Doze de março de 2018. Se os planos seguirem em frente (e se a conjuntura económica ajudar, admite Manuel Heitor), a data ficará para a História como o começo de uma nova fase no posicionamento de Portugal no setor espacial, que está a crescer com cada vez mais aplicações em áreas bem terrestres – do planeamento urbano à defesa ou prevenção de incêndios. Na semana em que foi publicada a nova Estratégia Nacional do Espaço, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior traça os objetivos.
Daqui a cinco anos, o que espera que haja de diferente a acontecer no país?
Mais emprego qualificado, também com o desenvolvimento de novos mercados associados, da agricultura à segurança. O espaço serve para novas atividades em todas as áreas e a estratégia é sobretudo baseada numa aposta em emprego qualificado e parcerias internacionais. O plano é, seguramente, no prazo de dez anos multiplicarmos por dez a faturação na área do espaço.
Para valores de que ordem?
Por ano, o somatório das empresas que trabalham no espaço dará neste momento 40 milhões de euros. É passar para 400 milhões.
O setor emprega hoje 1400 pessoas no país. As empresas dizem que nem sempre é fácil contratar. O que prevê?
Penso que, apontando para o valor acrescentado que referi, podemos falar de aumentar cinco vezes o emprego. Será também uma forma de atrair para Portugal estrangeiros que queiram trabalhar nesta área. O que estamos a dar é um passo. Há quase 20 anos, a adesão de Portugal à Agência Espacial Europeia (ESA) também trouxe empresas novas para Portugal, quer empresas portuguesas quer, por exemplo, empresas espanholas. O que queremos agora é dar um passo novo na nossa maturidade tecnológica.
O porto espacial nos Açores para o lançamento de satélites é uma hipótese ou um compromisso?
É uma hipótese que não é a base da estratégia. A base da estratégia é criar novos mercados, ter empresas com know-how. Neste momento há um debate intenso na Europa sobre a localização no espaço europeu de serviços de lançadores. O Reino Unido lançou estudos para cinco localizações, a Suécia também tem estudos, assim como a Noruega. A ESA lançou um concurso para cinco estudos, dois dos quais sobre Portugal. Obviamente, são ainda estudos de oportunidade e que, mais que tudo, servem para posicionar Portugal nos novos mercados do espaço, mesmo que não venha a haver a fixação de um porto espacial. Isto implicará sempre uma nova fase de desenvolvimento tecnológico pois, atualmente, as tecnologias de lançadores são relativamente poluentes e estão associadas a grandes satélites para serem economicamente sustentáveis. Estamos sempre a falar do lançamento de satélites mais pequenos, que iriam exigir nova tecnologia.
No cenário em que o porto espacial avança, qual é o horizonte temporal?
Qualquer atividade desta natureza exige investimento privado e são projetos sempre a 20 anos. Mas, neste momento, isto é sobretudo uma estratégia de posicionamento de Portugal no mundo e naquilo que se chama o “novo espaço”: as novas indústrias muito assentes na monitorização por satélite.
Quando avança a Agência Espacial Portuguesa, prevista na estratégia?
Neste momento, a coordenação e promoção das atividades no espaço, que são sobretudo feitas com a ESA, é feita através de um grupo na Fundação para a Ciência e Tecnologia. A ideia foi começar por abrir esse grupo a outras participações de outras áreas, como telecomunicações, para que gradualmente evoluam para uma agência e deixem de estar na FCT.
Mas será uma agência autónoma?
É algo que deverá ocorrer no próximo ano e meio.
Mesmo com esta estratégia, ouvimos de alguns investigadores a queixa de falta de verbas para investigação nas universidades. Vai haver um reforço de verbas também para trabalho mais teórico?
A estratégia para o espaço tem de ser enquadrada naquilo que foi a definição, por parte do governo, de uma estratégia para a inovação. A nossa meta de convergência europeia para 2030 implica multiplicar por quatro a despesa privada em investigação e desenvolvimento (I&D) e duplicar a despesa pública.
No caso da despesa pública, e havendo queixa de falta de orçamento nas faculdades até para lidar com despesas correntes, as necessidades mais prementes do dia-a-dia não podem minar esse caminho?
É preciso ter uma visão e saber que isto é um esforço coletivo. O que hoje temos a certeza é que desde 2016 voltámos a convergir com a Europa em termos de despesa pública com investigação e desenvolvimento e os dados para 2017 são também positivos. Após cinco anos de divergência, temos este resultado e sabemos que continuará a ser um desafio para todos, para o setor público e para o privado. Portugal, entre 2011 e 2015, divergiu da Europa. Chegámos a 2010 com 1,6% do PIB investido em investigação e desenvolvimento e depois diminuímos para 1,2%. Voltámos agora a aumentar, mas não chega.
