Nuno Melo. “Há dois anos, Assunção foi eleita presidente do CDS. Este ano é consagrada líder”

Crítico, como sempre, de António Costa, acusa o primeiro-ministro de governar para a “reação popular imediata” e “em função do Twitter e do Facebook”. Será recandidato às europeias, sem o PSD, e vai ao congresso ao lado de Assunção Cristas

Ontem, Assunção Cristas reuniu pela primeira vez com o novo líder do PSD. À saída, Rui Rio disse que a aproximação do PSD ao PS é “a mesma que há ao CDS”. Para o Nuno Melo, a aproximação do CDS ao PSD também é a mesma que há do CDS ao PS? 

Eu argumento com a realidade. Não, a relação que o CDS tem com o PSD não é igual àquela que temos com o PS. Pela simples razão, entre outras, de que nos encontramos coligados com o PSD em algumas das autarquias mais importantes de Portugal, em que a vitória foi somente possível devido a essas alianças e aproximações contra um adversário: o Partido Socialista. Hoje, por alguma razão, essa questão surge com mais frequência. A minha resposta é sempre esta: olhar para onde o CDS está. E está onde sempre esteve, com o Partido Socialista como adversário político e com o socialismo como adversário ideológico. Não somos equidistantes, somos mesmo muito distantes. 

Não fica surpreendido com o PSD, que governou com o CDS, comparar a vossa relação com a relação que tem com o PS?

Não comento os posicionamentos estratégicos do PSD. Rui Rio, de resto, foi eleito presidente da Câmara do Porto numa coligação com o CDS – e não creio que a sua boa relação com alguns dos nossos dirigentes do norte tenha desvanecido. Independentemente do posicionamento estratégico que em qualquer momento conjuntural o PSD entenda, essa é uma circunstância a ver com o PSD. O que importa ao CDS é saber onde o CDS está. Sendo oposição a este governo do Partido Socialista. É isso que o partido tem feito na Assembleia da República. 

Há um ano, da última vez que conversamos, disse-me que Assunção Cristas teria “um grande resultado em Lisboa”. A confirmação dessa previsão será o mote do congresso do próximo fim de semana?

Em política, o sucesso tem sempre a ver com resultados. É assim. Na candidatura de Assunção Cristas em Lisboa, foi isso que aconteceu. Foi o melhor resultado que o CDS teve a concorrer sozinho em Lisboa desde o 25 de abril. Por isso, francamente, se no último congresso a Assunção foi eleita presidente do partido, – com um mérito que só se ganha nas urnas -, neste congresso será consagrada líder. São coisas diferentes e ambas importantes. 

O sucesso é para repetir nas europeias?

As realidades não são transponíveis, como sabe, mas pobre do partido que vai a votos sem ambições! O que nós dizemos é que o CDS é um partido com vocação de poder. Elegemos representantes em todas as eleições. E, nesse sentido, deve concorrer sozinho salvo circunstâncias excecionais em que as coligações se justifiquem. Em 2009, concorremos sozinhos e elegemos dois deputados quando muitos escreviam e diziam tal ser impossível. Em 2014, estávamos com o PSD em governo e a necessidade de estabilidade política era manifesta: concorremos juntos porque era melhor para o país concorrermos juntos. Fazia sentido sermos avaliados por aquilo que juntos havíamos feito no governo, sem abrir fraturas na coligação em funções. Hoje, apesar de termos ganho eleições, não governamos. Estamos os dois sentados nos bancos da oposição e seguimos estratégias próprias com prioridades não necessariamente equivalentes no tempo. Por uma questão de princípio, faz sentido concorremos sozinhos. Por acreditarmos que temos valores e propostas que nos distinguem pelo melhor dos vários partidos. Nós não somos um partido qualquer: fomos essenciais na governação anterior como somos hoje a liderar a oposição; somos um partido fundador da democracia portuguesa, um partido que ajuda – e faz por ajudar todos os dias – a traçar o nosso destino comum, com a sua militância, os seus dirigentes, o seu grupo parlamentar e a sua direção. 

Mas o que vos distingue do PSD, no plano europeu?

Estamos ambos do Partido Popular Europeu, mas sabe que no PPE nem todos os partidos [nacionais] pensam o mesmo. Nós não temos uma visão federalista da Europa, por exemplo. Nós não defendemos impostos europeus que o PSD tem defendido, por exemplo. Cada um tem a sua marca. Argumentar com essas diferenças é algo saudável, não é um problema. Contados os votos, tanto nas europeias como nas legislativas, o que é realmente importante é o CDS e o PSD terem juntos um melhor resultado que toda a esquerda. 

