Não é o primeiro doutoramento honoris causa que António Guterres recebe; porém, este teve um gosto especial. O Instituto Superior Técnico (IST), onde acabou o curso de Engenharia Eletrotécnica com média de 19, prestou ontem homenagem ao secretário-geral das Nações Unidas.
“Fiz sempre o que pude para lutar pelos ideais que tinha”, disse o ex-primeiro-ministro referindo-se à sua vida política. Durante o discurso, o político português lembrou o momento de “choque profundo” que foi responsável pela “sua traição ao IST”: depois das cheias de 1967, Guterres viu de perto a pobreza e decidiu que tinha de agir.
Porém, “é preciso saber sair”, alertou, “o poder pelo poder não faz sentido”. “Para ter um Mercedes preto não é preciso ir para a política, basta comprar um táxi velho”, afirmou.
Marcelo Rebelo de Sousa, que assistiu à cerimónia e subiu ao palco ao lado do ex-primeiro- -ministro, não poupou nos elogios. Guterres é “o governante nacional porventura mais consensualmente amado” e “o mais brilhante” da sua geração, disse o Presidente da República.
Apesar de nunca ter exercido engenharia, Guterres expressou uma “profunda gratidão” ao Técnico. “Se hoje tivesse de entrar para a universidade sabendo que iria fazer da vida aquilo que exatamente fiz, teria voltado a entrar para o IST”, garantiu. “O IST teve uma influência decisiva na minha vida e na maneira como vejo o mundo e como vejo os outros”, acrescentou.
“António Guterres é seguramente o ex-aluno do Técnico que mais visibilidade obteve a nível mundial”, disse Arlindo Oliveira, presidente do IST, no seu discurso. O professor partilhou com a audiência – onde estava António Costa, Carlos César, Fernando Medina e ministros e ex-ministros socialistas – uma história em que o estudante Guterres, distraído a discutir política, provocou um curto-circuito num laboratório da faculdade.
Alterações climáticas e Ciberataque
No seu discurso, o secretário-geral das Nações Unidas não falou apenas dos seus dias de estudante, mas também dos problemas de “sustentabilidade” e “inovação” que hoje em dia colocam em risco a população mundial.
“As alterações climáticas continuam a andar mais depressa do que nós próprios”, alertou, lembrando que “corremos o risco de perder esta corrida”.
“É infelizmente verdade que ainda haja quem com grandes responsabilidades a nível político duvide das alterações climáticas, contra toda a evidência científica”, continuou referindo–se ao presidente norte-americano, Donald Trump.
No entanto, Guterres afirma que “falta ambição suficiente para, em primeiro lugar, aplicar os Acordos de Paris e, em segundo lugar, reconhecer que os Acordo de Paris, em si, não são suficientes”. O secretário-geral da ONU defendeu que é preciso ir mais longe para evitar o aumento da temperatura de mais de três graus Celsius até ao final do século, “com consequências absolutamente devastadoras se isso se viesse a concretizar”.
Por outro lado, os perigos de um ciberataque estão também entre as preocupações de Guterres. “Estou absolutamente convencido de que a próxima guerra entre Estados será precedida de um massivo ciberataque”, alertou. “Só mobilizando todos os atores e reconhecendo a contribuição de todos os atores é que será possível evitar alguns dos riscos que são reais, quer pela indevida utilização da internet, quer pelo que poderá ser a evolução da inteligência artificial, um conjunto de ameaças à própria existência como espécie humana”, acrescentou na conferência de imprensa, já depois da cerimónia.