Não tem receio de que uma desaceleração do crescimento económico nos próximos tempos trave de novo essa recuperação?
Claro que sim, vivemos tempos de incerteza. Agora, temos de mostrar uma estratégia. Se vamos ser capazes de crescer durante 12 anos consecutivos até 2030, não sabemos, mas é esse o desafio. Convergir com a Europa é o único desafio que podemos ter. Esta questão das metas não é nova em Portugal: a primeira meta sobre investigação, em 1986/1987, levou o governo da altura a dizer “vamos chegar a 1990 com 1% do PIB investido em I&D”. Hoje sabemos que demorou 25 anos, só em 2007/2008 é que se atingiu esse valor. Agora, a meta são 3% do PIB até 2030, dois terços provenientes do privado e o resto despesa pública. São desafios que exigem uma mobilização coletiva e que estão sempre sujeitos a fatores externos.
Esta semana perdemos um teórico do espaço, Stephen Hawking. A estratégia nacional é mais pragmática. O lado da conquista, do que pode existir, que nos faz sonhar, tem de ficar para segundo plano? Não há dinheiro para tudo?
Obviamente que a estratégia do espaço lançada em Portugal tem um foco na observação da Terra e nas aplicações associadas. Mas os contributos de físicos como Stephen Hawking são muito importantes, também pela metodologia. Ele próprio também alterou a sua teoria, por exemplo, do buraco negro e mostra como o papel da ciência é estar permanente a questionar o mundo e a pôr perguntas mais difíceis. Nessa medida, é um exemplo de persistência e do que significa fazer ciência.
Hawking foi também um divulgador. Uma das ideias da estratégia é enriquecer os currículos escolares. Ainda é pobre a cultura científica dos portugueses?
Vinte anos depois da criação da Agência Ciência Viva, temos hoje um grande reconhecimento, até em termos internacionais, a esse nível. Temos uma escola nos Açores que venceu inclusive o CanSat, uma competição europeia de satélites que é essencialmente um exercício de cultura científica. Mas também temos de ter a noção de que, em termos médios, a cultura científica dos cidadãos europeus continua a ser um desafio. Mas temos hoje uma capacidade institucional para a promover que não tínhamos seguramente há 20 anos.
As entidades públicas portuguesas aproveitam os serviços que já estão disponíveis em termos de observação terrestre, por exemplo no campo dos incêndios?
Claro que aproveitam, mas podemos sempre dizer que podem aproveitar mais. Devo dizer que um dos desafios para o espaço é a prevenção dos fogos. Devido sobretudo à baixa frequência dos dados, o espaço tem sido mais usado no pós-fogo para mapear as áreas ardidas do que propriamente no planeamento e combate. O que vimos, por exemplo, em Portugal nos últimos anos foi fogos a alastrar em meia hora, e as imagens por satélite muitas vezes não vão além de três a quatro observações por dia, com intervalos de quatro horas. Uma das coisas importantes do chamado “Novo Espaço” que referi há pouco é termos, de facto, mais satélites, para podermos ter mais frequência de imagens, toda a meia hora ou todos os dez minutos. Enquanto isso não for possível, é difícil usar as imagens na prevenção dos incêndios mas também em segurança. E, nesse aspeto, o IPMA, que é um laboratório público, trabalha ativamente nas redes europeias.
Há 25 anos foi lançado o primeiro satélite português. Como olha para esses tempos?
A capacidade científica e tecnológica não tem nada a ver com o que tínhamos há 30 anos. Era uma capacidade muito incipiente. Hoje temos mais investimento e mais pessoas qualificadas. Há 30 anos doutorávamos cerca de 250/300 pessoas por ano, hoje formamos 2500 novos doutores. A capacitação do país permite que, hoje, Portugal entre em domínios em que, na altura, não seria possível.
A contribuição nacional para os programas da ESA vai aumentar para quanto?
O objetivo é duplicar a contribuição num horizonte de cinco anos. Atualmente, a contribuição é de 17 milhões de euros. Para o ano haverá a conferência interministerial da ESA e temos agora este período para nos prepararmos.
E para quando um astronauta português? Vai fazer lóbi por isso?
Certamente que essa é uma ambição, sobretudo da cultura científica. Sabemos que é um processo que resulta da formação dos jovens e pode vir a acontecer, embora a nossa estratégia não tenha o homem na Lua como principal vertente.
Qual seria então a sua aspiração, lembrando esse discurso de Kennedy que apontou para a ida do homem à Lua nos anos 60?
Através do espaço, ocupar todo o Atlântico. Se usando tecnologias espaciais conseguíssemos observar todos os centímetros quadrados do Atlântico e assim perceber melhor os desafios da evolução e da saúde dos oceanos face às alterações climáticas, seria um grande contributo.