Joana Marques Vidal adora falar. A pequena grande juíza falou esta semana, no jantar/debate organizado pelo Clube de Imprensa e pelo Centro Nacional de Cultura, no Grémio Literário.
Excecionalmente, o SOL chegou atrasado, perdendo as habitualmente notáveis apresentações biográficas de Dinis de Abreu. O historiador Rui Ramos, o ex-ministro Guilherme d’Oliveira Martins e a jornalista Graça Franco compuseram a mesa de honra.
Numa intervenção larga, burocrática e orgulhosa, a utilização do pretérito perfeito foi notada. A Procuradora-Geral da República já não fala do trabalho que «faz» mas do trabalho que «fez»; já não fala de projeto para futuro, mas do «legado» que pensa deixar.
O tempo verbal com o passado como referência foi, então, notado, motivando questões para o pós-rosbife – cujo puré a acompanhar não estava mau de todo, ainda que o facto de o SOL ter recentemente abdicado de comer pão com manteiga motive o apetite.
Direto ao tabu e sem esperar pelo café, lançou-se a pergunta: mantém Joana Marques Vidal a opinião de que o Procurador-Geral da República deve fazer somente um único mandato? Tem hoje outra opinião? E essa opinião mudou durante o exercício de mandato, consoante a atitude do Governo em funções?
Cabe a marcelo
Marques Vidal, que prometera inicialmente «liberdade total» nas questões, usufruiu da mesma para responder não respondendo.
«Relativamente a isso não vou responder e não é por não ter uma opinião muito clara ou por ter algum problema em responder», introduziu. E porquê? «É, pura e simplesmente, porque tudo aquilo que eu disser sobre esse assunto irá ser interpretado». Ora, a sala anuiu e os cafés chegaram. «Aquilo que eu disse e mantenho é que esse é um assunto – a questão da renovação do mandato, que é aquilo que todos pretendem saber – é uma questão da competência do sr. Presidente da República sob proposta do Governo», contextualizou, sobre o que dita a lei.
«O meu respeito institucional nunca me levará a dizer qualquer palavra que possa levar a uma interpretação que ponha em causa essa competência do sr. Presidente da República», clarificou, mais profundamente. «Não lhe vou responder e não respondo claramente por isso», concluiu, depois.
Em relação à recente entrevista do ex-presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, ao semanário Expresso, em que admitiu ter achado «estranhíssimo» falar-se na substituição da PGR com dez meses de antecedência, Marques Vidal confirma que leu, mas optou também por não comentar.
Rio pode ligar-me à vontade
O SOL, já de café tomado, persistiu em liberdade. Fazendo uso da possibilidade de uma segunda questão, assim foi. A relembrar a recente entrevista do antecessor de Marques Vidal na Procuradoria-Geral da República, Pinto Monteiro, que revelou que o novo líder do PSD lhe ligava «a protestar contra as fugas de informação» no Ministério Público, perguntou-se à atual PGR se considera que os políticos devem telefonar ao detentor do cargo e se Rui Rio já lhe telefonara.
«Ouvi-o várias vezes queixar-se», lembrara Pinto Monteiro, ao Público, sobre Rio, antes presidente da Câmara do Porto, hoje presidente do PSD.
Mas Marques Vidal voltou a não levantar ondas. Sobre «o relacionamento do poder político com Procurador-Geral», disse: «O dr. Rui Rio a mim nunca me telefonou. Não o conheço pessoalmente e também nunca o ouvi ao telefone – nem pessoal, nem institucionalmente», garantiu Marques Vidal, em oposição ao historial admitido por quem lhe antecedeu na PGR.
«Mas poderia ter telefonado», sorriu. «A questão é saber quais são os assuntos e motivos dos telefonemas. Qual é o objetivo das pessoas que telefonam e, principalmente, qual é a reação de quem é telefonado…», continuou, risonha, e sob coro silencioso de comentários à parte. «Eu quanto a isso estarei muito segura…», disse, aí já mais irónica. «A mim, toda a gente me pode telefonar…», rematou, com forte reação de aplausos à declaração de independência.
«Muito bem!», escutou-se lá ao fundo.
Pressões? Não…
As pressões são mais de momentos (ou «dos prazos»…) que propriamente de pessoas. É essa a conclusão que se tira das palavras de Marques Vidal, ainda no Grémio Literário.
«Às vezes a pressão vem muito da repercussão pública das situações. Das leituras publicadas das mesmas. De nós percebermos que não podemos reagir da mesma maneira», começou por dizer, já no final da noite. «Há coisas a que não se responde na praça pública, mesmo que uma pessoa leia e oiça as maiores barbaridades. Não se pode entrar no jogo de quem está a jogar. Isso, às vezes, cria uma grande pressão, quando começamos a ser bombardeados com perguntas e especulações», confessou a procuradora, que termina mandato no final deste ano. «É uma pressão mais das circunstâncias, que depois, quando há muito fogo de artifício, e tudo parece muito importante, temos de manter a calma», continuou, no hábito de deixar múltiplas vezes uma palavra ou uma conclusão no ar.
Para a PGR, houve por vezes «a hesitação» de decidir se valeria a pena «parar para explicar» ou se esse comportamento apenas «geraria mais barulho».
O pior momento em termos psicológicos, «foi o período que passei entre o dia que disse que sim e a tomada de posse», revelou. «Foram quatro dias muito difíceis», descreveu, ainda humorada. E a sala enterneceu-se.
Relação com angola está bem
«As relações entre Portugal e Angola sempre se mantiveram», foi uma garantia deixada, mais para o fim do repasto no Grémio. Sem nunca mencionar as controvérsias da Operação Fizz, Marques Vidal assegurou que as relações entre Portugal e Angola continuam dentro do normal.
«Há frequentes reuniões de trabalho. Ainda há cerca de um mês houve uma reunião de elementos de pontos de contacto com o cibercrime onde estiveram magistrados de todos os países», disse à sala, desta vez incluindo toda a CPLP.
«Aquilo que é a relação institucional não mudou. Estamos a criar uma página web de todos os Ministérios Públicos da CPLP. Há cerca de dois anos houve um grupo de 40 magistrados que vieram fazer formação inicial durante seis meses no Centro de Estudos Judiciários. Há uma relação muito intensa com estes países», desdramatizou novamente, e deixando um ‘mas’: «Coisa distinta e paralela é a relação processual entre os diversos países e essa processa-se naqueles que são os instrumentos de cooperação judiciais internacionais», disse, mais uma vez sem mencionar o caso de Manuel Vicente, ex-vice-presidente angolano. «É assim que deve ser. Com os fundamentos jurídicos de cada um dos países, no âmbito dos próprios processos e no âmbito da interpretação que se faz das leis aplicáveis. Não há nada de diferente entre aquilo que aconteceu aí do que com outros países na Europa: os despachos emitidos foram emitidos ao obrigo das convenções internacionais, os processos têm o seu controlo próprio. E o sistema está, claro, a funcionar». Mais palmas.