Se alguém houvesse aterrado do céu para assistir à cena, ninguém diria que Manuel Vicente e o processo que envolve o ex-vice-presidente angolano e agita as relações entre Lisboa e Luanda existiriam.
Sorrisos, fotografias, as já tradicionais selfies e conversa cultural e diplomática encheram a inauguração de uma exposição de arte na nova UCCLA, junto ao rio Tejo.
O pré-evento, não anunciado (ou apenas pelo i noticiado), fez cruzar o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a ministra da Cultura de Angola e respetivo embaixador.
Tratou-se de uma ocasião que, oficialmente, não se deu. Ou, como sorriu para o lado o adido cultural da embaixada angolana, “este ato nem existe”.
Marcelo, que veio de Mafra para o local já perto da Belém do seu palácio, cumprimentou a ministra, Carolina Cerqueira, notando o frio. “Não está cheia de frio, a senhora ministra?”, inquiriu, puxando-lhe o casaco para os ombros. “Bonita, está sempre”, sorriu ele, que anda ligeiramente constipado e se obrigou a parar para tossir diversas vezes. O embaixador José Marcos Barrica também foi efusivamente saudado. “O senhor embaixador vai continuando. E bem!”
Já no interior, o curador Lino Damião fez visita guiada da exposição, que seria inaugurada apenas daí a uma hora.
Sobre arte, disse Marcelo: “Eu adoro isto, apesar de já estar no fim da idade. Já sou um idoso!”, brincou, pedindo uma fotografia junto de uma peça, lado a lado com a ministra do governo de João Lourenço. Um dos responsáveis angolanos incentivou o embaixador do seu país a juntar-se e este também entrou no retrato.
Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais e vice da UCCLA, manteve-se sempre junto de Marcelo, para quem a exposição “é sensacional”. “Ultrapassou as minhas expetativas, já elevadas”, revelou o chefe de Estado português, que comentou “ainda ter muitas velhas amizades” oriundas de Angola. Duas jovens angolanas, entusiasmadas, afirmaram ao i que iriam “pedir para tirar a selfie”. “Ele é simpático. Gosto dele. É o tio Celito”, disse uma delas.
Marcelo foi conversando com o curador, perguntando acerca da disposição das peças e deixando a política à parte. “O sr. embaixador gosta tanto de nós que não quer ir embora”, tornou a brincar. “Anda a despedir-se e nós não o deixamos ir.” O Presidente português gostou da exposição, com peças de data recente, “não viradas para o passado, mas do presente para o futuro”.
Outros notáveis foram surgindo, nomeadamente o conselheiro de Estado Domingos Abrantes, do comité central do Partido Comunista, depois apresentado aos dignitários com a respetiva esposa e abraçado por Marcelo. José Ribeiro e Castro, ex-presidente do CDS-PP, também. E Joe Berardo, conhecido colecionador de arte, marcou presença. “Olha um comendador que eu não vejo desde o século passado!”, cumprimentou Marcelo Rebelo de Sousa. “Está muito magrinho!”, avaliou, em novo abraço.
No final da visita, já no exterior, o Presidente auxiliou a ministra, cujos saltos altos dos sapatos se prenderam na relva. Uma sobrinha da governante angolana, residente em Portugal, aproximou-se da delegação e tirou a aguardada selfie com Marcelo, de quem disse gostar.
À imprensa, Carolina Cerqueira disse-se “surpreendida e emocionada” com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa. “Honra- -nos com a sua vinda”, sublinhou a ministra. O comboio, lá ao fundo, junto ao rio, obrigava a diplomacia a falar um pouco mais alto.
Marcelo, que foi mais extenso nas palavras, destacou de igual modo “a surpresa” e o “júbilo”. “As relações entre os dois países estão fortalecidas”, assegurou. “E não precisavam da exposição para estarem fortalecidas”, insistiu. Aos jornalistas, a ministra da Cultura angolana não discordou. “Subscrevo todas as palavras do sr. Presidente.”
Acerca da carta que o ministro das Relações Exteriores de Angola enviou a todos os embaixadores da CPLP, cujo conteúdo será sobre a presença de Manuel Vicente no processo Fizz, Marcelo desdramatizou. Para o inquilino de Belém, “a relação bilateral” entre Portugal e Angola é preenchida “pela relação multilateral” de ambos na CPLP. Dito de outro modo: não borrem a pintura. Literalmente.
À saída apareceu Castro Mendes, ministro da Cultura português, para a inauguração oficial – não tendo comparecido à oficiosa, ainda que soubesse da realização da mesma. Também com ele houve selfie, antes de a homóloga angolana e o Presidente português partirem.
Junto ao carro, ouviu-se Marcelo dizer a Carreiras, velho companheiro de partido: “Faz-se o que se pode.” E já foi muito.