Deputados e distritais contra Rio

O novo presidente do PSD não se importou de esquecer aqueles que o apoiaram na corrida interna para garantir acordo com Santana. As consequências, porém, não são bonitas…

A desunida união do PSD. Foi assim que este semanário descreveu a sexta-feira que abriu o congresso do PSD do fim-de-semana passado. Uma desunida união. 

Volvida uma semana, essa desunião não unificou. Antes pelo contrário. O congresso abriu feridas e rompeu promessas; Elina Fraga causou surpresa e apreensão como nova vice-presidente do partido; e Fernando Negrão, indicado por Rio para líder parlamentar, não foi além dos 39,7% de votos favoráveis dos deputados do PSD na Assembleia da República.

Se o congresso simulou união, o Parlamento destapou-lhe a capa. Se Santana Lopes reuniu os ‘passistas’ durante as diretas, estes não o acompanharam depois de aceitar o convite de Rui Rio para acordo entre ambos.

Com Santana a encabeçar a lista ‘oficial’ de Rio ao Conselho Nacional, levando consigo Paulo Rangel e o ex-secretário-geral de Passos Coelho, José Matos Rosa, a tão badalada união consumou-se. Ou, pelo menos, pareceu consumar-se.

A verdade, todavia, é que não foi bem assim. Numa lista que procurou uma unidade quase total no partido, a procura dessa união acabou a desunir. 

Para o acordo entre Rio e Santana vingar, tanto um como o outro viram-se obrigados a abdicar de vários nomes que os haviam apoiado durante a corrida interna. 

Santana manteve os autarcas que foram protagonistas na elaboração do seu programa, como aliás o SOL já pré-anunciara: Paulo Cunha, Telmo Faria e Silvério Regalado. 

Rio puxou o eurodeputado Paulo Rangel para número 2 – que serviu de pressão perfeita às hesitações de Santana, na medida em que encabeçaria a lista caso este saltasse à última da hora, o que esteve para acontecer. 

Mesmo depois de os dois candidatos à sucessão de Passos Coelho terem entrado quase de mão dada no congresso, as negociações – protagonizadas pelos diretores de campanha Salvador Malheiro e João Montenegro – duraram até de madrugada. Só às quatro da manhã houve «fumo branco», como o coordenador da volta nacional de Rio, Bruno Coimbra, revelou nas redes sociais. 

A história repete-se?         

O trabalho, contudo, não deu fruto total. Apesar do apoio oficial de Rio, o rosto conciliador de Santana e a presença simbólica de Rangel e Matos Rosa, a lista apoiada pela nova direção ao Conselho Nacional – a maior e mais regular reunião dos sociais-democratas – falhou em atingir a maioria absoluta. 

As listas de Carlos Eduardo Reis, que passou de terceira lista mais votada no último congresso para segunda lista mais votada ao mesmo órgão, e de Bruno Vitorino, a fechar o pódio, deram dores de cabeça aos pretensos unificadores. 
Reis, que esteve com Santana durante as diretas e já fora seu porta-voz da juventude em 2008, consolidou a equipa que apresentara em Espinho, há dois anos. 

Vitorino, da distrital de Setúbal, contou com a proximidade do ex-líder da JSD Pedro Duarte e com a solidariedade de Pedro Alves, presidente da distrital de Viseu que apoiou Rui Rio mas acabou proscrito dos órgãos nacionais após a vitória do ex-presidente da Câmara do Porto. 

Os esquecidos

Pedro Alves, todavia, não foi o único ‘rioísta’ de peso a ser esquecido depois do ‘rioísmo’ triunfar nas urnas laranjas. Se Viseu sai manifestamente subrepresentado neste novo PSD – e isso foi notado –, há mais nomes que não foram em qualquer uma das listas apresentadas no congresso na antiga FIL. 

Ricardo Baptista Leite, deputado que fez aprovar a sua moção sobre a legalização da canábis no fim-de-semana passado, foi retirado à última da hora de vogal da Comissão Política Nacional – e nem uma vice-presidência do grupo parlamentar conseguiu. Teve, e a maioria não pode dizer o mesmo, direito a prémio de consolação: o também médico será o coordenador do PSD na Comissão Parlamentar de Saúde.

Cristóvão Norte, que ganhou notoriedade no rescaldo da vitória de Rui Rio por ter contribuído para o sucesso do nortenho no Algarve, foi outro dos nomes ausentes destas contas, um tanto ingratas para alguns. Virgílio Macedo e José Silvano têm de igual modo razões para se sentirem preteridos. 

O rioísmo, é certo, não começou a quebrar aí. Já com a surdez de Rui Rio às preferências dos deputados seus apoiantes para a liderança parlamentar despontaram várias tensões. 

Os parlamentares rioístas, que prefereriam Marques Guedes até ele se afastar do assunto, e depois pediram Luís Campos Ferreira até entenderem que Rio já havia escolhido, não ficaram exatamente felizes com a eleição de Fernando Negrão – e ainda menos com o seu primeiro discurso enquanto líder parlamentar. Vários dos que apoiaram Rio nas diretas não votaram na direção de bancada de Negrão e a reacção deste ao sucedido, com acusações de falta de ética, caiu mal nos corredores de São Bento. 

A deputada Clara Marques Mendes foi das raras exceções a defender o que o ex-ministro dissera após ser eleito com somente 39% da votação. O deputado Sérgio Azevedo, por outro lado, criticou o argumento de Negrão, que somou os votos em branco aos favoráveis para alegar maioria.

Um PSD anti-PSD?

Pode uma mulher que processou um Governo do seu partido ser vice-presidente desse partido? Parece que sim. Elina Fraga, ex-bastária da Ordem dos Advogados, provou-o. Apesar dos apupos durante a sua tomada de posse, procurou afirmar-se, dando duas entrevistas que visavam explicar que a auditoria à sua gestão enquanto bastonária – que está no Ministério Público desde o verão passado – não colocavam em causa as suas recentes funções políticas. 

Fraga assumiu que voltaria a processar o Executivo de Passos Coelho, dizendo que também esperava que o seu sucessor na Ordem dos Advogados processasse o primeiro-ministro atual se ele «matasse alguém» ou criasse «campos de concentração». Mais tarde, admitira que a comparação fora «extremada». 

Castro Almeida, que é agora vice-presidente do PSD a seu lado, fazia parte desse Governo alvo de críticas constantes de Elina Fraga. Isabel Meirelles, outra das novas vices do PSD, aprovou o pedido da auditoria a Fraga enquanto membro, em janeiro de 2017, do Conselho Geral da Ordem. 

Fraga, que declarou esta semana que o atual Governo lhe «repugna por ser de esquerda» é agora também vice-presidente do PSD ao lado de um homem que se diz «de esquerda»: Salvador Malheiro, já mencionado diretor de campanha de Rui Rio.

As reuniões na São Caetano serão, portanto, animadas. 

Artigo publicado na edição do SOL de 24 de fevereiro de 2018