Na Europa de hoje, o que é mais prioritário combater: o ressurgimento do federalismo ou a manutenção do surto populista?

Na verdade, um decorre do outro. Se olhar para exemplos como o Brexit ou o crescimento dos extremismos, estes resultam em larga medida de uma reação nas urnas contra uma certa vontade de padronização, de macrocefalia europeia. Na moção que levarei a este congresso, falo um pouco disso. Em Bruxelas, há pessoas que gostam muito do chavão ‘Mais Europa’, mas não explicam o que se trata. E querem agora tentar o que já antes falhou: uma solução não para problemas, mas para erros que já cometeram. Há que respeitar os tratados europeus e saber que há neles um princípio de subsidiariedade temperado pelo princípio de proporcionalidade, que a Europa é um mosaico de norte a sul, de este a oeste, de povos, línguas, passados e interesses. A tentativa de padronizar tem levado consistentemente a uma oposição dos povos nas urnas – como sucedeu com a então chamada (e chumbada) Constituição Europeia – e também a uma ascensão dos extremistas. Eu não sou anti-federalista, sou é a favor da subsidiariedade por princípio. A realidade é muito evidente: os povos não querem trocar soberania por burocracia. 

E o Brexit é um exemplo disso?

Foi um primeiro sinal. Foi, sobretudo, uma manifestação contra um centralismo europeu que rejeita a diversidade das identidades que compõem o projeto comunitário. Os britânicos têm uma personalidade coletiva vincada, como sabe, e características seculares. Em certa medida, e sem querer esquecer argumentos que acabaram por ser provados falaciosos, houve federalismo que serviu de fermento para a vontade do Reino Unido abandonar a União Europeia. Vão sair prejudicados? Vão, muito. Mas a perda também é nossa. 

É uma maior perda política ou maior perda orçamental?

Ambos, necessariamente. E o político deve anteceder o económico num projeto que nasceu das guerras e devido às guerras – o projeto político da União Europeia surge para evitar guerras. Nessas guerras, o Reino Unido esteve do lado da democracia, e convém não esquecer isso. Se a paz é o primeiro grande sucesso da União Europeia, o Brexit é o primeiro grande fracasso. Se preferir revelar a dimensão financeira, a contribuição dos britânicos para o orçamento europeu é também substancial e representam um mercado de 70 milhões de consumidores… Mas insistindo na vertente política, o Reino Unido tem, como Portugal, uma vertente atlântista que fará falta. Militarmente, têm o maior exército da Europa de hoje e são uma potência nuclear. Não será, portanto, uma perda qualquer. Nenhuma perspetiva da União Europeia pode ser punitiva em relação ao Reino Unido. Estamos condenados a entendermo-nos e isso seria uma vantagem recíproca: temos os mesmos valores, somos sociedades ocidentais. 

As negociações não têm sido conhecidas por respeitar essas parecenças… 

É normal que as negociações comecem numa perspetiva de um certo endurecimento de posições e se vão esbatendo diferenças até um patamar comum. Quando o Brexit acontece, com tantos europeus empenhados para que assim não fosse, é normal que a primeira reação seja não querer que os britânicos acabem com melhores condições fora da União Europeia do que quando dentro da União Europeia. 

Mas que denominadores comuns vê, ainda, entre Estados-membros?

Para mim, os principais denominadores são as quatro liberdades: a livre-circulação de bens, pessoas, serviços e capitais; o mercado, e a transformação de mercados nacionais num mercado global; a segurança das fronteiras externas, contra problemas também globais como terroristas; e, em quarto, a Política Agrícola Comum, que também falo na moção. Acredito que na sequência de paz essa se trata de uma das maiores conquistas europeias: a autonomia alimentar. Há custos mais reduzidos, qualidade mais elevada e uma autossuficiência antes impensável. Também é preciso olhar para estas coisas, menos mediáticas. Tudo isto se deve à Política Agrícola Comum. E há em Bruxelas uma tendência para que a nova PAC remeta para os Estados competências que têm sido da União quando este é um dos exemplos de uma política que deve ser comum, independentemente dos problemas que possa ter.

Por exemplo?

Há uma disparidade que não é pequena. Os belgas recebem mais do dobro por hectare que Portugal recebe. 

Como se corrige isso?

