Depois do alvoroço e do afiar de facas, Diogo Piçarra disse adeus ao Festival da Canção, e a atitude do músico parece ter serenado de imediato os ânimos. O artista manteve a sua posição, sublinhando que estava de consciência tranquila relativamente às acusações de plágio. Continuou também a defender a música, cuja ideia lhe terá surgido em 2016, e que não entrou no mais recente álbum – “dois” –, porque quis guardá-la para “algo especial”. Pouco consolo lhe trará agora a ideia de que estava encaminhado para vir a representar Portugal na Eurovisão, depois de ter passado à final com a pontuação máxima tanto do júri como do público. O músico sublinhou que teria sido um orgulho fazê-lo, mas que, dadas as circunstâncias, “já não faz sentido nenhum sequer tentar ganhar essa oportunidade”.
O tema com o qual se apresentou ao concurso, “Canção do Fim”, revelou-se premonitório. “De costas para o mundo”, Piçarra saiu de “cabeça erguida”. Na mensagem que deixou nas redes sociais, sublinhou: “Não pretendo alimentar mais esta nuvem. Tudo isto que se criou em torno da minha participação, já não é Música.”
Se é difícil negar as semelhanças com “Abre os Meus Olhos”, um tema religioso da Igreja Universal do Reino de Deus, o curioso é que já esta era uma versão de “Open Your Eyes”, canção original do norte-americano Bob Cull. E basta uma pesquisa na internet para darmos com inúmeras versões da canção, sejam brasileiras ou em inglês, cada uma com gosto mais duvidoso do que a anterior. No fim, talvez o país tenha sido poupado a ver a prestação de Salvador Sobral ser sucedida por um tema que arrasta um cadastro tão piroso.
Para Piçarra é natural que ocorram estes acidentes de inspiração, e explicou que apesar de ser muito especial, “a sua simplicidade e a sua progressão de acordes não é algo que não tenha sido inventado, tal como tudo na música”. Não se ficou por aí, mas reagiu com alguma ironia: “E é engraçado como a vida tem destas coisas, coincidência divina ou não, e perceber que a Internet é o verdadeiro juiz dos tempos modernos. Aclama mas também destrói”, afirmava, no comunicado de segunda-feira, ou seja, na véspera de ter abandonado o concurso.
Depois dos ataques de que o músico de 27 anos foi alvo nas redes sociais, houve quem escolhesse este momento sensível para mostrar solidariedade. É o caso de Márcia, cantora que publicou a seguinte mensagem na sua página de Facebook: “Já sei que anda tudo a malhar no Diogo e eu, não tendo nada a ver com isso garanto-vos: Quem conhecer o Diogo encontra um miúdo simples e genuíno. Verdadeiro. Acredita em tudo o que canta. Plágio, odeio. Mas plagiar requer intenção ou, pelo menos, noção. Por isso não houve plágio nenhum.”
Se a cantora além de se mostrar compreensiva, provou a sua magnanimidade, não acompanhou Piçarra na noção de que estávamos perante uma canção que, a desaparecer, nos mereça muitas lágrimas: “A melodia pode ser básica e patética, digna de um pastor da IURD. Mas até agora ninguém fez uma letra (que seja!) a pensar na merda de apatia e passividade que temos hoje em dia perante o horror que se vive na Síria, os muros físicos que se levantaram para impedir a entrada e sobrevivência de gente que foge ao genocídio do seu povo, perante a cegueira voluntária do primeiro mundo. Força Diogo Piçarra. Todo o meu respeito”, escreveu Márcia.
Entretanto, a IURD [Igreja Universal do Reino de Deus] também reagiu à polémica, enviando uma nota à Lusa em que garante não ter qualquer direito sobre a música, adiantando ainda que o intérprete referenciado não tem qualquer relação com aquela instituição. Inserida no Volume II do álbum “Cânticos do Reino” da IURD, esta versão do pastor brasileiro Walter morreu, mas renasceu agora para assombrar o jovem músico português.
Na nota que divulgou nas redes sociais, Piçarra mostra-se, no entanto, pouco preocupado com as repercussões do caso da semana: “A minha carreira e vida não dependem disto, só depende de vocês e nesse sentido sei que estarei PARA SEMPRE bem acompanhado”. É certo que as Moiras estarão já a tramar a próxima polémica inconsequente para manter os portugueses presos no tear que marca o tom da vida nas redes sociais, por isso o caso não demorará a cair no olvido.
Por sua vez, a organização do Festival da Canção fez saber que “compreende e respeita a decisão do compositor e intérprete Diogo Piçarra”, mas esclareceu que “a RTP não duvidou em momento nenhum da integridade do artista, cuja carreira já fala por si”, apesar dos “argumentos e questões colocadas sobre o tema”.
Vale a pena lembrar o que Piçarra tinha dito na véspera, explicando que era ele a pessoa mais surpreendida com as acusações de plágio: “nasci em 1990, não sou crente nem religioso, e agora descobrir que uma música evangélica de 1979 da IURD se assemelha a algo que tu criaste, é algo espantoso e no mínimo irónico”. O artista que viu nesta canção uma oportunidade de internacionalização e que tinha até partilhado a letra não só em português como vertida para o inglês, frisou que “desconhecia por completo o tema”. “Continuarei a defender a minha música por acreditar que foi criada sem segundas intenções”.
Apesar de ter virado costas ao concurso, ponto fim ao julgamento público, Piçarra deixou a sua alfinetada: “Afinal as pessoas ‘quando olham, veem tudo’, no entanto, só o lado mau que procuram destruir.” Já a sua editora, também quis marcar uma posição e defender o músico: “A Universal Music Portugal tem um orgulho imenso em representar um artista, com o talento, profissionalismo e sensibilidade, como o Diogo Piçarra. (…) O Diogo jamais colocaria em risco a sua brilhante carreira, conscientemente, perante um concurso com repercussão nacional e internacional. Toda a polémica que se criou fez com que o Diogo decidisse retirar-se do Festival da Canção. É uma decisão difícil e corajosa, mas na qual a Universal se revê e se orgulha.”