À exceção do sorriso irónico de Luís Montenegro, que se foi tornando sua imagem de marca, já fazia bastante tempo que um líder parlamentar do PSD não trocava expressões amistosas com António Costa. Ontem, no debate quinzenal com o primeiro-ministro que marcou a estreia de Fernando Negrão como presidente do grupo parlamentar do PSD, deu-se o caso.
O ex-ministro falou a Costa com nostalgia autárquica no pensamento. “Senhor primeiro-ministro, cá estamos de novo”, sorriu. “Com debates uns mais simpáticos, uns menos simpáticos, como sabe bem melhor do que eu porque tem mais experiência política do que eu”, admitiu depois.
Costa correspondeu à simpatia, dizendo ter “gosto” em reencontrá-lo, pois já se conheciam da Câmara de Lisboa, e ainda apreciar a forma como Negrão “vê este debate; não como um duelo quinzenal, mas sim fazendo parte de um exercício democrático”.
“É com gosto que vejo estes debates retomarem a normalidade que certamente inspirou quem pensou a sua existência quinzenal”, atirou o primeiro-ministro, em crítica quase direta a Hugo Soares, que antecedeu Fernando Negrão na presidência do grupo parlamentar do PSD e que era dono de um estilo mais assertivo.
Mas não foi só no bom trato com Costa que Negrão exibiu parecenças com Rui Rio – visto nas últimas semanas em simpatias similares para com o primeiro-ministro. Também na lógica de diálogo com o PS e com o governo com o “interesse nacional” como bandeira isso se viu.
“É para isso que fomos eleitos: para trabalhar em nome do interesse nacional”, começou por afirmar em cumprimento ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, prometendo uma “oposição responsável, construtiva, mas firme”.
Com o primeiro-ministro, manteve o registo cordial e interpartidário. “Por um lado, sr. primeiro-ministro, tenho a certeza que nas grande questões sobre interesse nacional será possível dialogarmos e chegarmos a acordo”, começou por assegurar, prosseguindo. “Se essas questões de regime exigirem o diálogo e o acordo necessário, há toda a disponibilidade desta bancada para o efeito”, prometeu.
Adão Silva, seu primeiro vice-presidente e amigo de longa data de Rui Rio, ia marcando o compasso que em tempos Hugo Soares marcava a Luís Montenegro, com os tradicionais “muito bem!”.
A contrapor a “disponibilidade” da agora sua bancada, garantiu que esta terá uma “atitude de firmeza perante a governação de todos os dias” – o que depois serviria de preliminar ao tabu da entrada da Santa Casa da Misericórdia no Montepio. Costa ia acenando em concordância e nunca se irritava. Pela primeira vez, foi respondendo às questões do PSD com a mesma tendência para desdramatizar com que tem respondido aos partidos à sua esquerda nos últimos dois anos – a agressividade habitual para a oposição ficaria – e ficará? – reservada para o CDS de Assunção Cristas. (ver página 12).
Negrão insistiu que o PSD não abdicará de “representar os portugueses que não se reveem neste governo”. E até a isso Costa acenou com a cabeça.
Sobre o Montepio, o chefe de governo respondeu sem problemas, com tiradas como “partilhamos do mesmo ponto de vista” (“A Santa Casa existe para servir os pobres”) e remeteu a decisão para o futuro. Negrão não deixou de vincar que o PSD será “contra [a entrada da Santa Casa no Montepio ] em qualquer circunstância”, citando, desta vez assumidamente, Rui Rio e introduzindo a posição com amabilidades rumo a Costa como “eu quero ser leal consigo” – algo manifestamente impossível com a liderança parlamentar antecessora.
Sobre os tais “acordos” em nome do “interesse nacional” – bandeira de Rio agora carregada por Negrão – Costa não disse que não nem disse exatamente que sim.
“Há matérias que correspondem ao interesse nacional [lá está ele], que transcendem o âmbito desta legislatura e que têm que ver com a própria essência do Estado, para as quais procuraremos o acordo político mais alargado possível – desde a bancada do CDS-PP à bancada do Bloco de Esquerda”. Isto é: sim aos acordos; não à exclusividade do PSD.
Costa apontou à descentralização e à negociação do próximo quadro comunitário – como aliás Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa já haviam aludido publicamente – mas também lembrou que “já estava inscrito no programa” do PS que “os grandes investimentos públicos devem ser validados por uma maioria não inferior a dois terços” da assembleia. Ou seja, mais uma vez, a preferir o pluripartidarismo ao bloco central.
Para ficar bem claro, terminou a resposta aos sociais-democratas com uma advertência que servirá de tranquilizador à esquerda que compõe a solução governativa: “Não mudou nem a orientação do governo, nem a liderança do governo. Registamos tão só um novo empenho do principal partido da oposição num diálogo que desejamos e que já tínhamos inscrito no nosso próprio programa” – o tal consenso para as obras públicas, por exemplo.
Ao i, um deputado do PSD que não se declarou “surpreendido” positiva ou negativamente com a estreia de Negrão, constata um dilema. “O problema é que o novo líder [Rio] justifica o diálogo com o PS como para afastar a esquerda do PS, ao mesmo tempo que o PS responde ao diálogo do PSD com vontade de manter a esquerda nesse diálogo”.
Fernando Negrão reúne esta manhã pela primeira vez com o grupo parlamentar. Rio ainda não o fez nem o agendou.
Ferro institucional “Em nome da Assembleia da República, agradeço o seu sentido de serviço à causa pública”. A frase foi de Eduardo Ferro Rodrigues. O presidente do parlamento despediu-se do agora ex-líder da oposição, naquele que foi o último dia de Pedro Passos Coelho como deputado eleito na corrente legislatura.
Ferro proferiu breves palavras na abertura do debate quinzenal com o primeiro-ministro, António Costa, já presente. “Cessa hoje funções o deputado Pedro Passos Coelho. Exerceu funções de elevada responsabilidade no grupo parlamentar do PSD, na direção do PSD e no governo de Portugal”, introduziu Ferro Rodrigues, que foi, em 2015, líder parlamentar do PS quando os socialistas eram oposição ao governo de Passos Coelho.
“Independentemente das avaliações políticas de cada um e da pluralidade das visões aqui representadas, Pedro Passos Coelho merece a consideração e o respeito de todas as bancadas e, em primeiro lugar, do presidente da Assembleia da República”, continuou Ferro.
“Pela forma correta como defendeu sempre os seus pontos de vista, em nome da Assembleia da República, agradeço o seu sentido de serviço à causa pública e desejo-lhe as maiores felicidades nesta nova fase da sua vida”, concluiu, causando aplauso dos grupos parlamentares do PSD e do CDS, que integraram o executivo conduzido por Passos Coelho entre 2011 e 2015.
Passos, que reunira privadamente com Ferro antes da sessão parlamentar para se despedir do presidente da assembleia, sentou-se na penúltima fila da sua bancada, já do lado direito.
Luís Montenegro, coincidentemente, estava logo atrás dele. O seu antigo secretário-geral, Matos Rosa, ficou sentado à frente. E Marques Guedes e Campos Ferreira, que quase foram líderes parlamentares no último mês, a seu lado.