Na semana passada condenei Sean Bratches por querer banir as hospedeiras da Fórmula 1. Sendo ou não uma prática ridícula – e eu acho que era – fazia parte da tradição e daí não vinha mal ao mundo.
Esta semana, critico um fenómeno de certo modo contrário: a presença de mulheres seminuas nos desfiles de Carnaval. E não o faço por puritanismo, mas pura e simplesmente porque não faz sentido.
Em Portugal, nesta época – a que se chamava muito ‘Entrudo’ e não apenas Carnaval –, a tradição era as pessoas mascarem-se. Os meninos vestiam-se de cowboy ou de Zorro, as meninas de princesas ou espanholas. Os adultos mascaravam-se menos. Alguns homens com gostos que considerávamos esquisitos aproveitavam o Carnaval para se vestirem de mulheres, dizendo-se que só não o faziam mais vezes porque era proibido. De facto, uma lei de Salazar impedia essa prática, que só era tolerada nesta época. Sempre achei horríveis, quase repulsivos, esses homens vestidos de mulheres, com meias de vidro transparentes calçadas por cima de pernas peludas.
Mas de há uns vinte anos para cá, enquanto as máscaras caíam um pouco em desuso e havia muito menos gente mascarada, começou a ver-se outro tipo de foliões (ou folionas): mulheres seminuas nos desfiles carnavalescos. E esse hábito veio a generalizar-se, ao ponto de já não haver Carnaval sem essas mulheres despidas a dançar e abanar o rabo exibindo-se na calçada ou em cima dos carros alegóricos.
Trata-se, como é óbvio, de uma cópia grotesca do Carnaval do Rio de Janeiro, com as suas escolas de samba, as suas musas e os seus desfiles de carros sumptuosos.
Mas a sua réplica em Portugal é absurda, por duas razões.
Primeiro, porque nesta época do ano é Verão no Brasil, enquanto em Portugal é Inverno (e, neste ano, particularmente frio). Se no Rio, onde as temperaturas atingem os 35 graus, se justifica que as raparigas andem de corpo ao léu, em Portugal, com os termómetros a não passarem muito dos 10 graus, a nudez é totalmente descabida, sem sentido e altamente desaconselhável. Se eu tenho frio na rua todo encasacado, imagino o frio que rapam aquelas raparigas expondo-se quase sem roupa, durante horas, à invernia.
Por outro lado, as portuguesas não têm os mesmos corpos nem os mesmos movimentos corporais nem o mesmo calor das brasileiras. Aquilo que nelas resulta sensual nas portuguesas torna-se ridículo ou mesmo patético.
A globalização está a tornar muitos fenómenos planetários. Este é só um exemplo. Outros são o Dia dos Namorados – o Dia de S. Valentim – ou o Dia das Bruxas, que não tinham qualquer tradição em Portugal e que cá chegaram como puros fenómenos de imitação. Claro que depois o comércio puxa por eles, pois são oportunidades para faturar.
E enquanto surgem no nosso calendário novos dias e novas comemorações, algumas das nossas vão desaparecendo. Enquanto algumas festas e tradições seculares se vão perdendo, celebram-se com cada vez maior ímpeto os dias disto e daquilo. Enquanto algumas celebrações carnavalescas com tradições locais foram sendo abandonadas, surgiram os tais desfiles abrasileirados.
As touradas, que fazem parte da nossa cultura e nos dão identidade (em particular, através do toureio a cavalo, exclusivo de Portugal), são hoje objeto de perseguição impiedosa por parte de certos grupos. O que nos distingue e faz a diferença é substituído por imitações reles do que acontece lá fora.
É isto a globalização. Um rolo compressor que tudo uniformiza, esmagando o que é genuíno e espalhando as práticas de culturas dominantes. Qualquer dia não teremos nada do que era nosso – e andaremos a comemorar festividades importadas. Uma só língua, uma só cultura – é este o grande objetivo da globalização.
As organizações feministas, em vez de fazerem certas campanhas ridículas, podiam ocupar-se mais destes desfiles carnavalescos desajustados do nosso clima e que apenas exploram o corpo das mulheres. Que promovem uma nudez ostensiva, destinada a provocar os homens, com tangas minúsculas para expor melhor e valorizar os bumbuns, como dizem os brasileiros.
Enquanto de um lado se proíbem as raparigas que abrilhantavam – pudicamente, diga-se – a Fórmula 1, noutro as mulheres despem-se no meio de um frio de rachar para imitar os brasileiros e piscar o olho às atenções masculinas.
Perceber, percebe-se. Mas não faz sentido.