A Assembleia da República vai debater amanhã a possibilidade de criar o Estatuto do Cuidador Informal. A intenção é estabelecer direitos e deveres para quem cuida de pessoas dependentes como, por exemplo, idosos ou crianças com deficiência. Em Portugal, 800 mil pessoas estão nesta situação.
O diagnóstico está feito e, de acordo com um estudo pedido pelo governo, a grande maioria dos cuidados continuados prestados a pessoas com doenças crónicas são efetuados por cuidadores informais não renumerados.
Os deputados vão discutir os projetos do Bloco de Esquerda, PCP, CDS e PAN. Um dos diplomas mais abrangentes é o do BE, que propõe “consagrar o reconhecimento do Estatuto do Cuidador Informal”. A intenção é que estas pessoas possam vir a ter direitos como dias de descanso ou férias. “Pelo menos quatro dias de descanso por cada mês de prestação de cuidados”, de acordo com o projeto de lei dos bloquistas, que prevê “11 dias consecutivos de descanso, para efeitos de férias”.
Os cuidados seriam assegurados nestes períodos por equipas profissionais ou pela “possibilidade de estadia de curta duração da pessoa cuidada em Unidade de Internamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados”.
O projeto de lei dos bloquistas pretende também reconhecer a prestação de cuidados informais para efeitos de pensão de velhice. “O montante da pensão por invalidez ou velhice dos beneficiários do estatuto de cuidador informal é calculado com um acréscimo à taxa global de formação de 1,1% por cada ano de cuidados informais prestados a tempo inteiro, 0,55% por cada ano de cuidados informais prestados a tempo parcial e de 0,33% por cada ano de cuidados informais prestados de modo ocasional.” Outra das pretensões do Bloco é avançar com uma alteração ao Código de Trabalho para que os cuidadores possam beneficiar de 30 faltas para assistência a pessoa dependente e redução do tempo de trabalho.
O deputado do BE José Soeiro acredita que existem condições para que a proposta seja aprovada com o apoio dos socialistas. “Esperamos que sim. Temos muita expetativa de que o nosso projeto dê início à criação do estatuto e à aprovação da lei”, diz ao i Soeiro, garantindo que o Bloco está aberto a trabalhar em conjunto com os restantes partidos. O PS não apresenta nenhum diploma e não quer, para já, anunciar a posição que vai assumir neste debate.
O PCP apresentou também um projeto de lei para “reforçar o apoio aos cuidadores informais e às pessoas em situação de dependência”. O CDS e o PAN optaram por levar à discussão projetos de resolução em que recomendam ao governo a criação do Estatuto do Cuidador Informal. O diploma do PAN prevê, à semelhança da proposta do Bloco, a “consagração do direito ao descanso” e “a existência de horário flexível ou redução de horário de trabalho, se tal se considerar necessário e justificável, sem que isso se traduza numa redução da remuneração”. Os diplomas do PCP e do PAN preveem ainda benefícios para que os cuidadores possam usufruir de ações de formação.
Os centristas querem que o governo “reconheça as demências e a doença de Alzheimer como uma prioridade social e de saúde pública”.
Licenças de emergência O estudo encomendado pelo governo, intitulado “Medidas de Intervenção junto dos Cuidadores Informais”, traça o perfil dos cuidadores e recomenda a “implementação de benefícios para diminuir o risco de pobreza”, a criação de “respostas para descanso do cuidador” e uma linha de apoio permanente. O governo é ainda aconselhado, entre outras medidas, a “estudar a possibilidade de os cuidadores informais poderem ter a opção de licenças de emergência em contexto laboral”.
Foi um desespero total Os cuidadores e familiares de doentes de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas vão concentrar-se frente ao parlamento na sexta-feira. Os deputados vão discutir uma petição entregue por este grupo de cuidadores que reclama, entre outras medidas, a “redução do horário laboral em 50%, sem perda de vencimento”.
Maria Anjos Catapirra, uma das promotoras da petição, sentiu na pele as dificuldades de cuidar de uma irmã com Alzheimer. “Não tive apoios nenhuns. Vi-me num desespero total”, conta. Só depois de participar numa reportagem televisiva conseguiu um lar com capacidade para tratar da irmã, com dois filhos menores. Maria Anjos defende que o Estado deveria subsidiar as pessoas que quisessem “tomar conta dos familiares”, porque os espaços que existem com condições para estes casos não estão ao alcance da maioria das pessoas por motivos económicos. “Quem cuida 24 horas também precisa de comer, também precisa de comprar coisas, também precisa de ser alguém na vida. Conheço o caso de uma pessoa que teve de deixar o emprego. Esteve cinco anos a tomar conta da mãe e, quando a mãe morreu, ficou sem nada. Esteve um ano a viver do rendimento social de inserção porque não tinha nada”, diz.