O comité antitortura europeu, que alertou o governo português para a elevada prevalência de relatos de agressões policiais em Portugal, mas também violência em contexto prisional, onde o problema mais gritante é a falta de condições, pediu para seguir seis casos em particular. São situações variadas que espelham algumas das chamadas de atenção mais genéricas feitas ao longo do relatório entregue às autoridades portuguesas em março de 2017 e divulgado ontem por esta estrutura do Conselho da Europa.
O primeiro caso sinalizado pela delegação do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) na visita a Portugal, e sobre o qual é pedida informação sobre o resultado das investigações, é uma alegada agressão por parte de forças policiais. A 2 de outubro de 2016, lê- -se no documento, um cidadão georgiano alegou à delegação que, quando foi detido pela PSP na esquadra de Pontinha-Loures, foi mantido algemado a uma cadeira durante o interrogatório e terá sido agredido com um bastão. O médico que acompanhava a delegação entendeu, após examinações, que o relato era coincidente com as lesões, não sendo mencionada qualquer violência nos registos da detenção.
O segundo caso de que o comité pretende conhecer o desfecho prende-se com uma detenção pela PJ do Porto em junho de 2016. Trata-se do caso de um homem intercetado ao sair do carro e que terá sido, alegadamente, pontapeado pelos agentes, lê-se no relatório. “Um dos agentes atingiu-o na cabeça com uma pistola, levando-o momentaneamente a perder a consciência.” Apesar de o indivíduo sangrar da cabeça, o comité refere que ele só terá recebido assistência médica dois dias mais tarde. A denúncia deste caso foi feita ao Ministério Público pelo médico que o atendeu.
Um terceiro caso ainda no campo da violência policial foi denunciado pelo advogado da vítima e as lesões foram registadas quer no hospital quer à chegada à prisão de Setúbal, em agosto de 2016.
A chegada à prisão Já numa parte do relatório dedicada ao ambiente prisional, a delegação refere alegadas agressões por parte de guardas prisionais. Um das situações foi reportada por um recluso na prisão do Montijo que referiu que as pessoas condenadas por abusos sexuais eram agredidas à chegada pelos guardas. Mas o caso sobre o qual pedem mais informações prende-se com uma queixa de um recluso da Prisão de Caxias. A mãe do indivíduo denunciou agressões por parte do grupo de intervenção e segurança prisional na deslocação para a cadeia.
Outros dois casos sinalizados durante a visita ao país em 2016 estão relacionados com a assistência aos reclusos. O comité pediu informações sobre o acompanhamento dado a um recluso, identificado como ML, que tentou fugir de Caxias em setembro de 2016. “Alegadamente foi esbofeteado e empurrado por guardas prisionais depois de chegar ao estabelecimento prisional e foi vítima de abusos sexuais por parte de outro recluso. A tentativa de fuga deste prisioneiro muito vulnerável (um homem de estatura pequena, de 20 anos de idade, ao cuidado de instituições desde os seis) foi, na visão do CPT, uma medida desesperada e a sua tentativa de suicídio após ter fracassado suporta esta visão”, lê-se no relatório, que refere ainda que, depois da tentativa de fuga, não existem dúvidas das agressões por parte dos guardas. O comité refere ainda que depois de ter sido visto pelo médico, o recluso foi aconselhado a dizer que tinha caído de umas escadas. Quando foi abordado pela delegação, já depois da tentativa de suicídio, tinha sido transferido para uma ala psiquiátrica da cadeia e estava sob o efeito de uma dose elevada de um antipsicótico que os peritos dizem não estar justificada no seu processo.
Por fim, o sexto caso prende-se com a preocupação com mortes nas prisões, com o comité a recomendar investigações independentes a todos os casos. O caso sobre o qual são pedidas mais informações, bem como sobre os procedimentos adotados, diz respeito a um homem encontrado inanimado em julho de 2016 na sua cela no Estabelecimento Prisional de Lisboa, três dias após ter sido admitido na prisão. “Apesar de ter apenas uma pulsação fraca quando foi encontrado, não é claro porque é que não foi chamada uma ambulância e porque é que a reanimação foi terminada sem confirmação médica. O prisioneiro foi transportado numa marquesa da ala D para a ala F, período em que a reanimação foi suspensa.”
Justiça não encontrou matéria para sanção Na resposta ao comité, o Ministério da Justiça garante que todos os suicídios são comunicados ao MP e é chamada a polícia criminal. Em caso de comportamentos suicidas, os reclusos são igualmente seguidos, já que desde 2010 há um programa de prevenção de suicídio nas prisões.
É referido que o homem que morreu no EPL não estava sinalizado e que as diligências foram as adequadas, tendo a morte resultado de causas naturais. Quanto ao caso de ML, a tutela refere que este indivíduo tem 17 acusações pendentes, tendo estado no hospital-prisão de Caxias e cumprindo pena atualmente em Leiria.
Os relatos de agressões foram investigados, mas não resultaram provas que permitissem a aplicação de sanções disciplinares a qualquer funcionário prisional. A investigação ao alegado comité de boas-vindas na prisão do Montijo também não permitiu verificar as alegações; o mesmo relativamente ao caso de Caxias. Já o MAI não forneceu detalhes sobre os casos suscitados na resposta remetida ao comité e ontem não foi possível perceber em que ponto se encontram as averiguações. Ontem, o ministro da Administração Interna garantiu que as polícias portuguesas não são xenófobas nem violentas e que todos os indícios são investigados.