Com instrumentos de convergência ao ritmo das revisões da PAC. Há coisas impossíveis de mudar, na medida em que se deram decisões de alguns Estados – incluindo o nosso – que prejudicaram o setor agrícola em virtude de outras opções como a via das infraestruturas. Do meu ponto de vista, foi errado. É possível melhorar, mas o caminho será sempre lento neste assunto. 

Como vê a sintonia do primeiro-ministro português com Emmanuel Macron? António Costa já se aproximara de dirigentes menos europeístas, como Alexis Tsipras, mas hoje tem posições em comum com um federalista. 

António Costa lidera um governo numa lógica de gestão diária. Não há uma afirmação estratégica, há o dia-a-dia. Governa em função do Twitter e do Facebook e da reação imediata. Isso leva a que a cada momento tome decisões que julga servirem os seus interesses. Quando foi à Grécia num momento em que Portugal ainda estava intervencionado – e Portugal estava intervencionado por causa de um governo de que ele fez parte -, fê-lo com isso em mente. Colou-se a Tsipras e ao Syriza porque isso lhe garantiu um contraste, tanto com essa herança quanto com o governo em funções. Agora, com Emmanuel Macron, é o mesmo. Encosta-se porque procura beneficiar dessa colagem. Junta-se aos radicais quando faz oposição; procura quem governa quando está no poder. O irónico é que a eleição de Macron fez com que o candidato socialista à presidência da França, o sr. Hamon, tivesse 6% nas urnas. E o ainda mais irónico é que nenhuma dessas colagens serve, de facto, o interesse nacional.

Em que medida? 

As listas transnacionais, que significam dar aos representantes dos maiores países europeus – que controlam os maiores partidos europeus -, o direito de escolherem os representantes dos portugueses no Parlamento Europeu. São federalistas a defender algo que nenhum Estado federal tem. Seria trágico para Portugal, como seriam trágicos os impostos europeus. 

Porquê?

Quando o governo anterior estava em funções, António Costa acusava o PSD e o CDS de irem além da troika, quando estávamos obrigados a implementar medidas que haviam sido negociadas pelo partido dele. Agora, que a troika não está em Portugal, vem sugerir três impostos à União Europeia sobre setores fundamentais de desenvolvimento. 

Mas a Comissão Europeia já havia sugerido impostos similares, em setembro de 2017. 

Não é bem assim. Em 2009, o professor Vital Moreira sugeriu impostos sobre as transações financeiras quando foi candidato ao Parlamento Europeu – e já aí o CDS foi contra, era eu cabeça-de-lista. O ponto, hoje, é termos um primeiro-ministro que se propagandeia na Web Summit ao mesmo tempo que propõe taxar o digital quando este ainda nem está devidamente sedimentado em Portugal. Isso é mau para o país. Muitas novas empresas portuguesas apostaram no digital com sucesso e com mercado. António Costa ter argumentado que o imposto que propõe não afetará essas empresas é vergonhoso para um primeiro-ministro. Claro que afetaria portugueses. Mais do que isso, afetaria portugueses como não afetaria os alemães e franceses que partem em vantagem competitiva por viverem em Estados que tributam menos do que o nosso hoje tributa.

Na sua moção, acusa mesmo o atual governo de ter indicado embaixadores espanhóis para “representar Portugal”. 

Durante a campanha das legislativas, em 2015, uma das sugestões que António Costa fez para poupança de recursos foi essa: o Estado português ser representado em política externa por embaixadores espanhóis. Isso não foi devidamente enaltecido pela comunicação social, mas não deixa de ser um facto. 

O seu regresso à liderança da distrital de Braga significa saudades de casa? 

Não (risos). Eu fui presidente da distrital de Braga durante alguns anos e foi desde aí que ascendi a várias funções dentro do partido. Eu considero importante que quanto mais responsabilidades um dirigente tem do ponto de vista nacional maior é a obrigação de estar junto das pessoas que o elegem. Isso é a base de tudo. Aquilo que dá verdadeiro sentido a um partido. Claro que seria mais fácil, como eurodeputado e vice-presidente do partido, não querer dar esse tempo e sacrificar alguma da minha vida familiar por funções de dirigente local. Mas é nestas estruturas, nos distritos, dos concelhos, que se conseguem bases para transformar votos em mandatos. O distrito de Braga é fundamental para o CDS. Tem votos, tem resultados. Se é fundamental para o meu partido, achei que devia dar um sinal, um contributo para ajudar o CDS no meu país. Era importante.