe fez muito mal”, dizia Albino em entrevista ao “Diário de Notícias” já em novembro.

Esta decisão gerou discórdia no seio da direção, e tudo porque os 51 por cento da SAD que alegadamente seriam comprados por Jorge Mendes e os investidores russos – os outros 49 pertencem ao próprio clube – são detidos pelo presidente e por Daniela Lima, companheira de André Castro, até há poucas semanas o diretor desportivo do clube e o principal apoiante da ideia de trazer Jorge Mendes para o barco. Na sequência deste episódio, Castro acabou por ser demitido e o clima de instabilidade afetou claramente a equipa, como facilmente se constata ao ver os resultados obtidos desde o início do ano.

Ainda assim, segundo o que o i apurou, António Albino não põe de parte um acordo com Jorge Mendes: esse cenário continua em equação e poderá ganhar novos capítulos muito em breve.

Voltaram os sorrisos A exemplo de muitos outros clubes históricos do futebol nacional, o Académico de Viseu passou por largos problemas nos últimos anos. Dívidas atrás de dívidas levaram mesmo o clube à extinção – haveria de ressurgir após fusão com o Grupo Desportivo de Farminhão. Recomeçou nos distritais em 2005, regressou às ligas profissionais em 2013/14 e acalenta agora o sonho de voltar ao topo.

Se o vai conseguir, só saberemos daqui a uns meses. Para já, todavia, só a chegada de Cajuda contribuiu para levantar o moral das tropas. “É bom para toda a gente, tanto para os jogadores mais experientes como para os jovens. É uma referência do nosso futebol, o seu currículo fala por si, dispensa apresentações. Temos muito a aprender com ele e é uma honra para nós todos, e também para a região e para o clube, ter um treinador com o estatuto que ele tem no futebol português. Só a presença dele dá logo um ânimo muito grande a todos. Já se viu isso no treino hoje, compareceram mais pessoas. O nome dele é muito forte no nosso panorama futebolístico. Pode ser bom para todos, vamos todos aproveitar para aprender e para evoluir”, refere ao nosso jornal Rui Miguel.

Hoje com 34 anos, o médio nascido e formado em Viseu é um dos nomes fortes do Académico, onde regressou na temporada passada, no epílogo de uma carreira que o levou a clubes como o Paços de Ferreira, pelo qual jogou a pré-eliminatória da Liga dos Campeões e a Liga Europa em 2013/14, ou o Vitória de Guimarães, além de várias passagens bem- -sucedidas no estrangeiro: Zaglebie Lubin, Polónia (campeão); Krasnodar, Rússia; Astra e Rapid Bucareste, Roménia; AEL Limassol, Chipre; ou Zimbru, Moldávia. O primeiro passo na i Liga, esse deu-o em 2005/06, na Naval, e pela mão de… Manuel Cajuda. O mundo é mesmo pequeno. “Como ele hoje já referiu, não está agarrado ao passado: está preocupado é com o presente e vai fazer tudo para conseguir cumprir este sonho e este objetivo do presidente há mais de 13 anos. Está mais do que atualizado: segue qualquer campeonato, está por dentro do futebol todo e as ideias dele estão muito presentes na realidade do futebol”, garante Rui Miguel, descrevendo ao pormenor o Cajuda treinador: “É muito exigente, bastante rigoroso e não admite que lhe faltem ao respeito. Mas é bastante acessível, qualquer jogador tem toda a liberdade para o procurar. Nos treinos, quer muita dinâmica, não gosta de ver um jogador parado. Privilegia muito um futebol bem jogado, tem algumas referências e gosta de futebol bonito. É muito brincalhão, tem um sentido de humor muito apurado, e ainda hoje os jogadores o receberam muito bem. Arrancou vários sorrisos, e neste momento é também um bocadinho disso que estamos a precisar, para afastar a ansiedade que temos vivido nos últimos tempos.”

Seja bem regressado, senhor Cajuda e respetiva herança – porque o futebol não nasceu nos anos 2000. Nasceu muito antes e homens da geração deste mítico olhanense ainda têm muito para ensinar aos tantos novos Mourinhos desta vida.