Foi muito crítico de Passos Coelho e vai regressar ao PSD com Rui Rio. Espera que o partido sofra uma mudança significativa com a nova liderança?
É manifesto que a liderança de Rui Rio vai imprimir ao partido uma inflexão claríssima em duas vertentes fundamentais: a matriz social-democrata é recuperada, isso é evidente, como mostra a moção de estratégia que ele apresentou e depois a prática política vai confirmar; e, em segundo lugar, a democratização do partido. Rui Rio não pactua com situações menos claras e menos transparentes na vida interna do PSD. Nessas duas áreas as alterações vão ser significativas.
Essas mudanças internas normalmente não são fáceis de fazer…
Claro que não. A prova disso é que há uma oposição interna. São aqueles que ainda estão agarrados à imagem de Pedro Passos Coelho e alimentam naturais e legítimas ambições de regressar ao poder. É verdade que internamente há dificuldades, mas poderão ser superadas como foram superadas as divergências que poderiam ocorrer com o outro candidato, Pedro Santana Lopes. Essas foram, aparentemente, ultrapassadas. E depois existem as dificuldades próprias de o PS estar no poder muito favorecido por uma conjuntura económica vantajosa.
Alguns deputados e militantes do PSD criticam o seu regresso e lembram que apoiou António Costa nas últimas eleições legislativas. Como é que responde a essas críticas?
Não têm nada a criticar, porque, nessa altura, eu não era militante. Era independente. Se o partido aceita ex-militantes do PCP e votantes no PCP… Eu só posso ser sancionado por decisões que tomei quando fui militante do PSD. Foi o caso. Apoiei uma candidatura adversária do PSD. Não têm nada que me sancionar por atitudes que eu possa ter tomado quando não estava ligado ao PSD. Atitudes que eu assumo inteiramente.
Não se arrepende de ter apoiado António Costa?
Não. Tendo em conta a conjuntura própria. O partido não me quis e passei a independente. Como independente apoiei e votei em quem muito bem entendi.
Dois anos depois como é que analisa a governação de António Costa?
O saldo é positivo, já que os principais índices que interessam aos eleitores são animadores. As pessoas estão contentes. Mas como é óbvio o cimento que unia os partidos que apoiam o Partido Socialista parece começar a esboroar-se e, ao mesmo tempo, qualquer pequena degradação na situação económica internacional pode fazer baixar esse tipo de apoios que o Governo tem merecido.
Julga que este Governo vai cumprir a legislatura?
Não é provável que esta solução possa abortar antes das próximas eleições legislativas. Os partidos que apoiam o PS sabem que podem ser penalizados nas eleições se criarem dificuldades ao Governo. Eles não estão muito interessados em romper. A verdade é que, quer a nível sindical, quer noutros aspetos, está a verificar-se que há cada vez maior dissonância.
Como é que viu a discussão em relação à possibilidade do regresso do Bloco Central?
Isso é uma falsa questão. Foi uma questão que a oposição ao Rui Rio inventou. Isso nunca esteve na mente do Rui Rio, como ele claramente disse desde a primeira hora. Outra coisa completamente diferente é ter a consciência de que o país só avança se houver reformas estruturais em setores determinantes da nossa sociedade. Estou a falar da Segurança Social, Justiça, Administração Pública, Saúde, Educação… Essas reformas só são possíveis se PSD e PS se entenderem. Ele está claramente apostado nisso, porque coloca os interesses do país à frente dos interesses partidários.
Fernando Negrão, que foi escolhido por Rui Rio para a liderança do grupo parlamentar, teve menos de 40% dos votos. Isto não mostra que o partido ainda está muito dividido?
Não foi surpresa, porque o grupo parlamentar é maioritariamente composto por pessoas acérrimas defensoras da linha defendida por Passos Coelho e, portanto, adversárias da linha defendida por Rui Rio. Não gostaram desta solução. Só é pena que não tenham apresentado uma candidatura alternativa. Isso é que seria interessante de ver. Estou convencido de que as coisas se vão atenuar.
Este tipo de situações não ajudam Rui Rio…
Não ajuda nem desajuda. Não é nada de inesperado. Já sabíamos do que é que a casa gasta. Já sabíamos que aqueles deputados foram escolhidos em função da sua fidelidade ao dr. Pedro Passos Coelho. São pessoas que apoiaram Santana Lopes deixando de reserva aquele em quem eles apostam de facto, que não é o Santana Lopes. Será outro próximo de Passos Coelho. Ficaram aborrecidos e quiseram dar um sinal de que estão vivos.
Como é que se resolvem estas divergências entre aqueles que defendem um partido mais próximo das ideias de Passos Coelho e os que apoiam Rui Rio?
Vão conviver. Daqui até às eleições vão conviver e depois, evidentemente, o dr. Rui Rio será determinante na escolha e na seleção dos candidatos a deputados nas próximas eleições. Sempre foi assim. O que aconteceu era de esperar que acontecesse tendo em conta a situação e a natureza das pessoas que se abstiveram ou votaram nulo nestas eleições. A expectativa é que isso não vá impedir a afirmação política de Fernando Negrão e do PSD.
Fernando Negrão fez bem em ficar, apesar de ter tido um resultado muito fraco?
Ele já sabia isso. Não tinha, de certeza, dúvidas sobre isso. Conhece bem o grupo parlamentar e quando avançou muito provavelmente sabia que ia ter este resultado. Isso não assusta.
Como é que viu as declarações de Miguel Relvas e de outras pessoas a dizer que o Rui Rio é um líder para dois anos se não ganhar as eleições legislativas?
Eu não comento as declarações do Miguel Relvas. Acho que ele não tem estatuto dentro do partido para fazer comentários relevantes.
Mas faz sentido dizer que Rui Rio deve dar o lugar a outro se perder as eleições?
Se todos os líderes que perdessem eleições se demitissem isto era uma chatice. Não é uma regra. Estão a tentar fazer a cama ao dr. Rui Rio. Pode ser que tenham pouca sorte.
Está satisfeito por voltar ao partido que ajudou a fundar a seguir ao 25 de Abril?
Sim. Sou militante desde 1974 e é natural que esteja satisfeito. Não há ninguém no partido que tenha um currículo semelhante ao meu, tão diversificado, e que tenha percorrido todos os órgãos do partido em lugares cimeiros e todos os órgãos de Estado em lugares cimeiros, exceto a presidência da República e primeiro-ministro. Tenho, de facto, essa experiência que penso que pode ser útil ao partido e ao Rui Rio. Mas ainda não voltei ao partido.
Quando é que isso vai acontecer?
Eu e um conjunto significativo de militantes, cuja inscrição no partido cessou em 2013 por termos apoiado uma lista independente, apresentaremos muito brevemente um requerimento ao Conselho de Jurisdição Nacional no sentido do regresso. Ainda não o fizemos.
Artigo publicado na edição impressa do SOL de 25 de fevereiro de 2018